Carlos Moyses, presidente do iFood: faturamento de quase meio bilhão de reais em 2017 (Germano Luders/Exame)
Da Redação
Publicado em 14 de dezembro de 2017 às 05h29.
Última atualização em 21 de março de 2018 às 11h34.
Uma teoria comumente aplicada no mundo digital é a do “vencedor leva tudo”. Ela diz que o competidor que conseguir entrar rapidamente num setor, captar o maior número de clientes possível e abocanhar uma boa fatia do segmento — mesmo que isso signifique permanecer anos no prejuízo e torrar milhões em marketing — reinará hegemônico à medida que os demais competidores ficarem pelo caminho. Foi assim com a gigante americana do comércio eletrônico Amazon e é exatamente essa a estratégia que a empresa de entrega de refeições iFood está tentando seguir no Brasil.
Agressiva nos comerciais de TV e com investidores como Movile e o empresário Jorge Paulo Lemann, o iFood é o aplicativo mais baixado do segmento de bebidas e comidas no Brasil, à frente de McDonald’s e UberEATS. A empresa deverá fechar o ano com 490 milhões de reais em receita, um crescimento de 188% em relação a 2016. Atualmente, ela é avaliada em 410 milhões de dólares, segundo estimativa do banco britânico Barclays. De acordo com o banco americano JP Morgan, o faturamento do iFood deverá passar de 1 bilhão de reais até 2020, o que poderá dobrar seu valor de mercado atual e deixá-lo mais próximo de ser um “unicórnio” — uma empresa avaliada em 1 bilhão de dólares.
Há razão para otimismo. A chegada de uma nova geração de consumidores jovens, acostumados com os smartphones, deverá aumentar o negócio. Apenas 12% dos pedidos de entrega de comida no país são feitos hoje pela internet. Na Dinamarca, por exemplo, os pedidos online equivalem a 65% do total. A expectativa é que, entre 2018 e 2020, os pedidos online cresçam 15% ao ano, enquanto os por telefone caiam 8%. Até os problemas do Brasil poderão ajudar. “Com cada vez mais entretenimento à disposição e com o aumento da violência nas metrópoles, as pessoas ficam mais em casa. Isso aumenta o interesse por aplicativos de entrega de comida”, diz David Morrell, sócio da consultoria PwC no Brasil.
Curiosamente, a startup teve origem num período em que a internet ainda engatinhava no Brasil. Em 1997, uma dupla de empreendedores imaginou oferecer no Brasil um serviço de delivery além da tradicional dobradinha pizza-sanduíche. A Disk Cook, como chamava a empresa na época, funcionava de forma simples: uma central telefônica anotava os pedidos dos clientes, enquanto uma equipe falava com os restaurantes de diversos tipos e coordenava a entrega. Em 2011, percebendo a maior penetração da internet no país, a empresa decidiu migrar para o universo digital. Foi quando nasceu o iFood como um intermediador de pedidos, deixando a logística a cargo de cada restaurante.
De 2011 a 2017, o crescimento do iFood foi astronômico. O número de pedidos saltou de 12 500 para 5 milhões por mês no Brasil. Anualmente, a plataforma gera 4 bilhões de reais em negócios para os estabelecimentos cadastrados — há seis anos não passava de 800.000 reais. O próprio número de restaurantes na plataforma passou de 230 para mais de 22.000. A estratégia calcada em aquisições explica a posição do iFood hoje, líder com mais de 60% do mercado de pedidos de comida online no Brasil. Ao longo dos últimos cinco anos foram 11 aquisições, especialmente de empresas regionais.
Só a compra em 2014 do Papa Rango, de São José do Rio Preto, no interior paulista, e do Alakarte, que atuava em cidades mineiras e fluminenses, por exemplo, trouxe 18 novos municípios à rede e aumentou a base total de estabelecimentos para mais de 5.000. Também em 2014 o iFood deu um de seus passos mais importantes ao se fundir com o principal concorrente, o Restaurante Web, do grupo britânico Just Eat, que oferece um serviço similar ao iFood na Europa. De lá para cá, a startup aumentou sua presença na América Latina com operações no México, na Argentina e na Colômbia.
