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Combinação de bônus alto e lucro baixo irrita acionistas

Uma pesquisa mostra a falta de sintonia entre o resultado das empresas e a recompensa paga a executivos no Brasil

15.	Coca-Cola - Muhtar Kent (Divulgação)

15. Coca-Cola - Muhtar Kent (Divulgação)

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Da Redação

Publicado em 2 de abril de 2015 às 06h12.

São Paulo - No dia 12 de março, o presidente mundial da Coca-Cola, Muh­tar Kent, tomou uma medida inédita em seus sete anos no cargo: renunciou ao bônus a que teria direito — uma bolada de 2,5 milhões de dólares.

Com a queda de 2% nas receitas e de 21% no lucro líquido da companhia em 2014, a medida serviu de prevenção ao ataque de investidores que, há dois anos, patrulham cada centavo da folha de pagamentos da maior fabricante de bebidas do mundo. Recentemente, o time ganhou uma voz de peso — Warren ­Buffett, maior acionista individual da Coca-Cola, tachou de “excessiva” a política de remuneração da Coca-Cola.

A cobrança, cada vez mais corriqueira nos Estados Unidos, tem uma boa razão. Segundo uma pesquisa de 2013 com 121 companhias nos Estados Unidos e no Canadá pela consultoria Towers Watson, um em cada quatro executivos receberam bônus naquele ano sem cumprir suas metas.

No Brasil, pela primeira vez um estudo mostra que a situação não é diferente. A consultoria PwC e o Instituto de Finanças da Fundação Getulio Vargas (FGV) de São Paulo analisaram 62 companhias listadas no Novo Mercado da bolsa paulista, que exige práticas mais elevadas de governança. De 2010 a 2013, quase 80% delas registraram queda de 31% no lucro líquido.

Enquanto isso, os bônus cresceram 4%. “Quando aumenta a parcela do lucro destinada aos bônus, cai a geração de valor para os acionistas”, diz Oscar Malvessi, especialista em estratégia financeira da FGV.

Apesar de apresentar um descompasso parecido, o mercado brasileiro está longe de observar reações como as dos investidores americanos. Um dos raros episódios ocorreu em 2013, quando um grupo de acionistas da incorporadora Gafisa protestou publicamente contra a remuneração de seus administradores. No ano anterior, a empresa teve prejuízo superior a 1 bilhão de reais, e as ações desvalorizaram 69%.

Ainda assim, seis diretores levaram conjuntamente um bônus de 10,4 milhões de reais. Logo depois, esses investidores — como a gestora Rio Bravo — decidiram vender suas ações. É de esperar que outros casos surjam à medida que se acumule um histórico de dados que, até 2009, não eram sequer publicados.

Desde então, uma regra passou a exigir que empresas de capital aberto divulguem a remuneração mais alta e a mais baixa, além de critérios de cálculo do pagamento variável de seus executivos. Não é muito, se comparado à transparência do mercado americano. Nos Estados Unidos, é possível saber a remuneração individual de cada executivo. A Coca-Cola publica até os gastos de Kent com transporte e segurança pessoal.

No Brasil, muitos relatórios omitem a razão de aparentes distorções. Na produtora de açúcar e etanol Cosan, o bônus dos diretores cresceu 29% de 2012 para 2013. Nesse período, a receita caiu 32%; e o lucro, 25%.

Em seu relatório, a empresa informa apenas que os indicadores definidores da recompensa podem ser “atrelados a uma linha do resultado da companhia, a seus custos e despesas, ou ligados a uma medida de produtividade”. Procurada, a Cosan não deu entrevista. “Cada empresa publica dados a seu jeito, muitas de forma vaga e incompleta”, afirma João Lins, sócio da PwC.

Segundo especialistas, a maneira de aumentar a transparência é tornar mais rígidas as regras do Novo Mercado, criado em 2002. “Deveria haver um acompanhamento mais rigoroso para garantir a publicação dos valores e dos indicadores que balizam o pagamento da remuneração variável”, diz Renato Chaves, especialista em governança da consultoria paulista Mesa.

Nenhuma alteração pode ser feita sem a anuência de pelo menos dois terços das 132 empresas participantes. “Desde o início imaginamos que as regras deveriam evoluir”, diz Gilberto Mifano, líder da criação do Novo Mercado quando era superintendente da Bovespa e hoje sócio da gestora de recursos Pragma. Hoje, essa é uma decisão que está nas mãos das próprias empresas.

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