Revista Exame

Como a Telefônica mudou para que tudo ficasse como está

A telefônica é a maior empresa de Telecomunicações do país e continua tirando espaço da concorrência. Para se manter à frente, passa por uma transformação

Amos Genish e a equipe de estratégias digitais: eles querem ser referência mundial no universo digital (Germano Luders/Exame)

Amos Genish e a equipe de estratégias digitais: eles querem ser referência mundial no universo digital (Germano Luders/Exame)

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Da Redação

Publicado em 17 de agosto de 2016 às 12h48.

São Paulo — Quando o grupo espanhol Telefônica arrematou a companhia paulista Telesp, em um leilão de privatização em 1998, quase metade de seus funcionários era formada por engenheiros e técnicos responsáveis pela instalação e pela manutenção de orelhões — tempos em que os orelhões não eram simples enfeites de rua como hoje.

O maior desafio da companhia naquele momento era reduzir o custo da telefonia fixa, instalar telefones públicos a cada 600 metros em qualquer cidade que tivesse mais de 300 habitantes e começar a sonhar com a possibilidade de vender celular a um cidadão comum.

A Telefônica tinha chegado ao Brasil dois anos antes, com a compra da empresa gaúcha CRT. Dezoito anos depois, o número de acessos de telefonia móvel na Telefônica saltou de 1 milhão para 73 milhões.

O tempo de instalação de uma linha fixa diminuiu de até quatro anos para sete dias e o custo caiu drasticamente, de 1 200 dólares para 120 reais — e, surpresa, muita gente já acha desnecessário ter um telefone fixo em casa. Hoje a Telefônica busca em “concorrentes” como Facebook e Google seus novos funcionários e tenta entender o cliente que usa o celular para quase tudo, menos para fazer ligações.

São mudanças que ajudam a exemplificar a transformação brutal pela qual vêm passando a Telefônica e todo o setor de telecomunicações nas últimas duas décadas — uma mudança cujo ritmo só faz aumentar. “Para ser líder, é preciso coragem para transformar”, diz Amos Genish, presidente da empresa.

Em 18 anos, a Telefônica teve de se reinventar algumas vezes e, nesse meio-tempo, transformou-se num gigante. Para entrar em São Paulo, a empresa pagou quase 6 bilhões de reais por uma empresa que faturava 4 bilhões. Atualmente, a Telefônica fatura 42 bilhões de reais no país e vale 66 bilhões na Bovespa.

É a maior operadora de telecomunicações do país, avançando estrategicamente com novas operações e aquisições. A última e maior delas foi concluída em 2015, quando a Telefônica comprou a rival GVT por 22 bilhões de reais. Dois motivos fizeram os espanhóis pagar tanto.

Primeiro, a GVT, que nasceu como uma pequena empresa espelho instalada em Curitiba, crescia alucinadamente com um serviço de banda larga elogiadíssimo. Era, portanto, uma ameaça. Segundo, a aquisição era uma oportunidade de assimilar aquilo que havia feito a GVT dar certo e iniciar, assim, uma nova transformação da Telefônica no Brasil, dando a esse gigante um jeitão de startup.

Genish, um israelense que fundou a GVT em 2000, foi convidado a assumir a presidência da Telefônica. Imprimiu à empresa aquilo que considera os pilares de seu sucesso à frente da GVT: agilidade, autonomia, cobrança, menos burocracia. Em pouco mais de um ano, garantiu sinergias da ordem de 4 bilhões de reais, um terço do esperado com a fusão.

Em plena recessão brasileira, a Telefônica conseguiu aumentar a receita e melhorar sua geração de caixa, hoje 36% do faturamento. Uma grande vantagem nesse cenário foi estar mais bem preparada do que as concorrentes.

Claro e Oi fecharam o ano com prejuízo e a TIM teve lucro 20% menor do que em 2014, perdendo participação de mercado. O desempenho levou a Telefônica a ser a Empresa do Ano de MELHORES E MAIORES. É a primeira vez que uma empresa de telecomunicações é eleita.

Tudo muda

Ao longo de duas décadas, a Telefônica investiu quase 100 bilhões de reais no Brasil. De 1998 a 2001, o objetivo era a expansão de rede. No fim da década de 90, a única companhia que fazia ligações interurbanas em todo o país era a Embratel — pela rede da Telefônica, até era possível ligar de Campinas para Mogi das Cruzes, mas de Campinas para Teresina era preciso pagar pelo serviço da concorrente.

Na regra definida pela Anatel, as operadoras privadas teriam de cumprir metas de investimentos e serviços até 2003 para poder oferecer também chamadas entre estados. A Telefônica resolveu correr e cumpriu a meta dois anos antes. Afinal, o serviço interurbano era, segundo os especialistas do setor, o “filé-mignon” do mercado, com as maiores margens de lucro.

