Revista Exame

Com legalização, maconha gera novos negócios nos EUA

Com o avanço da legalização da erva nos Estados Unidos, novos negócios estão surgindo em um setor que já movimenta quase 3 bilhões de dólares por ano

A gosto do freguês: a loja Silverpeak, em Aspen, no Colorado, oferece até cachimbo feito de ouro para a clientela endinheirada (Divulgação)

A gosto do freguês: a loja Silverpeak, em Aspen, no Colorado, oferece até cachimbo feito de ouro para a clientela endinheirada (Divulgação)

DR

Da Redação

Publicado em 25 de fevereiro de 2015 às 18h00.

São Paulo - As montanhas nevadas de Aspen, no estado americano do Colorado, são um dos destinos prediletos da elite mundial. Cerca de 50 bilionários têm casa na pequena cidade de 6 000 habitantes, entre eles Jeff Bezos, criador da varejista online Amazon, e ­Michael Dell, fundador da fabricante de PCs e eletrônicos que leva seu sobrenome.

Na rua principal, em meio a lojas como Prada, Gucci e Louis Vuitton, um empreendimento local tem se destacado. Na luxuosa Silverpeak, a seleta clientela pode comprar, sem o menor temor da polícia, vários tipos de maconha. Uma das misturas mais apreciadas no momento é a “índica híbrida”, que reúne, segundo o catálogo da loja, “sabor e aroma de uvas e frutas vermelhas” e oferece sensações como “euforia, felicidade e sonolência” — produto indicado para um fim de noite ou para atividades leves ao ar livre.

Os preços cobrados por um cigarro de 1 grama variam de 11 a 13 dólares. O valor, três vezes maior do que o da droga vendida ilegalmente, justifica-se pela carga tributária de 35% e, segundo a loja, pela qualidade dos produtos.

“Queremos que nossos clientes tenham tanto orgulho de suas coleções de Cannabis quanto de uma coleção de vinhos”, diz Jordan Lewis, dono da Silverpeak, que investiu 10 milhões de dólares no empreendimento e recebe, segundo a própria estimativa, até 2 000 clientes em um dia movimentado.

Além de um catálogo com 11 tipos de erva, a loja comercializa essência de canabinol para vaporização de ambientes, bebidas à base de maconha e acessórios como cachimbos feitos de materiais nobres. 

Desde 1996, mais de duas dezenas de estados americanos e o distrito de Colúmbia, onde fica a capital, Washington, regulamentaram o consumo medicinal da maconha — que exige uma receita médica para que a droga seja comprada. Em novembro de 2012, os eleitores dos estados do Colorado e de Washington foram mais longe e aprovaram o uso recreativo em um referendo — qualquer residente desses estados pode comprar 28 gramas diárias.

No caso de Washington, a cota dos turistas é igual à dos locais, mas no Colorado fica limitada a 7 gramas por dia. É justamente o Colorado, onde a experiência foi colocada em prática primeiro, em janeiro de 2014, que é considerado o grande laboratório da legalização da maconha nos Estados Unidos.

De acordo com a consultoria ­ArcView­ Research, o consumo da maconha legal movimentou 2,7 bilhões de dólares em 2014. Em relação à estimativa mais aceita para o comércio ilegal, de 40 bilhões de dólares, a cifra legal não chega a impressionar. Mas o faturamento legal da maconha no ano passado representa um crescimento de 74% em comparação com 2013, e esse percentual dá a medida do potencial da maconha legal.

No Colorado, o setor já emprega 10 000 pessoas. Em um ano, o faturamento do setor no estado somou 800 milhões de dólares e rendeu aos cofres estaduais 76 milhões em impostos — todos pagos, literalmente, com sacos e sacos de dinheiro.

Embora a venda da Cannabis seja legal no Colorado, ela é crime em esfera federal. Logo, não há bancos que aceitem produtores e vendedores como clientes por medo de ser acusados de lavagem de dinheiro para o tráfico de drogas. Isso obriga toda a cadeia de produção a usar apenas dinheiro vivo — e representa um dos maiores empecilhos para o crescimento do setor.

“Não tenho acesso nenhum a crédito”, conta Tim Cullen, dono da Colorado Harvest Company, que tem quatro lojas nas cidades de Denver e Aurora e deve inaugurar um quinto endereço em março. Cullen, que planta toda a maconha que vende, já teve mais de uma dezena de contas fechadas em bancos. “Essas restrições não permitem que a empresa cresça na velocidade que o mercado demanda.”

Para lidar com a recusa dos bancos, o advogado Mark Mason, da Carolina do Sul, mudou-se recentemente para Denver a fim de criar a primeira instituição financeira exclusiva do setor. Mason reuniu outros nove sócios — entre advogados, médicos e empresários do ramo — para fundar o banco Fourth Corner Credit Union.

O Fed, banco central americano, geralmente analisa os pedidos preliminares de novas instituições financeiras em questão de semanas. Mason e os outros sócios do Fourth Corner, porém, esperam há três meses por uma resposta. Caso a questão do crédito seja resolvida, a indústria deve deixar a fase de negócio artesanal, mas ainda há muitas dúvidas se conseguirá um dia chegar ao estágio de ter uma Marlboro da maconha.

Nos anos 70, grandes empresas do setor de tabaco, como Philip Morris e British American Tobacco, manifestaram interesse em comercializar a erva e acabaram recuando diante da proibição dos governos da época. Desde a nova onda de regulamentação, não se ouviu nenhuma posição oficial das gigantes do tabaco.

“Nenhuma grande companhia deve entrar para valer no segmento sem que pelo menos dois terços da população americana vivam em estados em que o comércio recrea­tivo seja legal”, diz Jonathan Caulkins, professor de economia da Universidade Carnegie Mellon, na Pensilvânia, e um dos maiores estudiosos do assunto.

A próxima rodada de consultas públicas nos Estados Unidos está marcada para 2016. Até lá, o lobby a favor do uso recreacional e o contrário à legalização vão se digladiar — sempre de olho no que acontece no estado do Colorado. “Estamos cientes de nossa responsabilidade. Temos de provar que nosso experimento é bem-sucedido”, diz Lewis, da Silverpeak.

Curiosamente, esse debate tem reunido gente que normalmente estaria em trincheiras opostas. Ativistas de direitos humanos mais à esquerda no espectro político americano brigam pela legalização por acreditar que a proibição só faz prosperar o crime organizado e a violência.

Já os liberais genuínos, aqueles que defendem o conceito de menos intervenção do Estado na vida do cidadão em todas as esferas, são a favor da regulamentação da indústria da Cannabis simplesmente por achar que não é papel do poder público se meter nas preferências individuais.

Juntos, esses dois grupos defendem que o caminho seja liberar a maconha, tirar o setor da ilegalidade e cobrar impostos dos usuá­rios (parte da receita financiaria o tratamento médico de viciados). Por enquanto, essa é uma questão majoritariamente americana — o Uruguai, que legalizou a maconha em 2013, é a pequena exceção. Mas, se a turma da fumaça do Colorado conseguir provar que dá certo, é possível que outros paí­ses sigam o mesmo caminho.

Acompanhe tudo sobre:ComércioDrogasEdição 1084Maconha

Mais de Revista Exame

Borgonha 2024: a safra mais desafiadora e inesquecível da década

Maior mercado do Brasil, São Paulo mostra resiliência com alta renda e vislumbra retomada do centro

Entre luxo e baixa renda, classe média perde espaço no mercado imobiliário

A super onda do imóvel popular: como o MCMV vem impulsionando as construtoras de baixa renda