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Combate ao terrorismo vai dar o tom às eleições americanas

Com a economia do país em recuperação, outro tema deve dominar os debates entre democratas e republicanos nos EUA: a política externa e a luta contra o terror


	Hillary Clinton: a favorita a sair como candidata democrata
 (Trevor Collens/AFP)

Hillary Clinton: a favorita a sair como candidata democrata (Trevor Collens/AFP)

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Da Redação

Publicado em 16 de fevereiro de 2016 às 09h07.

Nova York — No primeiro de­ba­te de peso entre os pré-candidatos republicanos à Presidência dos Estados Unidos, em agosto de 2015, os moderadores fizeram uma pergunta simples e direta aos dez participantes: “Caso não vença as primárias do partido, o senhor se compromete a apoiar o vencedor nas eleições deste ano?” Nove responderam que sim.

Donald Trump disse que não estava pronto para fazer promessas. A pergunta foi proposital, e a resposta de Trump, vaiada pelo público, previsível. O bilionário já despontava na dianteira das pesquisas. Sua ameaça implícita era lançar uma candidatura independente, dividindo o voto conservador.

Trump, o magnata do setor imobiliário conhecido pelo penteado esquisito e pelo ­reality show O Aprendiz, não era mais apenas um aventureiro em busca de exposição pública — era uma força política real. Mas nem os mais ferrenhos defensores de sua candidatura poderiam prever que, poucos meses mais tarde, Trump teria tanto impacto na campanha para suceder a Barack Obama.

Depois dos atentados terroristas em Paris e na Califórnia, as pesquisas e o clima político do país indicam que a política externa e a luta contra o terrorismo devem ser o tema central na escolha do 45o presidente dos Estados Unidos — e a mensagem xenófoba e intolerante de Trump ganhou nova dimensão. 

O estrategista político James Carville cunhou a famosa frase “A economia, estúpido” na campanha vitoriosa de Bill Clinton em 1992, encerrando um ciclo de 12 anos de domínio republicano na Casa Branca. A expressão era apenas um dos três motes internos dos democratas (os outros eram saúde e mudança), mas acabou se tornando um slogan para Clinton.

O país estava em recessão, e o 11 de Setembro só ocorreria nove anos mais tarde. Os Estados Unidos de hoje são um país muito diferente. A previsão era que a economia cresceria 2,2% em 2015 e 2,6% em 2016, segundo economistas ouvidos pelo The Wall Street Journal. O desemprego pode cair aos níveis mais baixos em quase uma década, com a expectativa de 2,3 milhões de novas vagas no próximo ano.

O Federal Reserve, banco central americano, voltou a subir as taxas de juro depois de anos de juro zero, parte do pacote de estímulo em resposta ao estouro da bolha imobiliária. “A ‘recuperação tartaruga’ logo vai cruzar a linha de chegada”, escreveram Jan Hatzius e Zach Pandl, dois dos principais economistas do banco Goldman Sachs.

Pelo menos no que diz respeito aos indicadores econômicos, até os estúpidos sabem que os grandes números vão bem, obrigado. Mas, quando o assunto é a ameaça invisível do fanatismo religioso, não há certezas, especialmente depois do ataque armado que deixou 14 mortos na cidade californiana de San Bernardino, no começo de dezembro.

A ameaça de indivíduos radicalizados pelas ideias do islamismo fundamentalista, enfrentada há anos pelos europeus, desembarcou no país. O presidente Obama disse em pronunciamento na TV que a luta contra o terrorismo “não deveria ser definida como uma guerra entre os Estados Unidos e o Islã”. Menos de 24 horas depois, Donald Trump defendeu um bloqueio temporário da entrada de muçulmanos no país.

“Até podermos determinar e entender esse problema e a ameaça que ele representa, nosso país não pode ser vítima dos ataques horrendos de pessoas que só acreditam na jihad e que não têm respeito pela vida humana”, disse Trump. “Não temos escolha.” A declaração foi condenada imediatamente dentro e fora dos Estados Unidos.

