Revista Exame

Como nasceu Adam Smith

Pouco se sabe sobre a vida do pai da ciência econômica — uma recém-lançada biografia tenta explicar como nasceram suas ideias

"(Glasgow) era uma cidade em vigoroso crescimento (...); suas manufaturas incluíam refinarias de açúcar, rum, tecidos de linho, sabão e tabaco para exportação." (Divulgação)

"(Glasgow) era uma cidade em vigoroso crescimento (...); suas manufaturas incluíam refinarias de açúcar, rum, tecidos de linho, sabão e tabaco para exportação." (Divulgação)

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Da Redação

Publicado em 25 de agosto de 2011 às 15h42.

Em algum momento em nossa educação, aprendemos que Adam Smith é o pai da ciência econômica e ferrenho defensor do livre mercado. E pronto. É como se o homem tivesse caído do céu, legado ao mundo um livro, A Riqueza das Nações, e desaparecido, deixando seguidores e oponentes digladiando-se até hoje.

A culpa disso é do próprio Smith. Ele foi um acadêmico introspectivo e distraído, que morou boa parte da vida com a mãe, não casou nem teve filhos e, perfeccionista ao extremo, ao pressentir a morte, queimou seus documentos e trabalhos inacabados. Por pudor ou orgulho, deixou pouco para seus biógrafos.

Para reconstruir Smith e desvendar de onde vieram suas ideias, o historiador Nicholas Phillipson foi forçado a adotar um método indireto: descrever as cidades em que viveu, as escolas por que passou, seus professores influentes, amigos preferidos e o contexto político e religioso que envolveu o conjunto dessas vidas. O resultado é o livro Adam Smith — An Enlightened Life (“Adam Smith — Uma vida de sabedoria”, numa tradução livre).

Não raro, Smith é tomado por inglês, gafe imperdoável para um escocês nascido em Kirkcaldy, pequena cidade de tradição mercantil, em 1723. Escócia e Inglaterra tiveram ao longo de séculos uma história de conflitos, até que em 1707, pelos Atos de União (Acts of Union), os dois reinos unificaram Parlamento e coroa formando a Grã-Bretanha.

Esse movimento foi vantajoso para a pobre Escócia, que ganhou livre acesso ao mercado da Inglaterra e de suas colônias. Em pouco tempo, o comércio na região explodiu. A partir de 1730, quando Smith ainda era um garoto, Kirkcaldy, por longo tempo decadente, voltou a crescer com o desenvolvimento da produção de tecidos e das exportações para a América.

Mas, apesar do sucesso econômico, a união com a Inglaterra era impopular e não resolveu diferenças religiosas e políticas. Nas principais cidades escocesas, como Glasglow e Edimburgo, a capital, praticava-se o presbiterianismo — uma das seitas protestantes de moral mais rígida — liderado por pastores locais, que se ressentiam das interferências dos bispos da Igreja anglicana, controlada pelo trono inglês.

Na política, esses escoceses expressavam seu apreço pela autonomia apoiando os Whigs, partido político tolerante à sua religião e que lutava para manter a redução dos poderes do rei frente ao Parlamento, obtida na chamada Revolução Gloriosa de 1688.


Nesse ambiente moralista, rebelde e de forte expansão dos negócios, cresceu o jovem Smith. Aos 14 anos, ingressou na universidade de Glasgow e pulou os dois primeiros anos do currículo, dedicados ao latim e ao grego, os quais já dominava.

Em Glasglow, a segunda cidade da Escócia depois da capital, Edimburgo, Smith vivenciou as transformações e o enriquecimento causado pelo que mais tarde chamou de “a era do comércio”.

Entre sua chegada, em 1737, e sua morte, em 1790, a população local cresceu de 10 000 para 80 000 habitantes. Como todos os centros acadêmicos da época, o principal objetivo da Universidade de Glasgow era discutir teologia e o comportamento moral. Smith estudou lá durante uma fase brilhante e teve como professor da cadeira de filosofia moral Francis Hutcheson, que se tornou uma de suas principais influências intelectuais.

Os textos de Hutcheson tentavam criar uma teoria da natureza humana que superasse dois olhares desalentadores. O primeiro era o de pensadores como Samuel Pufendorf e Thomas Hobbes, que consideravam os homens inclinados à ganância e à violência, propensões que só podiam ser moderadas por um soberano absoluto e o temor a Deus.

Do outro lado, havia a visão satírica de Bernard de Mandeville, autor da Fábula das Abelhas, de que o egoísmo era o motor da prosperidade e o discurso moralista apenas um disfarce social hipócrita. O primeiro grupo desprezava o comércio enquanto Mandeville o via como uma maneira produtiva de canalizar os vícios humanos.

Hutcheson desenvolveu uma teoria mais otimista, que considerava o ser humano capaz de bom-senso e altruísmo. Também via o amor-próprio e a busca por conforto material como facilitadores dessas qualidades mais altas. Concluía, assim, que monarcas absolutos eram dispensáveis e que o comércio era bom. Esse enfoque capturou a mente de Smith.

Seu trabalho favorito foi o primeiro livro que escreveu, o pouco conhecido Teoria dos Sentimentos Morais. Nele, discorre sobre a empatia, a capacidade inata de um indivíduo de se colocar no lugar de outro e, desse ponto de vista externo, julgar a si mesmo. A noção de que a vida social desenvolve virtudes foi, depois, a base de seu pensamento econômico, expresso em A Riqueza das Nações, o livro em que faz uma incisiva crítica ao mercantilismo.


Esse mundo começava a rachar frente à fúria dos novos fluxos de comércio abertos pelo império inglês. Nesse cenário, o pensamento tradicional previa o caos, mas Smith enxergou o contrário — ordem e um caminho para a riqueza. Estava aberta a porta para uma revolução no pensamento econômico.

Para Smith, mercados abertos à concorrência obrigam as pessoas a produzir o que a sociedade demanda e não o que elas mesmas desejam. Produzir para os outros é a condição necessária, a camisa de força imposta pelo mercado, para financiar a própria vida. Quanto à riqueza da nação, os mercantilistas pensavam que ela se resumia ao acúmulo de ouro e prata.

Novamente, Smith escolheu a contramão, ao perceber que a chave da prosperidade é o aumento da produtividade do trabalho. Para aprimorá-la é preciso um grau cada vez maior de especialização impulsionada pelo comércio.

Ter crescido numa região onde os homens de negócio formavam clãs fechados para diminuir a concorrência fez Adam Smith detestar monopólios. É dele a observação de que, quando os produtores se reúnem, em geral o público sai perdendo.

Por temer que as atividades especializadas anestesiassem e impedissem o desenvolvimento intelectual dos trabalhadores mais simples, defendeu a educação pública. Mas foi apoiado no pensamento de outros expoentes do Iluminismo escocês, como o amigo e filósofo David Hume, que deu sua melhor contribuição: descrever os mecanismos que permitem aos indivíduos se autorregularem e à sociedade se organizar com uma fração da intervenção central que se imaginava até então.

Adam Smith acabou a carreira frustrado por não ter concluído dois livros que considerava necessários para terminar sua obra. Um deles seria sobre a história da filosofia e da literatura e o outro sobre governo e lei. Morreu considerando sua obra irremediavelmente incompleta.

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