Revista Exame

Começou o vale-tudo

A inflação no país continua no topo da banda de flutuação do Banco Central. Mesmo assim, o governo despeja 70 bilhões de reais na praça para estimular o consumo. Faz sentido? Bem-vindo à campanha eleitoral de 2014


	Massa para a massa: na TV, a presidente Dilma, candidata à reeleição, tenta provar que é só uma dona de casa
 (Reprodução/YouTube)

Massa para a massa: na TV, a presidente Dilma, candidata à reeleição, tenta provar que é só uma dona de casa (Reprodução/YouTube)

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Da Redação

Publicado em 27 de agosto de 2014 às 18h00.

São Paulo - Faz sentido despejar um oceano de dinheiro na economia brasileira, justo num momento em que a inflação está louca para escapar do cercado construído pelas metas do Banco Central e a taxa de juro anda lá em cima, precisamente com o propósito de segurar o consumo e reduzir a pressão pelo aumento de preços?

Para quem entende de economia, não, não faz sentido. Para quem não entende e se vê obrigado a raciocinar apenas com a lógica comum e o bom senso, faz menos sentido ainda.

É bem isso, porém, que o governo acaba de fazer: junto com o início da propaganda eleitoral obrigatória, marco zero da campanha oficial pela Presidência da República, socou de uma vez só 25 bilhões de reais no mercado, na forma de um novo estímulo ao crédito bancário destinado ao consumo em geral. 

Ainda agora, neste último mês de julho, nossa presidente da República e candidata à reeleição havia aberto a represa para liberar outros 45 bilhões — ao todo, quase na mesma pancada, 70 bilhõezinhos para estimular os brasileiros a ir às compras, por meio da liberação do dinheiro que os bancos precisam manter congelado em depósito compulsório no BC e do afrouxamento das exigências de segurança nos financiamentos.

Pelo jeito, o primeiro derrame não deu lá muito certo, do ponto de vista das esperanças que o governo tinha de aumentar as vendas de carros, imóveis, motos “cinquentinha” e o que mais viesse.

Dos 45 bilhões liberados, 15 bilhões não saíram dos bancos por falta de interessados em endividar-se. Aparentemente, ao decidir que o consumo tinha de aumentar, as autoridades econômicas se esqueceram de combinar com o consumidor.

Bem-vindo à campanha eleitoral de 2014, em que um dos lados tem a interessante opção de mexer como bem entende na economia nacional para ganhar voto. E as consequências? Ao diabo com as consequências; como disse há pouco o ex-presidente Lula, “eles não sabem o que nós seremos capazes de fazer, democraticamente”, para Dilma ser “a nossa presidenta por mais quatro anos neste país”.

Esse “eles”, pelo jeito, somos nós — ou qualquer cidadão que pretenda usar seu direito de não votar em Dilma nas próximas eleições presidenciais. Para Lula, é tudo gente que se comporta com “ódio de classes”. Vêm daí, claro, decisões como as que acabam de ser tomadas na área de crédito.

Não fazem parte de uma política econômica coerente, não vieram de qualquer tipo de planejamento ou racionalidade administrativa. São apenas fruto do vale-tudo eleitoral, tão a gosto de Lula, Dilma, PT e seus clientes. A prioridade absoluta é ganhar a eleição — e, se o interesse público estiver atrapalhando, azar do interesse público.

Problemas para o país? Quem lembra isso é a elite pervertida pelo ódio de classes. Quanto ao prejuízo, já está tudo resolvido: entrega-se a fatura para a população em geral.

Vigora na vida política do Brasil nestes últimos 12 anos um triunfo geral da mentira. É compreensível, quando se leva em conta que os atuais donos do poder público só têm tido lucro com sua estratégia de mentir em tudo, o tempo todo, para todo mundo — três mandatos presidenciais seguidos, lindos índices de popularidade, favoritismo disparado nas pesquisas eleitorais de 2014, pelo menos até agora.

Por que iriam mudar justamente neste momento de mais uma disputa pela Presidência? Dilma, numa de suas primeiras falas da campanha recém-aberta, disse simplesmente o seguinte: “Eu represento a continuidade de Lula e a construção de um novo ciclo de crescimento”.

Ciclo de crescimento? A média de avanço do PIB em seus quatro anos de governo não passa de 1,8% ao ano, com menos de 1% em 2014 — o pior resultado da economia brasileira desde o governo Floriano Peixoto, segundo o economista Eduardo Giannetti.

Opcionalmente, pode-se ver Dilma no programa eleitoral vestida com roupa de escritório e jogando macarrão numa panela — audaciosa tentativa de provar para a população que ela é apenas uma dona de casa comum, veja só.

Realmente, está valendo tudo.

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