Mas, quanto mais extrema a retórica — Trump chamou os imigrantes mexicanos de estupradores, ofendeu mulheres e ridicularizou um jornalista portador de deficiência física —, mais ele cresce nas pesquisas.

Trump tem 35% das intenções de voto nas eleições primárias, um percentual maior do que a soma de seus adversários mais próximos, o senador Ted Cruz (16%) e o cirurgião Ben Carson (13%), segundo uma sondagem de New York Times/CBS News publicada dias depois da declaração do bilionário (embora a maioria das opiniões tenha sido colhida antes da divulgação dos comentários).

Jeb Bush, Marco Rubio e Chris Christie, nomes que representam o establishment republicano, hoje são meros coadjuvantes. Na longa campanha presidencial americana, muito ainda pode mudar. Quase dois terços dos republicanos ainda não estão certos de seus votos nas primárias, que começam em fevereiro e duram meses.

Muitos analistas acham pouco provável que Trump acabe desistindo da candidatura caso não tenha um bom desempenho nos primeiros estados a votar nas eleições primárias — sair como independente é uma opção. Mas suas ideias continuarão aprofundando a cisma entre a ala tradicional do Partido Republicano e o movimento ultraconservador.

Para uma oposição, o mal já está feito. “Trump ditou a agenda da campanha presidencial, o que é um problema enorme para os republicanos”, diz Jennifer Mercieca, especialista em discurso político da universidade Texas A&M. Ignorar Donald Trump também deixou de ser uma opção para os democratas.

Numa entrevista recente, Hillary Clinton, mulher do ex-presidente Bill Clinton e grande favorita para levar a indicação do Partido Democrata, riu ao ser questionada sobre o bilionário. Dias depois, sua atitude mudou: ela usou a palavra “medo” num comício, em referência aos ataques terroristas.

A ideia de que o governo não esteja fazendo o suficiente para proteger os Estados Unidos contra o terror pode ser um dos calcanhares de aquiles na tentativa do Partido Democrata de se manter por mais quatro anos na Casa Branca. Obama já declarou que não vai enviar tropas para combater o Estado Islâmico e continua disposto a receber refugiados da guerra da Síria.

E a economia inevitavelmente vai figurar entre os principais assuntos da campanha, apesar dos macroindicadores amplamente positivos e das poucas discussões sobre o tema até agora. Segundo o instituto Pew Research Center, a classe média americana encolheu para níveis comparáveis aos de 40 anos atrás.

A diferença de renda entre homens com diploma universitário e aqueles que só completaram o ensino médio dobrou entre 1979 e 2012. “Uma das grandes questões é saber qual será a narrativa dominante”, diz Corey Boles, analista sênior da consultoria política Eurasia Group. O desafio dos democratas é enquadrar o assunto em termos de desigualdade.

Os republicanos preferem outra abordagem. “Eles tendem a se concentrar na redução de impostos e na anulação do programa de saúde criado por Obama”, afirma Boles.

Mas o risco maior, na opinião de alguns observadores, é que o discurso virulento e populista contra os imigrantes por parte de Trump e alguns de seus ad­ver­sários republicanos desvie a atenção dos desafios estruturais da economia americana: a exportação de empregos e a crescente automatização do trabalho.

Com exceção da questão dos imigrantes ilegais, Brasil e América Latina não devem figurar entre os temas da campanha presidencial americana. Susan Segal, presidente do centro de estudos Sociedade das Américas/Conselho das Américas, também acredita que a crise institucional no Brasil não terá impacto nas relações entre os dois países, independentemente de quem seja eleito para a Casa Branca.

Para ela, o que acontece no Brasil é parte do jogo democrático e não tem interferência nas ótimas relações com os Estados Unidos. Quanto à eleição, os americanos têm preocupações muito mais concretas.

“Você já esteve em Iowa?”, diz Segal, fazendo referência ao estado no Centro-Oeste que realiza as primeiras primárias e é considerado um indicador importante da tendência dos eleitores. “Garanto que nenhum eleitor de lá esteja preocupado com a América Latina.”

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