Para entrar no mercado de ligações interestaduais e também lançar sua internet fixa, na mesma época, a empresa comprou quilômetros de fios e tubos, que chegavam de navio de toda parte do mundo. Em setembro de 2001, a companhia cumpriu as metas e deu início à guerra publicitária pelo interurbano com o personagem super-herói Super 15, no combate ao 21 da Embratel.

“A grande jogada foi se antecipar aos concorrentes. Foram quase dois anos antes da Telemar e da Brasil Telecom”, diz o engenheiro Wagner Heibel, que trabalhou na Telebras e na Telefônica e é sócio da consultoria especializada 4Grid.

A demanda por materiais foi tão grande que, quando as concorrentes começaram a investir, tiveram de comprar fios e cabos da Rússia e da China por preços mais altos e entregues de avião cargueiro. Mas, após tanto investimento na rede fixa, logo foi preciso começar de novo. Pouco mais de uma década atrás, começou a popularização de fato da telefonia celular no Brasil.

A companhia fez uma associação com a Portugal Telecom e, com a consolidação de sete operadoras regionais, lançou a marca Vivo em 2003. Como as duas empresas pouco se entendiam em questões estratégicas, a Telefônica resolveu comprar as ações do sócio português. Esse foi o período mais turbulento para a companhia espanhola no país.

Primeiro, pelo rolo em que se transformou a negociação com a Portugal Telecom. Em maio de 2010, a Telefônica ofereceu 5,7 bilhões de euros pela parte da sócia e, após uma longa negociação que envolveu os governos de três países, fechou negócio — os portugueses em seguida compraram uma participação relevante na Oi, a “supertele” brasileira que, seis anos depois, sucumbiria a dívidas impagáveis e pediria recuperação judicial (veja quadro na pág. 49).

Foi em meio às negociações que a Telefônica teve de encarar também a ira dos clientes em São Paulo, com a pane no serviço de internet Speedy. Entre 2008 e 2010, falhas no sistema deixavam os clientes até 12 horas sem conexão, o que levou a Anatel a proibir a venda de novas assinaturas do serviço. Em 2012, houve nova pane no setor, mas dessa vez nas concorrentes.

A Anatel proibiu a TIM, a Oi e a Claro de vender novas linhas de celular até apresentarem um plano de investimento que recolocasse o serviço nos eixos, e a Vivo escapou por já ter feito os investimentos necessários. 

Problemas técnicos em larga escala e o já célebre “vamos estar te transferindo pela oitava vez” dos serviços de atendimento ao cliente fizeram com que as operadoras de telefonia entrassem na mira do consumidor.

Foi esse o cenário encontrado por Genish quando assumiu — um cenário tornado ainda mais complexo pela nova leva de inovações tecnológicas, simbolizada pelo onipresente serviço de mensagens WhatsApp, que encanta os clientes e tira receitas das teles. No último ano, o número de linhas de celular caiu 8% no Brasil. O faturamento das operadoras com telefonia fixa caiu 26% nos últimos cinco anos.

E 2015 foi justamente o ano de integração com a GVT, o que levou a mudanças de sistemas, de equipes e de estratégias. “Quem está na Telefônica tem de se acostumar com mudanças”, diz Niva Ribeiro, funcionária da Telefônica desde 2001 e hoje diretora de recursos humanos.

Sob novo comando, a empresa começou a atacar duas frentes estratégicas: resolver os problemas mais imediatos do serviço prestado ao cliente e desenvolver novos produtos que respondam aos desafios tecnológicos de hoje. Para arrumar o básico, Genish deu início a uma mudança cultural na Telefônica.

Seu objetivo — bancado pela matriz, que o contratou — é chacoalhar as práticas de gestão da Telefônica e dar à empresa uma cara de GVT. Para reduzir o tempo de decisões sobre projetos e investimentos, Genish deu mais autonomia aos vice-presidentes e diretores — que, com isso, também ganharam mais responsabilidade.

A alçada dos diretores para aprovação de despesas subiu de 250 000 para 3 milhões de reais, o que eliminou uma série de processos que levavam dias. As áreas da empresa passaram a dividir com o RH e o jurídico a responsabilidade pela gestão de orçamento de pessoal e contingências judiciais. Assim, cada um precisa gerir melhor seu orçamento e suas despesas.

Genish transformou as reuniões semanais com os vice-presidentes e diretores em mensais. A autonomia da operação brasileira em relação à matriz espanhola também aumentou — até 2015 a Telefônica tinha liberdade para aplicar 20% dos investimentos sem submetê-los à matriz, percentual que passou para 40%. Genish partiu, então, para os ajustes operacionais.

