Mariana Rocha, da galeria HOA: artistas africanos e indígenas (Wallace Domingues/Divulgação)
Gabriel Aguiar
Publicado em 18 de agosto de 2022 às 06h00.
Se dá para falar que a indústria da arte é como um pêndulo, que flutua entre dois extremos, dá para dizer que o Brasil — e outros países fora dos principais centros — talvez esteja no melhor momento: a pandemia promoveu a valorização de “culturas emergentes” e fortaleceu movimentos que discutem diferentes questões da sociedade.
Mas quais dessas transformações realmente serão duradouras? E quais são as tendências que indicam os futuros caminhos para o meio artístico?
“Dar importância ao lugar é cada vez mais essencial no mundo. Do ponto de vista do mercado, a arte temática para reivindicações sociais, raciais e de gênero é uma tendência cada vez mais forte. Mas, por trás desse movimento, também existe o próprio oportunismo do mercado, que aproveita o tema para vender. Então são boas discussões que também passaram a ser apropriadas pela indústria”, diz Luis Pérez-Oramas, ex-curador da Bienal de São Paulo e do MoMA, de Nova York.
Para Daniel Roesler, sócio da Galeria Nara Roesler, com presença em São Paulo, Rio de Janeiro e Nova York, outros pontos também ganharam força nos últimos anos, como o retorno das artes clássicas e da pintura figurativa.
“Com as dificuldades de entender a realidade, as fake news e a polarização das redes sociais, ninguém sabe o que é fato ou versão. Acredito que essas formas de representação tentam fazer uma conexão com a realidade. Bem menos experimental”, afirma o galerista.
Por outro lado, a última Bienal de Veneza, em abril deste ano, teve forte presença de produções com inspiração surrealista. “Esse contraponto à figuração clássica, ao tentar explicar o mundo pelo que se sente, e não necessariamente pelo que se vê, pode indicar uma nova mudança”, diz Roesler.
E o filtro restritivo que determinava quais obras e culturas poderiam ser relevantes também deverá ficar cada vez mais flexível, descentralizando a arte que só focou a Europa durante séculos.
“Também existem tendências interessantes de iniciativas coletivas”, diz Pérez-Oramas. “Esse movimento parecia forte de 2010 a 2012 e caiu um pouco de lá para cá. Só que ainda há potencial de crescimento saudável e que questiona a ideia de autoria. Outro ponto que merece atenção é o crescimento dos vídeos narrativos documentais, quase em oposição à experimentação dos anos 1970 — como as tomadas fixas de Andy Warhol no Empire State —, cada vez mais avançados em estética.”
Artistas, galeristas e espaços que merecem atenção pelo trabalho — e que devem ganhar destaque nos próximos anos
→ Galatea - Na galeria de Tomás Toledo, curador do Masp por sete anos, não há limitações para obras de arte: há diferentes períodos, artistas e até formatos de venda. No fim das contas, vale a inovação.
→ Pivô - É aos pés do emblemático Edifício Copan que funciona a associação cultural sem fins lucrativos para a experimentação e o fomento de arte. E, por lá, há desde exposições até residência para os autores.
→ Hoa - Primeira galeria de propriedade negra no país, sob comando de Igi Lola Ayedun, foca a perspectiva de artistas indígenas, africanos e asiáticos como alternativa ao padrão contemporâneo eurocêntrico.
→ 5 Bocas - Não é coincidência o nome da galeria: a referência é a própria comunidade na qual está inserida, na zona norte do Rio de Janeiro, que ganhou voz para produções artísticas com o galerista Allan Weber.
→ Elian Almeida - Para reivindicar o protagonismo às pessoas e às culturas negras diante de séculos de marginalização na sociedade, o autor utiliza pintura, fotografia, vídeo e instalação de modo a questionar a própria arte.
→ Panmela Castro - Nascida em família humilde e vítima de violência doméstica, a artista é reconhecida mundialmente como destaque na cena do grafite, com trabalhos para África do Sul, França, Estados Unidos, Israel e Turquia.
→ Gabriel Wickbold - Sua obra se baseia em fotografias com intervenções em torno de um conceito que tem sido valorizado. Paulistano da família dona da tradicional panificadora, acaba de abrir a própria galeria em Londres.
→ Gabriela Mureb - Com máquinas e peças industriais, a artista cria instalações capazes de questionar o meio. Também é capaz de provocar reflexões com esculturas, instalações, performances, vídeos e obras sonoras.
→ Museu das Culturas Indígenas - Não é apenas a temática da curadoria que remete aos povos originários: todo o museu é conduzido por indígenas — pela primeira vez no país. Sendo assim, os diferenciais também estão na gestão.
→ Diane Lima - Focando o questionamento da participação de negros na sociedade, a curadora também propõe as discussões no meio, através de análises e críticas ao sistema artístico com padrões europeus.
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