Revista Exame

O St Marche, supermercado de ricos, é um sucesso improvável

Sem nenhuma experiência no varejo, dois empresários de São Paulo criaram a maior rede de supermercados de “luxo” do Brasil

Loja do Eataly em Milão, na Itália: os sócios do St Marche adiaram a abertura de uma filial dessa rede em São Paulo (G Piazzolla/Corbis/Latinstock)

Loja do Eataly em Milão, na Itália: os sócios do St Marche adiaram a abertura de uma filial dessa rede em São Paulo (G Piazzolla/Corbis/Latinstock)

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Da Redação

Publicado em 22 de agosto de 2014 às 10h24.

Última atualização em 23 de julho de 2018 às 11h06.

São Paulo - O empresário paulistano Victor Leal Jr. e o carioca Bernardo Ouro Preto são varejistas improváveis fazendo um sucesso improvável. Por décadas, vender alimentos e bebidas para os ricos brasileiros foi coisa de gente que pensava pequeno.

Os dois mais tradicionais empórios de luxo do país, a paulistana Casa Santa Luzia e a carioca Lidador, nasceram nos anos 20 — e sempre mantiveram os pés fincados no chão. O risco de crescer sempre foi grande demais: como nossa moeda nunca foi das mais estáveis, o preço das coisas podia variar a ponto de inviabilizar um negócio grande demais.

Diante disso, pode-se dizer que Leal Jr. e Ouro Preto, dois executivos sem nenhuma experiência no varejo, realizaram um feito inédito — abraçaram os ricos, mas sem pensar pequeno. Acabaram criando a maior rede de supermercados “premium” do Brasil em número de lojas, o St Marche.

Como costuma acontecer em histórias desse tipo, a coisa toda aconteceu meio por acaso. Há pouco mais de uma década, eles foram apresentados por um amigo em comum e souberam que havia um empório no bairro do Morumbi que estava claudicando. Interessada no varejo gastronômico, a dupla investiu dinheiro do próprio bolso e pediu ajuda a amigos e parentes.

Juntou cerca de 700 000 reais para arrematar o empório e transformá-lo em supermercado, reinaugurado em 2002. A ideia era vender de tudo, de vinhos franceses e sorvetes artesanais a detergentes e frutas frescas, dando prioridade às marcas mais consumidas pelos endinheirados.

No primeiro ano, a loja deu lucro. Hoje com 16 lojas, o St Marche fatura 370 milhões de reais e está em meio ao mais ambicioso projeto de expansão de sua história — chegar a 1 bilhão de reais de faturamento em 2018, com 40 lojas. Os dois são também donos desde 2007 do Empório Santa Maria, outro supermercado chique de São Paulo.

Um crescimento tão acelerado se deve ao encontro do modelo certo com o momento certo. Nenhuma rede de varejo capturou o, digamos, zeitgeist gastronômico brasileiro — sobretudo paulistano — da última década tão bem quanto o St Marche.

Foi a década da sofisticação, alguns dirão exagerada, de tudo: comprar cervejas, cafés, azeites, carnes e até o sal de cozinha ficou um pouco mais complicado. O St Marche, com suas bandejas de tomate de 14 reais, seus cafés em pó de 43 reais e seus azeites de 150 reais, virou uma espécie de símbolo dessa tendência.

O marketing abraça a ideia despudoradamente. O St Marche tem até um “manifesto” em que se define como o mercado “de gente que quer curadoria e menos encheção de linguiça”. Deu preguiça? Não consegue imaginar alguém que vá ao supermercado querendo curadoria? Que está dando certo, está...

Casos como o do St Marche são raros no mundo todo. Na maioria dos países, há pequenos empórios que vendem produtos sofisticados — e as compras do dia a dia precisam ser feitas em supermercados.

