Diretores da Master Blenders: mudança geral no topo (Germano Lüders/EXAME)
Da Redação
Publicado em 16 de outubro de 2014 às 06h00.
São Paulo - Nos últimos dois anos, o argentino Juan Carlos Dalto, presidente da subsidiária brasileira da fabricante de café holandesa D.E. Master Blenders 1753, dedicou-se à sensível tarefa de ensinar sua empresa a fazer as coisas do jeito certo.
Quatro meses antes de sua chegada, em outubro de 2012, uma auditoria descobriu um rombo de 240 milhões de reais no balanço da empresa, dona de marcas como Pilão e Café do Ponto. Para ganhar mercado, seus vendedores registravam pedidos fantasmas e davam descontos astronômicos aos varejistas — e registravam muito pouca coisa no balanço.
Deu certo até que o golpe foi descoberto. A fraude no Brasil, seu segundo maior mercado, levou a Master Blenders a perder cerca de 1 bilhão de reais em valor de mercado e custou o cargo de seu presidente.
“Quando cheguei, o clima era de incerteza”, diz Dalto. De lá para cá, a empresa voltou a ter lucro, aumentou sua participação de mercado de 14,7% para 17,1% e, segundo varejistas e concorrentes ouvidos por EXAME, recuperou parte da imagem torrada e moída.
Assim como boa parte das companhias envolvidas em fraudes, a Master Blenders tinha uma perigosa combinação de falta de controles internos com incentivos que premiavam a agressividade. Era como juntar fogo e gasolina. Para ganhar terreno no Brasil, a matriz oferecia bônus pelo volume vendido — e não pela rentabilidade.
Também não acompanhava a forma como tudo era feito por aqui. Resultado: quanto mais descontos os vendedores ofereciam, mais bônus ganhavam. E mais dinheiro a empresa perdia. “Se a liderança for fraca e premiar práticas equivocadas, nenhum sistema antifraude funciona”, diz o alemão Andreas Pohlmann, um dos maiores especialistas em fraudes no mundo.
Pohlmann tornou-se o chefe mundial de compliance da multinacional Siemens em 2007, quando a empresa descobriu um esquema de pagamento de propinas em pelo menos dez países de 1999 a 2006. Hoje, Pohlmann ganha dinheiro ajudando empresas a evitar esse tipo de arranjo.
O Brasil é um mercado promissor para seus serviços. Em 2013, 74% das companhias brasileiras registraram pelo menos um caso de corrupção — sendo 16% deles crimes financeiros, segundo a empresa americana de investigação Kroll. Só no último ano, 1,7% do faturamento das companhias brasileiras foi perdido por causa de corrupção interna — um recorde.
“A boa notícia é que as empresas estão mais equipadas para investigar desvios e descobrir sabotagens”, diz Vander Giordano, diretor de negócios para a América Latina da Kroll.
Recuperar a imagem no mercado depois que um caso desses vem à tona é difícil e demorado. Nos seis primeiros meses por aqui, Dalto viajou por quase todo o Brasil para entender como eram feitas as negociações com os varejistas e quais eram as brechas que permitiam que fraudes acontecessem.
Junto com a matriz, concluiu que o maior problema eram os incentivos errados. Hoje, a Master Blenders premia os funcionários que fecham bons negócios — e não qualquer negócio.
Agora o bônus é casado com a nova estratégia da empresa — que é vender cada vez mais produtos de maior rentabilidade, como o café Pilão, e não competir apenas pelo menor preço. Para mudar o jeito como a empresa trabalha, Dalto fez uma mudança completa na equipe. Cinco dos seis diretores saíram da empresa e 45% dos principais gerentes foram substituídos.
O acompanhamento também aumentou. Hoje, qualquer desconto superior a 3% precisa ser aprovado pelo diretor comercial — antes, o vendedor oferecia o desconto que quisesse. Para que sua política menos camarada não descontente os varejistas que compram seus cafés, a Master Blenders passou a oferecer outros benefícios.
Antes, 70% dos pedidos eram fechados na última semana do mês, o que sobrecarregava o estoque dos supermercados. Nos últimos dois anos, a empresa estudou como é feita a venda de cada cliente e passou a abastecer os estoques conforme a demanda.
Atualmente, a última semana fica com apenas 40% do volume. Mesmo sem aumentar o volume de café vendido, a companhia conseguiu melhorar sua participação de mercado — e voltou a dar lucro. Como precaução nunca é demais, o sistema de denúncias internas anônimas, que antes existia apenas no escritório da Holanda, foi reproduzido no Brasil.
O time dos sete principais executivos passou a ter reuniões mensais na matriz, na Holanda, e também conversas diárias com os holandeses, por telefone, para explicar como estão os negócios por aqui.
Mais competição
Nos próximos anos, a estratégia menos agressiva da Master Blenders vai ser posta à prova por duas mudanças no cenário. Para começar, Dalto vai precisar convencer um novo chefe de que ganhar mercado a qualquer custo no Brasil é mau negócio. Em maio deste ano, a Master Blenders fez uma fusão com a divisão de cafés e chás da americana Mondelez, formando a maior empresa de café do mundo.
Foi a segunda mudança nos últimos anos. Em 2013, a Master Blenders tinha sido comprada pela JAB, holding controlada pela bilionária família alemã Reimann, que controlará a nova empresa. A outra provação de Dalto será lidar com um mercado brasileiro mais competitivo. O segmento dos cafés especiais, que inclui as onipresentes cápsulas, vem ganhando espaço.
A Master Blenders atua nesse segmento com a marca Senseo, mas a Nestlé, dona da Nespresso e da Dolce Gusto, domina o setor com mais de 76% de participação, segundo a consultoria GSK. Correr atrás da líder é uma novidade para a companhia. Em um mercado como o de café em pó, em que é líder com a marca Pilão, a estratégia de não forçar a barra com os varejistas se mostrou acertada.
Mas ela vai dar conta de roubar espaço em um novo mercado? Ou, para ameaçar a Nestlé, vai ser preciso aumentar a pressão sobre os varejistas e oferecer mais descontos? A nova fase da Master Blenders vai ser testada como nunca, uma cápsula de cada vez.