Alberto Carvalho, da P&G: oferta de produtos cortada pela metade durante a crise (André Lessa/Exame)
Maria Luíza Filgueiras
Publicado em 17 de fevereiro de 2017 às 05h55.
Última atualização em 17 de fevereiro de 2017 às 05h55.
São Paulo – Quando o engenheiro pernambucano Alberto Carvalho assumiu a presidência da gigante americana de bens de consumo Procter & Gamble (P&G) no Brasil, no final de 2012, a companhia vinha se apoiando em um ritmo frenético de lançamento de produtos para crescer. Empurrando tudo isso, havia uma estratégia de marketing repleta de celebridades televisivas. Quando a recessão bateu, era natural que o curso fosse alterado.
Concorrentes como a anglo-holandesa Unilever passaram a centrar esforços em produtos populares, já que o consumidor estava com a corda no pescoço. Mas a P&G fez o contrário: investiu tudo que podia em produtos mais caros. Foi como se a empresa fizesse de conta que seus consumidores não estivessem endividados, desempregados, com a renda apertada.
No mundo, a P&G cresceu 2% no ano passado, enquanto no Brasil a expansão superou os 10% (a companhia não divulga o número preciso), e a empresa tem ganhado participação de mercado em categorias como fraldas, amaciantes e produtos para cabelos. Em entrevista a EXAME, Carvalho explica por que sua lógica invertida está funcionando na pior recessão da história brasileira.
EXAME – Como a P&G reagiu à recessão dos últimos anos?
Alberto Carvalho – Foi um golpe de sorte termos tomado iniciativas já em 2013 e 2014 que permitiram que os dois últimos anos fossem muito bons para a empresa. A rentabilidade melhorou e ganhamos participação de mercado. Chegamos a isso remando contra a maré. As empresas de consumo costumam adotar uma receita de bolo nas crises, que é fazer muita promoção, reduzir os preços médios, lançar produtos mais baratos. Tomamos a decisão de simplificar nosso portfólio, diminuindo de 1 200 para 600 itens, para nos concentrar em nossas marcas-chave, que são as de maior valor agregado e se apoiam em qualidade e inovação.
EXAME – Qual é a lógica de vender itens mais caros quando o consumidor está com uma renda menor?
Alberto Carvalho – Em momentos de crise, as pessoas querem segurança das marcas, compram aquelas em que confiam, para não ter desperdício. Além disso, há algumas mudanças de hábitos durante a crise. Para poupar, as mulheres reduzem o número de vezes que vão ao salão de beleza, por exemplo, mas compram produtos melhores para fazer os tratamentos em casa. Lançamos produtos típicos dos salões brasileiros e trouxemos a marca australiana Aussie no ano passado. Na crise, produtos premium para cabelos vendem mais do que os mais populares.
EXAME – Houve resistência dos clientes, como grandes supermercados e drogarias, a essa estratégia?
Alberto Carvalho – O lojista quer aumentar as vendas e entendeu que, se ele vende um produto pela metade do preço do mesmo item da P&G, terá de vender dois. Mas ele não vai ter o dobro de clientes entrando na loja dele para isso acontecer. Fazemos promoções, claro, mas não nos apoiamos nelas. A estimativa dos supermercados é que perdem 11 bilhões de reais por ano com promoções, tentando atrair clientes. Quando você acostuma o consumidor a comprar seu produto só porque o preço está baixo, já perdeu esse cliente. Qualidade e inovação fazem a diferença.
EXAME – Isso funciona também em outros segmentos além dos produtos para cabelos?
Alberto Carvalho – As fraldas que vendemos hoje no Brasil não estão disponíveis no mundo todo, apenas em mais três países. Lançamos uma tecnologia nova, em que o gel substitui a polpa de madeira para melhor absorção. No ano passado, as vendas de nossas fraldas cresceram 25%. Fazemos adaptações específicas para a demanda local também. O homem brasileiro entende que tem a pele mais sensível do que em outros mercados, por isso lançamos uma Gillette que tem o dobro de fitas lubrificantes. Era fácil de montar e é o tipo de mudança que reforça a linha de itens de maior qualidade. Essas soluções mais adaptadas ao consumidor local tendem a ganhar importância.
EXAME – Por quê?
Alberto Carvalho – A P&G investe 2 bilhões de dólares por ano em 17 centros de inovação. Até agora, as demandas brasileiras eram desenvolvidas no centro dos Estados Unidos. Dá mais trabalho, já que precisamos trazer os pesquisadores para cá, montar uma linha de testes lá fora, traduzir documentos, testar na fábrica, trazer o produto final para cá. Em maio, vamos inaugurar um centro de inovação no Brasil, que será instalado próximo à fábrica de Louveira, no interior de São Paulo, com 120 pessoas. É um investimento de 150 milhões de reais, menor do que o aporte que fazemos para uma fábrica nova, por exemplo, mas muito relevante para o que queremos no mercado local. O Brasil é o terceiro maior mercado de consumo do mundo. Em praticamente todos os países em que a P&G está presente há pelo menos uma fábrica da empresa, mas em apenas oito há um centro de inovação.
EXAME – Que tipos de inovação vocês têm em mente ao inaugurar esse centro?
Alberto Carvalho – Desde janeiro, por exemplo, já não vendemos mais sabão em pó. O mercado de sabão líquido concentrado ainda é 25% do total no Brasil, enquanto em países desenvolvidos responde por 80%. Mas no líquido nós conseguimos trazer muito mais inovação, o que significa que o desempenho do produto é melhor — além de gastar menos embalagem, menos transporte e ocupar menos espaço nos supermercados. Mas essa é uma questão de hábito e conhecimento dos consumidores. Há cinco anos, não havia mercado de amaciante concentrado; hoje, ele já responde por 40% das vendas do segmento. Há particularidades regionais que também podemos explorar: sabemos que o consumidor da Região Nordeste usa mais creme para pentear o cabelo, por exemplo. É nessas linhas que o centro de inovação vai trabalhar.
EXAME – Desde 2012, a P&G cortou 7 bilhões de dólares em custos e, no passado, anunciou que pretende cortar mais 10 bilhões até 2020. A tesoura vai chegar ao Brasil?
Alberto Carvalho – Já fizemos vários movimentos de redução de custos, maiores até do que a média global. Reduzimos o portfólio brasileiro e abrimos os orçamentos de todas as áreas para ver como podíamos enxugar custos de transportes, custos de embalagens etc. Descobrimos, por exemplo, que a espessura de nossas embalagens poderia ser menor, fizemos testes e, com isso, economizamos material. Procuramos insumos locais para substituir importados. Em outros casos, redirecionamos em vez de reduzir o gasto. Cortamos eventos e investimentos de marketing com celebridades que não traziam resultados.