Revista Exame

Como a vida da cofundadora da Amil virou de ponta cabeça

Dulce Pugliese, cofundadora da operadora de saúde Amil e ex-mulher do empresário Edson Bueno, influenciava o rumo dos negócios. Agora quem manda é ela

Amil: inventário pode mudar a estratégia traçada para um dos negócios da família (Amil/Divulgação)

Amil: inventário pode mudar a estratégia traçada para um dos negócios da família (Amil/Divulgação)

ML

Maria Luíza Filgueiras

Publicado em 26 de maio de 2017 às 05h55.

Última atualização em 26 de maio de 2017 às 07h13.

São Paulo — Ao longo de quase cinco décadas, os médicos Edson Bueno e Dulce Pugliese mantiveram um relacionamento peculiar. Quando eram casados, na década de 70, tinham sociedade também nos negócios. Juntos, compravam pequenas casas de saúde em dificuldade e esperavam faturar melhorando a gestão. Para não depender de um só pagador — o sistema público de saúde —, decidiram montar uma operadora de saúde, a Amil.

O casamento acabou pouco depois, mas, em vez de dividirem os bens e ir cada um para um canto, Bueno e Dulce continuaram sócios — e sócios para valer. Formaram a terceira maior rede de hospitais do país, venderam a Amil a um grupo americano e compraram a maior empresa brasileira de medicina diagnóstica, a Dasa. Por um acordo entre os dois, Bueno sempre foi o protagonista dessa história.

O empresário não só era a imagem institucional da companhia como imprimiu seu jeito expansivo aos negócios. Dulce, por outro lado, pouco aparece em eventos, não tira fotos, sempre foi reservada nas reuniões de conselho e não dava entrevistas. O cenário mudou em fevereiro, quando o empresário morreu depois de sofrer um infarto durante uma partida de tênis, e Dulce teve de assumir oficialmente o comando dos negócios. Agora quem senta no banco do motorista é ela.

Desde 2007, quando decidiram abrir o capital da Amil, Bueno tinha os direitos de voto das ações de Dulce, dona de 49% de cada negócio. Todas as decisões eram tomadas em conjunto e, segundo pessoas próximas à família e às empresas, Dulce participou ativamente de cada uma delas, mas era ele quem dava a palavra final. Após a morte de Bueno, as ações do empresário foram divididas entre os dois filhos — Camila, do casamento com Dulce, e Pedro —, o que suscitou especulações sobre um eventual conflito sucessório no império.

Mas não há conflito: Bueno deixou o comando definido em seu testamento. Ele transferiu a Dulce o direito vitalício de voto de todas essas ações. Os filhos só têm os direitos econômicos. “O Edson sempre falou que faria isso e conversava com executivos e com nossos advogados para garantir que fosse assim. Por fim, resolveu colocar no testamento”, diz Dulce a EXAME, em sua primeira entrevista. O casamento durou 17 anos, e a sociedade, 47. O arranjo societário veio logo no início. “Achávamos que alguém tinha de bater o martelo”, diz a empresária. “Discordamos em algumas questões do dia a dia, mas sempre saímos da sala com consenso. Já nas grandes decisões, como a venda da Amil ou a compra da Dasa, a visão era exatamente a mesma.”

Dulce é uma mulher alta, de cabelos escuros avermelhados e olhos azuis bem claros. Ao contrário de Bueno, é objetiva — suas respostas são curtas, e ela não gosta de dar palpites ou de jogar conversa fora. “Ela não vai trocar uma palavra com você num jantar se você não for até ela puxar a conversa”, diz um executivo da Amil. Era a melhor aluna da sala de medicina, em Duque de Caxias, quando começou a namorar Bueno. Ele fazia plantões cinco vezes por semana numa casa de saúde à beira da falência, quando um dos sócios resolveu vender sua participação.

Ao final do primeiro ano, o casal já tinha capital para comprar a segunda clínica. No ano seguinte, compraram a terceira. Para fugir do risco-governo, montaram uma carteira de segurados que daria origem à Amil. Bueno se mudou para o Rio de Janeiro para tocar a embrionária Amil e Dulce ficou em Duque de Caxias, à frente da rede de clínicas, que ainda era a principal geradora de receita. Quando a situação se inverteu, ela também foi para o Rio, como diretora de previdência privada da Amil, depois se tornou diretora de atendimento, até reassumir a área de hospitais.