Os fundadores têm pouco mais que 8% do iFood. A Movile, grupo paulista de tecnologia, é dona da maior parte, com 60,9%. Outros 30,5% são da Just Eat. Até hoje o iFood já recebeu cinco rodadas de investimentos, que somaram quase 240 milhões de reais. No início de dezembro, a Movile captou 269 milhões de reais com seus atuais acionistas, o grupo sul-africano de tecnologia Naspers e o fundo de investimento brasileiro Innova Capital, do empresário Jorge Paulo Lemann. Mas o dinheiro não irá para a operação. EXAME apurou que 50% desse valor será usado para aumentar a participação da Movile no iFood.
A startup quer continuar a crescer no exterior e investir nos novos negócios por aqui, como uma plataforma que conecta restaurantes a fornecedores. “Nosso alvo internacional é a América Latina, onde o mercado de delivery ainda está subdesenvolvido”, afirma Carlos Eduardo Moyses, presidente do iFood.
Obstáculos ao crescimento
Apesar do dinheiro novo, o iFood esbarra em alguns problemas para crescer de maneira sustentada. O primeiro deles é que o valor das taxas de entrega é tão alto que desestimula a compra. Para pedir um sanduíche de 25 reais no aplicativo, o cliente chega a pagar 12 reais pela entrega, independentemente se o endereço for distante 500 metros ou 10 quilômetros do restaurante. No iFood, a logística e o preço cobrado são decididos pelo restaurante. EXAME apurou que o iFood cobra, em média, 12% dos estabelecimentos para oferecer o menu na plataforma, valor que encarece o serviço.
Chega a ser contraintuitivo, mas outro desafio para o iFood é deixar de ser uma empresa que só entrega comida. “Não vai demorar para vermos varejistas, como a Amazon ou até redes de supermercados brasileiras, entregando refeições”, diz Antonio Uras, sócio em estratégia, marketing e inovação da consultoria EY. “Esse é um mercado que deve passar por mais consolidação e, para se destacar, será preciso inovar”, diz.
A saída almejada envolve uma transformação completa. Além dos novos serviços oferecidos a restaurantes, como análise de dados, outra iniciativa é a integração do iFood a uma superplataforma. A exemplo da chinesa Tencent e de seu aplicativo WeChat, a Movile lançou no primeiro semestre o Rapiddo, um superaplicativo com entrega de comida, recarga de celular, notícias, vídeos e serviços de transporte. A ideia é que os usuários fiquem mais tempo dentro de um mesmo aplicativo em vez de precisar utilizar diversos serviços no smartphone. “Ser parte desse ecossistema é ter acesso a benefícios que dificilmente uma empresa sozinha teria”, diz Helisson Lemos, diretor de operações da Movile.
A troca no comando do iFood em abril tem a ver com esse movimento de integração dos serviços da Movile. Moyses substituiu Felipe Fioravante — o último do quarteto fundador que ainda estava na operação. Segundo EXAME apurou, Fioravante se desentendeu com os outros sócios por não concordar com os rumos que a companhia estava seguindo. Somou-se ao processo de desgaste o fato de a Naspers ter comprado outras empresas de entrega de comida no mundo, como a Delivery Hero, sem consultar a equipe do iFood. “Os executivos do iFood imaginaram que seriam eles que liderariam a divisão de comida dentro da Naspers”, diz um executivo próximo da negociação.
Não é raro ver desentendimentos internos em empresas de crescimento acelerado. Além da conhecida saída de Steve Jobs da Apple em 1985, outro exemplo famoso é o desentendimento entre o presidente do Facebook, Mark Zuckerberg, e o brasileiro e cofundador da rede social, Eduardo Saverin, que levou à expulsão do último. Para conseguir chegar a ser um unicórnio, o iFood terá de alinhar a visão de todos os sócios — nem que para isso seja preciso sentar em volta de uma mesa e pedir uma pizza. Online, é claro. n
Com reportagem de Gian Kojikovski