Pedro Oliveira, fundador do BH: sem dívidas e com 200 milhões em caixa (Pedro Silveira/Exame)
Naiara Bertão
Publicado em 29 de março de 2017 às 05h55.
Última atualização em 29 de março de 2017 às 12h20.
São Paulo — As crises econômicas atingem as empresas de forma diferente. As companhias muito endividadas costumam se enrolar ainda mais; algumas conseguem mudar rapidamente para se adaptar ao novo cenário e perder menos dinheiro; e existem as que crescem ocupando o espaço de concorrentes que faliram. A recessão atual no Brasil tem um pouco de tudo isso. Mas é bem mais raro encontrar empresas que estavam indo bem antes da crise e continuam apresentando bons resultados sem mudar praticamente nada — especialmente no combalido setor varejista.
É por isso que uma rede mineira de supermercados, o BH, vem chamando tanta atenção de concorrentes e investidores. Fundado em 1996 por Pedro Oliveira, um ex-carregador de caixas em supermercados de Belo Horizonte, o BH fatura 5 bilhões de reais, tem 16 000 funcionários e 172 lojas. O plano, agora, é comprar o principal competidor no estado, a rede DMA, e tornar-se a quinta maior rede nacional, logo depois dos chilenos do Cencosud (hoje, o BH ocupa a sétima posição). “Se vem alguém falar de crise, eu peço para sair da sala”, diz seu Pedro, como é chamado pelos funcionários.
Dezenas de redes regionais de supermercados surgidas nas últimas décadas no Brasil se tornaram empresas relevantes do varejo brasileiro. É o caso do Zaffari, quinta maior rede nacional, e do grupo Irmãos Muffato, do Paraná, que é a sexta. Muitas acabaram sendo compradas — caso do Bompreço, no Nordeste, que foi adquirido pelo americano Walmart em 2010, e do Sendas, no Rio de Janeiro, comprado pelo Pão de Açúcar em 2011. O modelo de negócios do BH, porém, é diferente dos demais.
Como surgiu bem depois dos concorrentes — grande parte dos varejistas nacionais tem mais de 40 anos — e após a chegada ao país da maioria dos grupos estrangeiros, o BH decidiu crescer pelas beiradas, abrindo lojas onde havia poucos competidores. Escolheu como alvo a periferia de Belo Horizonte e, em seguida, pequenas cidades no interior de Minas Gerais — sempre vendendo produtos de marcas mais baratas. Assim, foi beneficiado pelo aumento do poder aquisitivo das classes C e D de 1996 para cá.
Nesses locais, a competição é com pequenos mercadinhos, e a vantagem do BH é ter escala para negociar melhor com os fornecedores. Além disso, as lojas são espaçosas e iluminadas, ao contrário do que acontece na maioria dos mercadinhos. “A presença em locais com poucos concorrentes permitiu criar um vínculo com o público. O BH faz mudanças em suas lojas para se adequar melhor ao perfil de cada região”, afirma Claudio Felisoni, diretor do Ibevar, instituto especializado em varejo.
Mais recentemente, a crise acabou dando uma ajudinha. Consumidores espremidos pelo aumento da inflação e do desemprego passaram a comprar nos atacarejos, como são chamadas as lojas que vendem produtos em grandes quantidades por preços baixos no varejo. Por ser uma rede popular, o BH compete com os atacarejos. “Alguns produtos podem ser mais caros no BH em comparação com as grandes redes, mas ele atrai os consumidores pela comodidade, já que há mais lojas nos bairros menos atendidos”, diz Flávio Boan, sócio da consultoria Falconi. Além disso, não é preciso comprar 10 quilos de açúcar ou 50 rolos de papel higiênico para conseguir preços melhores do que nos supermercados (como acontece nos atacarejos).
