Revista Exame

Como doar 1 milhão de dólares

De posse da quantia depois de vencer um prêmio, decido dá-la a quem precisa. Mas qual é a maneira mais ética de pesar as causas que a merecem?

África: doações podem impedir a disseminação de doenças que matam milhões de crianças de baixa renda todos os anos (KSchermbrucker/UNICEF/Divulgação)

África: doações podem impedir a disseminação de doenças que matam milhões de crianças de baixa renda todos os anos (KSchermbrucker/UNICEF/Divulgação)

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Da Redação

Publicado em 19 de novembro de 2021 às 06h00.

Fui o vencedor do prêmio Berggruen de filosofia e cultura de 2021, premiação anual de 1 milhão de dólares por “grandes realizações no avanço de ideias que transformam o mundo”. Estou, é claro, encantado que meu trabalho tenha sido reconhecido por fazer o que sempre esperei que fizesse: mudar o mundo para melhor. Sinto-me honrado em me juntar aos eminentes vencedores anteriores, dos quais os mais recentes são Martha Nussbaum, Ruth Bader Ginsburg e Paul Farmer, e sou grato a Nicolas Berggruen por seu interesse e apoio — ambos muito raros entre investidores ricos — à filosofia e às ideias.

Assim que a excitação sobre a notícia passou, comecei a pensar no que iria fazer com o dinheiro. Não demorou muito para eu decidir doá-lo. Minha esposa e eu reconhecemos que temos dinheiro suficiente para viver de modo confortável e fazer as coisas que realmente importam para nós, e nossos filhos estão em posição semelhante. Ajuda, é claro, o fato de eles viverem na Austrália e, ao contrário de grande parte do mundo, terem água potável segura, cuidados de saúde gratuitos ou a custos acessíveis e educação de graça para os filhos deles.

Além disso, sou conhecido por argumentar que, assim como seria errado deixar uma criança se afogando em uma lagoa para evitar arruinar um par de sapatos caros, também é errado gastar dinheiro em luxos cujo valor poderia ser usado para combater a malária ou outras doenças comuns que a cada ano causam a morte de milhões de crianças de baixa renda. Assim, como poderia justificar usar o dinheiro do prêmio para comprar luxos?

Há cerca de dez anos, eu fundei a The Life You Can Save, instituição de caridade que espalha a mensagem de que é surpreendentemente fácil para a maioria das pessoas em países ricos fazer uma diferença enorme para aqueles em extrema pobreza nos países de baixa renda. A Life You Can Save recomenda atual­mente 23 instituições de caridade que foram avaliadas independentemente por oferecer valor extraordinário para o dinheiro e melhoria da vida de pessoas em extrema pobreza.

Decidi dar metade do prêmio em dinheiro para a Life You Can Save. Estou fazendo isso porque, nos últimos três anos, cada dólar gasto pela Life You Can Save gerou uma média de 17 dólares em doações para as organizações sem fins lucrativos recomendadas. (Já me antecipando aos cínicos, vou acrescentar que nunca peguei um centavo da organização.)

Mas não vou doar todo o dinheiro do prêmio para ajudar pessoas em extrema pobreza. Há mais de 50 anos, aprendi que muitos dos animais cuja carne eu comia na época estavam condenados a vidas miseráveis, amontoados nos galpões escuros das fazendas industriais. Tornei-me vegetariano e escrevi Libertação Animal, que, por sua vez, contribuiu para a ascensão do movimento moderno dos direitos dos animais. A agricultura industrial continua um horror, explorando de modo impiedoso dezenas de bilhões de animais terrestres todos os anos, e também um grande número de peixes. A produção animal também é um dos maiores contribuintes para as mudanças climáticas, e aumenta o risco de pandemias. Portanto, pretendo doar mais de um terço do dinheiro a organizações que combatam a agricultura industrial e que sejam recomendadas como eficazes pela Animal Charity Evaluators.

E quanto a outras opções? Devo doar para organizações que defendam uma transição mais rápida para emissões líquidas zero de gases de efeito estufa? Pensei nisso, mas decidi que o número de organizações trabalhando nisso já reduziu as chances de minha contribuição fazer uma diferença significativa. Alguns altruístas eficazes ponderados apelam para que foquemos em reduzir o risco de extinção. Mas as incertezas sobre como alcançar esse objetivo são tão grandes que eu prefiro doar para projetos para os quais as chances de realizar algo positivo sejam muito maiores.

Estou confiante de que doar para salvar vidas, restaurar a visão ou permitir que uma família escape da pobreza extrema faz mais bem do que doar para um museu ou para uma ópera. Outras comparações são mais difíceis. Como salvar 1 milhão de galinhas de uma vida amontoada em gaiolas de arame desencapado pontua em comparação a tirar uma dúzia de famílias da extrema pobreza?

No final, há várias causas que seria bom apoiar. O máximo que posso dizer sobre as minhas é que estão entre as melhores disponíveis.

 

(Arte/Exame)

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