Revista Exame

Clima de fim de festa para os gestores de hedge

Os gestores de fundos de hedge já foram considerados as maiores estrelas do mercado financeiro. Hoje lutam para sobreviver

Jantar de fundos de hedge em Londres: bônus milionários, prejuízos idem (Divulgação)

Jantar de fundos de hedge em Londres: bônus milionários, prejuízos idem (Divulgação)

DR

Da Redação

Publicado em 29 de março de 2011 às 13h28.

Há poucas semanas, a agência de notícias Reuters divulgou uma nota com piadas sobre a crise financeira. Uma das mais divertidas e cáusticas contava a nova pergunta que os gestores de fundos de hedge terão de fazer a seus clientes a partir de agora: "Acompanha batata frita e uma deliciosa torta de maçã, senhor?" - referência ao risco de que percam seus empregos e acabem como balconistas do McDonald’s. O destino dos executivos é claramente exagerado. As dificuldades dos fundos de hedge americanos, não. O setor - formado por fundos que procuram obter ganhos superiores à média do mercado por meio de estratégias de investimento extremamente agressivas - vem sendo duramente castigado pela crise financeira. Segundo dados da consultoria americana Hedge Fund Research, entre junho e setembro o patrimônio dos fundos de hedge no mundo encolheu 210 bilhões de dólares, quase 11%. A situação brasileira é semelhante - os fundos agressivos foram prejudicados pela súbita aversão dos investidores ao risco e perderam entre 11% e 22% do patrimônio. "A indústria de fundos de hedge está vivendo seu pior momento da história", diz Ken Heinz, presidente da consultoria.

O passado recente é trágico e o futuro promete ser tétrico. Os próximos números que serão divulgados pela indústria, nos Estados Unidos e no Brasil, deverão mostrar que o patrimônio vai cair ainda mais. O final do ano é, tradicionalmente, uma época de resgate de dinheiro de aplicações financeiras, e esse movimento deve ser amplificado em 2008. Não há estimativas precisas, mas um levantamento informal feito por EXAME com gestores de fundos no Brasil indica que os prognósticos são de resgates adicionais de 200 bilhões de dólares até o fim do ano, o que cancelaria o crescimento acumulado de 2006 e 2007.

Esse cenário melancólico difere radicalmente dos prognósticos de alguns meses atrás, tanto no Brasil como no exterior. Os primeiros anos desta década foram brilho puro. Gestores de fundos estrelados dos Estados Unidos, como o veterano Carl Icahn, chegaram a embolsar 1 bilhão de dólares - sim, você leu certo - entre bônus e participação nos lucros em 2006, ano em que o mercado americano de fundos de hedge cresceu 300 bilhões de dólares. Uma única pequena cidade americana, Greenwich, em Connecticut, que fica a 1 hora de trem de Nova York, concentrava gestoras de fundos de hedge que administravam 1,5 trilhão de dólares, o equivalente ao PIB brasileiro. A afluência do setor era tão grande que mesmo a caridade se tornou exagerada. Um evento filantrópico em maio de 2007, antes dos primeiros sinais de crise, levantou 71 milhões de dólares - houve gestores dispostos a pagar 400 000 dólares pelo privilégio de cantar acompanhado do guitarrista Steven Tyler, líder da banda de rock Aerosmith. Agora, as perspectivas são sombrias - daí as piadas.

Dois fatores explicam como tão poucos ganharam tanto em tão pouco tempo. O primeiro foi uma enorme expansão do crédito ocorrida nos últimos dez anos em razão da política de juros baixos de boa parte dos bancos centrais do globo, principalmente do americano Federal Reserve. O brutal aumento da quantidade de capital em circulação na economia provavelmente teria sido contido se tivesse pressionado os preços, mas aí entrou em cena o segundo fator, a expansão dos mercados emergentes, a China em especial. Principais parceiros comerciais dos Estados Unidos, os chineses tornaram-se não só os maiores credores dos americanos mas também os principais fornecedores de bens de consumo. Uma inundação de produtos baratos manteve a inflação baixa durante um longo período e levou os banqueiros centrais a praticar as menores taxas de juro em muitos anos.

Combinados, esses fatores geraram o meio ambiente ideal para o florescimento de uma indústria de administração de recursos. A queda contínua dos juros diminuiu a rentabilidade de aplicações financeiras tradicionais, como os títulos públicos, e tornou os investidores mais propensos a correr riscos para obter retornos melhores. Não por acaso, o patrimônio dos fundos de hedge, que era de modestos 38 bilhões de dólares em 1990, inflou para 1,9 trilhão de dólares em junho de 2008, um crescimento de 4 800%.

Como explicar que um negócio de quase 2 trilhões de dólares fosse tão instável? Os gestores foram vítimas do próprio sucesso. O súbito afluxo de dinheiro obrigou os administradores de recursos a comprar o que quer que estivesse à venda, sem muitas considerações sobre qualidade. Foi o caso dos títulos lastreados em empréstimos imobiliários de má qualidade, os chamados subprime. "Os gestores americanos fizeram grandes apostas em obrigações de pagamento garantidas por empréstimos de má qualidade", diz Robert John van Dijk, principal executivo da empresa de gestão de recursos do Bradesco. "Quando o mercado virou, boa parte dessas posições perdeu muito de seu valor."

Outra distorção foi a aposta exagerada nas commodities. Produtos agrícolas, minérios e petróleo eram negociados muito ativamente pelos gestores. O petróleo chegou a rondar 150 dólares por barril no início de 2008 para fechar pouco acima de 60 dólares no início de novembro. Bom para quem tem de abastecer seu carro, péssimo para os gestores de fundos que fizeram apostas no mercado futuro de que o petróleo chegaria a 200 dólares o barril. "Cerca de 25% da alta dos preços das commodities pode ser atribuída à especulação dos fundos de hedge", diz o economista Nathan Blanche, sócio da consultoria Tendências. O desmonte dessas posições drenou bilhões das carteiras e empurrou diversos gestores para fora do mercado. "Veremos um movimento de consolidação", diz Heinz, da Hedge Fund Research. "Muitos fundos vão fechar suas portas até o início de 2009." O mesmo pode ocorrer no Brasil, especialmente com as gestoras independentes, que vivem da competência e dos números exuberantes de um ou dois fundos estrelados. "Quando o gestor apresentar seus números dos últimos 24 meses e o investidor vir o tamanho do prejuízo, ele vai mudar de assunto e aplicar dinheiro em CDB", diz um especialista. "Isso será a morte para muitas casas pequenas."

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