Capitalização

Nos anos 90, quando o casal se separou, Dulce se mudou para os Estados Unidos para fazer doutorado em administração e dirigir a operação de atendimento internacional da Amil. Em 2007, com a onda de aberturas de capital no Brasil, bancos de investimento começaram a sondar Bueno para uma abertura de capital. Dulce concordou com a ideia e voltou para o Brasil. Bueno ficou responsável pelas reuniões com investidores nos Estados Unidos e ela ficou com Europa e Singapura. A Amil captou 1,4 bilhão de reais na oferta de ações. Seis anos depois, vendeu 90% do capital para a United Health, maior operadora de saúde americana.

A família Bueno embolsou 5 bilhões de dólares e 1% do capital da United, além de manter 10% da Amil. Bueno estava na presidência da empresa até dezembro. Mesmo fora da gestão e com a valorização de 200% das ações da United no período, a família pretende manter o vínculo. “O investimento na United Health foi excelente para os acionistas, e acreditamos na gestão atual”, diz Pedro Bueno. Com o capital levantado na venda, a família comprou o controle da rede de diagnósticos Dasa, presidida por Pedro. Para os especialistas do setor de saúde, é onde está o maior potencial de crescimento dos negócios da família, haja vista a pulverização de laboratórios no país e os ganhos de escala conforme a empresa cresce.

Mesmo antes da morte de Edson Bueno, a família vinha perdendo influência na gestão da Amil. Bueno tinha um acordo para seguir na presidência durante cinco anos, mas os maus resultados dos últimos tempos fizeram com que os americanos pressionassem por mudanças. Diretorias e vice-presidências já vinham sendo substituídas pela United Health. O acordo entre a família e os americanos vai expirar em setembro, quando poderá ser feita a venda dos 10% restantes da Amil.

Depois da morte de Bueno, as mudanças se aceleraram. Há um mês, a biblioteca mantida por Edson Bueno para os funcionários na matriz foi transformada num centro de inovação, um sinal dos novos tempos. O outro grande negócio da família e onde recaem as especulações é a Ímpar, empresa que reúne nove hospitais.

EXAME apurou com dois executivos de banco que a United Health tem preferência de compra dos hospitais, mas a família pode negociar com terceiros em caso de divergência de valores. Bueno tinha iniciado tratativas por um preço estimado em 7,5 bilhões de reais — mas elas foram suspensas. Dulce não comenta essas informações devido ao acordo de confidencialidade feito na venda da Amil. Ela diz que recebeu mais de uma dezena de interessados nos últimos meses, por causa dos boatos de venda, e que não há negociação em curso. “Estamos focados no crescimento da empresa”, diz. “Qualquer coisa pode ser vendida um dia, se houver oportunidade ou necessidade. Vendemos a Amil, que era nossa filhinha do coração.” A família tem feito investimentos relevantes na Ímpar.

Em dois anos, foram quase 400 milhões de reais e, neste ano, a previsão é chegar a 286 milhões para ampliação e tecnologia. É a terceira maior rede de hospitais do país, atrás da D’Or e da Americas, que pertence à Amil. Para os executivos do setor, ainda há espaço para consolidação também nesse segmento, já que o Brasil tem mais de 4 000 hospitais privados. “Até agora  as grandes redes estão onde há concentração econômica”, diz André Pimentel, sócio da consultoria Performa Partners.

A DNA Capital, family office dos Bueno, também tinha entre seus investimentos a Lavebras, lavanderia que tem como clientes grandes hospitais, vendida há cinco meses por 1,2 bilhão de reais. A DNA comanda ainda o investimento na Mafra, entre as maiores distribuidoras de medicamentos do país, com quase 3 000 entregas por dia, adquirida no fim de 2015.

Naturalmente, a vida de Dulce foi virada pelo avesso nos últimos meses. Ela encarou uma série de reuniões e cafezinhos com os principais executivos de todas as empresas do grupo para acalmá-los. Também teve de lidar com as ligações de solidariedade de conhecidos que lamentavam as notícias sobre uma possível rixa com Pedro nos negócios. “Não há mudança e muito menos desentendimento na família. O que houve foi uma insegurança na cabeça das pessoas que trabalham para a gente”, diz Dulce.

Até as definições com Solange Medina, viúva de Bueno (com quem não teve filhos), foram rápidas. EXAME apurou que o patrimônio herdado por ela será quase dez vezes maior do que o previsto no testamento. “A família não quer disputas e resolveu rápido”, diz um amigo de Bueno. “Não comentamos assuntos internos da família, mas podemos dizer que temos um apreço muito grande pela Solange e estamos totalmente alinhados no que diz respeito ao espólio”, afirma Pedro. Para executivos do grupo e amigos da família, Pedro e Dulce têm personalidade parecida. “O Edson tinha uma presença enorme, que enchia uma sala, e uma facilidade de relacionamento que eu não tenho”, diz ela. “Vou ter de me esforçar para aprender pelo menos um pouquinho.”

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