Ao detectar que mesmo consumidores de alta renda estavam comprando marcas mais baratas, a empresa vai abrir neste ano sua primeira loja num bairro nobre de Belo Horizonte. Além disso, comprou a rede Atacarejo (antiga ViaBrasil) por 78 milhões de reais e transformou suas lojas em filiais de varejo tradicional. O faturamento do BH aumentou, em média, 22% ao ano de 2011 a 2015 (último dado disponível), enquanto o setor cresceu 10%. Além disso, de acordo com o fundador, a empresa não tem dívidas e mantém cerca de 200 milhões de reais em caixa.
Filho de lavradores que moravam em Paineiras, a 250 quilômetros de Belo Horizonte, Oliveira decidiu sair de casa aos 18 anos para trabalhar em Belo Horizonte. Havia estudado até o 8o ano do ensino fundamental e, de cara, foi trabalhar em supermercados — primeiro como encarregado do depósito, depois como carregador, repositor e vendedor. Em alguns anos, virou gerente e, em seguida, supervisor de vendas do atacadista Ferreirão. Em 1996, quando tinha 40 anos e algum dinheiro guardado, ele decidiu usar as economias para abrir uma mercearia em um bairro da periferia de Santa Luzia, cidade próxima a Belo Horizonte.
Usou o lucro para ampliar a loja e, em seguida, para abrir filiais em bairros e cidades vizinhas. Em 2004, vendeu cerca de 40% da empresa para dois sócios e, com os recursos, inaugurou mais lojas e comprou mercadinhos que iam mal. “Meus amigos diziam que não ia dar certo vender na periferia e minha mulher queria que eu desistisse. Mas eu não levo em consideração o que os outros pensam”, diz Oliveira. Seus dois filhos trabalham na companhia — um como diretor comercial e outro como diretor de operações. Os gerentes são todos amigos de Oliveira e estão no BH há mais de dez anos. Todos os dias depois do almoço os amigos passam cerca de 1 hora jogando baralho em uma sala no 1o andar da sede da empresa, em Contagem.
A aposta é de 300 reais por pessoa. Aos poucos, Oliveira foi se tornando uma espécie de celebridade em Minas Gerais. Volta e meia, pega seu jatinho para comer galinha caipira na fazenda do cantor sertanejo Gustavo Lima, em João Pinheiro, a 340 quilômetros de Belo Horizonte. Torcedor fanático do Cruzeiro, já chegou até a pagar os salários atrasados dos jogadores. Mas, além do Cruzeiro, o BH patrocina o rival Atlético Mineiro e também o time de futebol de Montes Claros. “Não posso desagradar aos clientes”, diz.
O problema do BH é a baixa margem de rentabilidade. Para conseguir crescer e manter os preços baixos, a empresa lucra menos do que a maioria das grandes redes de supermercados. O indicador que mede o faturamento por metro quadrado de loja, um dos mais monitorados pelos varejistas, foi de 2% em 2015, um dos piores do setor — o índice do Zaffari, por exemplo, é de 5,7%; e o do Pão de Açúcar, 4,9% (o Walmart está pior, com 1,3%). Escala pode ajudar a resolver o problema, já que aumenta o poder de negociação com os fornecedores e ajuda a diluir os custos fixos.
Por isso, entre os planos de Oliveira está o de juntar-se a seu principal concorrente no estado, o grupo DMA, dono da marca EPA, que fatura 2,6 bilhões de reais e tem pouco mais de 100 lojas em Minas Gerais e no Espírito Santo. Ele negocia há anos com Walter Santana, que já é dono de 40% do BH e, além disso, é um dos maiores acionistas do grupo DMA. “Uma hora esse negócio sai”, diz Oliveira. Segundo o empresário, Carrefour, Walmart e fundos de private equity já tentaram comprar o BH, mas ele não quer vender (procurados, Carrefour e Walmart não deram entrevista). Também não quer sair de seu estado de origem, pelo menos por enquanto. Para o rei da periferia, Minas já é o bastante.