Para 2024, a promessa é de zerar o déficit público, mas as sinalizações do governo para o próximo ano indicam uma disposição extra em gastar mais, sem nenhuma intenção em cortar na própria carne (Leandro Fonseca/Exame)
Repórter especial de Macroeconomia
Publicado em 21 de dezembro de 2023 às 06h00.
Com a justificativa de limpar os esqueletos do armário deixados pela gestão passada, o governo Luiz Inácio Lula da Silva deve terminar 2023 com um rombo nas contas públicas de 203 bilhões de reais — ou 1,9% do PIB, segundo estimativas do Tesouro Nacional. Além de um déficit fiscal superior aos 100 bilhões de reais prometidos em janeiro pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, outros 94 bilhões de reais serão desembolsados para quitar despesas acumuladas com precatórios. Para 2024, a promessa é de zerar o déficit público, mas as sinalizações do governo para o próximo ano indicam uma disposição extra em gastar mais, sem nenhuma intenção em cortar na própria carne. No mercado, a mediana das apostas estima um déficit fiscal de 0,8% PIB no próximo ano.
Os sinais do governo de que pretende gastar mais se materializaram em uma proposta de travar em 23 bilhões de reais o valor máximo de contingenciamento de despesas em 2024. A emenda, rejeitada pelo Congresso, não foi bem recebida por quem acompanha as contas públicas com lupa. O economista Carlos Kawall, sócio-fundador da Oriz Partners e ex-secretário do Tesouro Nacional, não enxerga uma preocupação do governo em apresentar para 2024 uma estratégia consistente que indique uma estabilização da dívida pública em relação ao PIB. Esse indicador, que atualmente corresponde a 74,7% da geração de riquezas no país, é interpretado como um índice de solvência de uma economia. Quanto mais próximo a 100%, pior. Sobretudo entre as economias emergentes, que já conviveram com severas crises de confiança. “E eu me junto àqueles que consideram o novo arcabouço fiscal frouxo e insuficiente nos próprios termos para estabilizar a relação entre a dívida pública e o PIB, a despeito do esforço do ministro Haddad para elevar a receita”, diz. Segundo ele, o Brasil não caminha para uma trajetória de crescimento explosivo do endividamento público, mas a solução de migrar de um arcabouço excessivamente rígido, como o teto de gastos, para o novo modelo é bastante preocupante. Uma das leituras que se fazem do atual governo, segundo Kawall, é a de nos próximos anos buscar receitas decorrentes dos leilões de petróleo e dos campos do pré-sal. O economista resume: “O Brasil sempre teve a tentação de aproveitar momentos de crescimento momentâneo de receita para se comprometer com gastos permanentes. O resultado disso nunca é bom. Estamos comprometendo o futuro, ensejando uma crise fiscal e uma elevação de carga tributária”.
O debate precoce para alterar a meta fiscal de 2024, travado pelas alas política e econômica do governo, também preocupa o mercado. O economista-chefe e sócio da Warren Investimentos, Felipe Salto, adverte que essa mudança é um gatilho para um déficit fiscal mais profundo e pior para um efeito dominó sobre a dívida pública, os juros, o câmbio e a inflação. “Enquanto prevalecer a agenda do ministro Haddad, fico mais tranquilo, mas sem deixar de indicar os riscos a medidas como esta, da mudança do PLDO para cortar menos em março de 2024”, diz. Para Salto, Haddad conseguiu aprovar uma regra fiscal “razoável”, que tem uma inovação importante e que precisa ser respeitada: a ligação entre a meta de primário e o limite para gastar. Se a meta de primário for eventualmente rompida, avalia, aperta-se a taxa de variação do limite de despesa. Com isso, ele defende, não se pode alterar a meta precocemente.
Os sinais emitidos pelo governo têm sido interpretados de maneiras distintas pelo mercado. O que fica claro é que o país ainda precisa reequilibrar as finanças públicas para crescer de maneira sustentável e reduzir as desigualdades tão comentadas por Lula. A oportunidade estará à porta em 2024.