Uma exceção notória é a rede Whole Foods, com sua pegada orgânico chique, que cresceu alucinadamente nos Estados Unidos — e, de tão careira, passou a ser apelidada de “whole paycheck”, ou “contracheque inteiro”. Outro que rompeu a barreira é o italiano Eataly, que tem 27 lojas gigantescas, com restaurantes e espaços para eventos e aulas de culinária, em cinco países.

Há um motivo para os donos de empórios terem medo de crescer demais: é bem mais difícil organizar um esquema de fornecimento de produtos sofisticados do que de itens corriqueiros, como arroz, feijão, sabão em pó e atum em lata.

Alguns são fabricados por uma só empresa em condições artesanais, outros chegam por meio de importadores e podem sofrer com variações cambiais e atrasos nos portos (estamos no Brasil). A estratégia do St Marche para lidar com isso é ter produtos com garantia de fornecimento exclusivo e contratos longos nos segmentos mais críticos.

Além disso, há produtos que podem ser incluídos e retirados das gôndolas sempre que necessário. Todo mês, a rede muda cerca de 300 dos 10 000 itens vendidos nas lojas. Os donos do St Marche não deram entrevista, mas responderam, por e-mail, que querem crescer no esquema atual, mantendo o controle da operação.

“Queremos desmentir o mito de que quanto maior e mais feio o mercado, mais barato ele é”, disseram eles. “Temos uma equipe dedicada a pesquisar nossos concorrentes diretos para garantir que nossos produtos, básicos e especiais, estão sempre a preços competitivos.”

Segundo estimativas de executivos do setor, a margem de lucro do St Marche é de aproximadamente 5%. Concorrentes como Pão de Açúcar, que vendem de tudo, têm margens de 3%.

Crescer do zero aos 370 milhões de reais em 12 anos foi, de fato, um feito e tanto. Mas, com 16 lojas nos pontos mais nobres de São Paulo, a rede ainda tem um tamanho em que é possível driblar as dificuldades do mercado “premium”. Passar do estágio atual ao bilhão de reais será muito mais complicado.

Primeiro, o investimento terá de ser maior. A rede não tem um centro de distribuição, o que significa que os fornecedores precisam entregar os produtos de loja em loja — hoje, cobram em média 5% do valor total do pedido para fazer isso, mas o percentual pode crescer dependendo da quantidade de filiais.

O St Marche diz que estuda construir um centro de distribuição em 2015. Outro problema é o aumento do aluguel dos terrenos em bairros nobres, onde ficam as filiais do supermercado. Em média, os valores subiram 50% desde 2009, e não há sinais de que vão cair tão cedo.

Em razão dessas dificuldades, os empresários já postergaram os planos de crescimento. Em 2008, eles anunciaram que faturariam 1 bilhão de reais até o fim deste ano. Mas a meta foi adiada para 2018. O tropeço mais visível veio com o movimento mais ambicioso dos donos do St Marche — a tentativa de trazer para o Brasil o Eataly.

O St Marche já alugou um espaço de 4 000 metros quadrados no bairro do Itaim, em São Paulo, e pretendia lançar a unidade em novembro deste ano.

Mas mudou a data para 2015 — os donos dizem que a inauguração será no primeiro bimestre e que o atraso se deve à necessidade de deta­lhar o projeto e treinar a equipe; já executivos do setor afirmam que ficará para o fim de 2015, devido a problemas na importação dos produtos.

Mas, daqui em diante, a vida vai ficar mais dura porque nenhum pioneiro consegue ficar sozinho por tanto tempo. A tal onda gourmet, que explica o sucesso do St Marche, está abrindo espaço para uma miríade de lojas de bairro — de carnes especiais, queijos mineiros, chás, pães e por aí vai. São rivais diretos.

Finalmente, as grandes redes de supermercados decidiram apostar pesado nas lojas de bairro. O Pão de Açúcar, por exemplo, começou a investir no modelo “Minuto Pão”, de lojas pequenas e sofisticadas em bairros de alto poder aquisitivo. A concorrência, portanto, virá de todos os lados. A turma que quer curadoria vai precisar de ainda mais ajuda para escolher.

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