Em caráter emergencial, fez uma varredura nas reclamações dos clientes para encontrar padrões — como as regiões e as épocas do ano em que mais acontecem. Notou que havia picos na demanda por manutenção durante o verão em São Paulo — basicamente porque chove mais e a água entra nas caixas de fiação na rua.

A Telefônica fez uma operação de rua para simplesmente fechar essas caixas e impedir o contato com a água, o que resultou numa diminuição de 40% nas reclamações neste ano. A empresa fez uma operação para “remendar” as redes mais antigas da Telefônica, as quais atendem 3,5 milhões de clientes corporativos e cuja banda larga tinha uma velocidade de até 4 megabites.

Nas redes da GVT, a velocidade chega a 150 mega. “Podíamos deixar o cliente esperando cinco anos pela troca da rede, mas decidimos fazer alguns reparos que permitem ter hoje uma velocidade de 10 mega”, diz Alejandro Contreras, vice-presidente de estratégia da Telefônica.

O passo seguinte foi inverter uma tendência histórica e criar equipes próprias de atendimento — no mundo todo, a Telefônica utiliza prestadores de serviço terceirizados no call center e no serviço de campo, como reparos em postes e fiações.

“Se identificarmos os problemas, teremos parâmetros para pressionar nossos prestadores de serviço por resultados”, afirma Genish. Em três meses de trabalho de campo, em um projeto piloto de manutenção na região oeste de São Paulo, a empresa conseguiu diminuir em 42% os reparos que precisavam ser refeitos em até uma semana.

Inovação digital

Passado o período de mudanças emergenciais, Genish quer definir que cara a Telefônica terá na próxima década. “Precisamos ser mais digitais”, diz. A nova Telefônica está cheia de matemáticos e físicos, e os executivos têm treinamento intensivo sobre mídias digitais — desde 2013 as equipes dedicadas às digitais aumentaram 90%.

O primeiro projeto em andamento é usar uma base muito maior de dados para análise, o chamado big data, para definir investimentos de quase 10 bilhões de reais por ano na rede. Para isso, a empresa aumentou de dois para 49 o número de cientistas nessa área.

A empresa avaliava a ocupação da rede em 3 500 cidades — hoje já consegue fazer isso considerando dados de consumo de 206 000 bairros e 80 milhões de clientes. A empresa poderá monitorar, por exemplo, por quantas torres de celular passam clientes importantes em determinado trajeto de casa para o trabalho e reforçar a capacidade nesse percurso específico.

O modelo foi apresentado em abril ao conselho da Telefônica na Espanha, e a matriz decidiu replicá-lo em outros países. O mais recente projeto é baseado no modelo de negócios do aplicativo de músicas Spotify, que forma equipes para pensar inovações específicas — da concepção à comercialização.

O objetivo, aqui, é dar “donos” de verdade a cada projeto, sem que eles se percam na miríade de áreas envolvidas. No caso da Telefônica, uma dessas missões é transformar a visita técnica aos clientes — como agendar, cancelar, saber se o técnico vai atrasar ou não e avaliar o atendimento por meio de um aplicativo.

Em 2015, pela primeira vez na história, a Telefônica teve receita maior com dados do que com voz no segmento móvel — o que significa que as pessoas assistem muito mais a vídeos e trocam mais mensagens do que fazem ligações no celular.

“Isso aconteceu antes do esperado e não criou um rombo no modelo de negócios da empresa porque conseguimos aumentar a receita de dados numa velocidade maior do que a da queda de receita de voz”, diz Genish. O mesmo acontece em outros mercados do mundo. De acordo com uma pesquisa da consultoria EY, no ano passado 50% do tráfego das operadoras no mundo veio de dados.

Em 2010, representava apenas 10%. Para ver filmes, novelas, seriados, os usuários utilizam a rede construída pelas empresas de telecomunicações — as companhias de conteúdo recebem do cliente que compra um filme, por exemplo, mas a empresa dona da rede não ganha nada pelo aumento de uso, só o risco de uma pane no serviço.

Por isso, a Telefônica começou a faturar também com a produção de con­teú­do. Atualmente tem 2 bilhões de reais por ano de receita com 80 aplicativos pagos, como lições de espanhol e aulas de empreendedorismo — e, em setembro, vai lançar seriados produzidos especialmente para celular.

Por outro lado, Genish tem comprado brigas impopulares com aplicativos que usam a rede das teles — já chamou o Whats­App de “serviço pirata”. Para ele, em três anos os serviços de voz serão irrelevantes para o negócio das empresas de telecomunicações. Um pouco como os orelhões que a Telefônica comprou no hoje longínquo ano de 1998.

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