Eduardo Lima e Silvio Aragão, da Avantia: eles tiveram de sair de Recife para buscar investidores (Leo Caldas/Exame)
Da Redação
Publicado em 16 de fevereiro de 2016 às 12h57.
São Paulo — Há quase dois anos, os empresários Daniel Walfrid, Adriani Laste e Maicon Pelizzaro uniram-se para criar em Porto Alegre o primeiro serviço brasileiro de assinatura especializado em produtos para pessoas com algum tipo de restrição alimentar — por um valor fixo, o assinante recebe todo mês um kit de produtos adequados à sua dieta.
Os empresários iniciaram o negócio na casa de um dos sócios e, dois meses depois, mudaram-se para um prédio comercial. Foi quando começaram a tropeçar na burocracia local. Para funcionar no endereço escolhido, o Clube do Zero, nome dado à empresa, tinha de renovar não só o alvará de prevenção contra incêndio da sala alugada como também o de outras oito salas do edifício.
“Ficou aquela bola dividida. Quem iria pagar a conta?”, diz Walfrid. No fim, a imobiliária e o dono da sala bancaram a maior parte das despesas. Mas coube ao Clube do Zero cuidar de todo o trâmite para obter os alvarás, um processo que levou quatro meses.
Pela soma de pequenos problemas como esse, Porto Alegre é um bom exemplo de como empreender no Brasil pode ser desanimador desde os primeiros dias de uma empresa. Se, de um lado, a capital gaúcha tem boa oferta de mão de obra qualificada e de capital de risco, de outro lado, a cidade peca por um ambiente institucional capaz de fazer qualquer empresário pensar duas vezes antes de iniciar um negócio.
De acordo com a ONG Endeavor, abrir uma empresa em Porto Alegre demora, em média, 260 dias. “Se a atividade-fim for considerada complexa, como é o caso de diversos tipos de indústria e comércio, é comum levar mais de 300 dias até que tudo esteja pronto”, diz João Melhado, gerente de pesquisa da Endeavor.
A boa notícia é que, inspiradas pelo ranking de melhores lugares para empreender da Endeavor, publicado por EXAME em 2014, pelo menos 15 cidades brasileiras começaram a se mexer para traçar suas prioridades e facilitar a vida dos empreendedores.
Porto Alegre é uma delas. Apontada no ranking do ano passado como o caso mais grave de morosidade na abertura de empresas, a capital gaúcha foi convidada a participar de um projeto piloto da Endeavor, batizado de Simplificar. Há dois meses, a prefeitura trabalha com a consultoria Integration, bancada pela Endeavor, para identificar os principais gargalos no processo de liberação de alvarás para novas empresas.
“Temos de reconhecer que a cidade tem um cipoal de leis e processos que precisam ser revistos”, diz José Fortunati, prefeito de Porto Alegre. Uma das metas é baixar o tempo de concessão dos documentos para a abertura de uma empresa de 260 para menos de 30 dias.
Entre as possíveis melhorias estão a simplificação de aspectos redundantes da legislação local e a integração de sistemas de secretarias municipais e estaduais. Segundo Fortunati, o Simplificar vai levar oito meses para começar a produzir resultados. Quando isso ocorrer, a ideia da Endeavor é gerar um guia de referência para ajudar outras cidades.
Não faltarão interessados. Em Caxias do Sul, outro importante polo econômico gaúcho, abrir uma empresa leva, em média, 304 dias — no caso de comércio ou indústria, os prazos podem chegar, respectivamente, a 370 e 385 dias. Nesse quesito, a cidade ocupa a última posição entre as 32 avaliadas neste ano pela Endeavor.
No Rio de Janeiro, são necessários 123 dias para abrir um negócio. Em São Paulo, 88. Mesmo em cidades onde o processo é considerado ágil, como Uberlândia, em Minas Gerais, é preciso esperar 24 dias. Na Nova Zelândia, modelo mundial em facilidade para empreender, é possível abrir uma empresa em um único dia.
“Esse é um aspecto essencial para os negócios”, diz Melhado, da Endeavor. “Se o empreendedor encontra muitas dificuldades já na largada, pode desanimar ou perder o timing de entrar no mercado.”
O estudo da Endeavor mostra que, em várias cidades, um dos principais obstáculos para abrir uma empresa é a demora na vistoria e na liberação de alvarás pelo Corpo de Bombeiros. Sem estrutura e pessoal suficientes para dar conta da demanda, a corporação tornou-se um gargalo em muitos estados.
No Rio Grande do Sul, em particular, o problema foi agravado após o incêndio na boate Kiss, na cidade de Santa Maria, em 2013. A tragédia matou 242 pessoas e levou à edição de leis locais de segurança mais rígidas. Em várias cidades, no entanto, a burocracia desafia a racionalidade.
Um exemplo é o Rio de Janeiro, uma das piores em ambiente regulatório — entre as 32 cidades avaliadas, fica à frente apenas de Teresina. “A prefeitura do Rio tem muitos procedimentos repetidos. Por exemplo, é preciso tirar alvará de funcionamento para pedir um alvará de publicidade.
Sem o alvará de publicidade, você pode abrir uma loja, mas vai ter de esconder o logotipo até regularizar a situação”, diz Edivan Costa, ex-jogador de futebol que montou a Sedi, empresa especializada em driblar a burocracia. “Por que o alvará de funcionamento já não libera a publicidade?” A prefeitura do Rio afirma que está adotando medidas para melhorar a situação.
No início de novembro, passaram a vigorar na cidade 15 decretos que buscam simplificar a obtenção de alvarás. Uma das novidades é a autodeclaração, figura jurídica que dá mais autonomia e responsabilidade ao empreendedor.
“Em alguns casos, bastará que o empresário declare estar em dia com as condições exigidas pela legislação para ter o documento liberado”, diz Marcelo Haddad, presidente da Rio Negócios, agência de promoção de investimentos do Rio de Janeiro. O ambiente regulatório cheio de nós é um dos principais entraves ao empreendedorismo no Brasil, mas não é o único.
Fatores como dificuldade de acesso a capital de risco, falta de cultura empreendedora e infraestrutura precária também pesam na conta. Em Recife, uma das dificuldades é o limitado número de opções de financiamento a novos negócios. A cidade conta com o Porto Digital, polo de tecnologia que se tornou referência em inovação no Brasil.
Mas, nos últimos anos, Recife só realizou cinco operações de capital de risco — em São Paulo, no mesmo período, foram feitas mais de 200. Instalada no Porto Digital, a Avantia, especializada em tecnologia de segurança, é uma das empresas da cidade que têm buscado financiamento além das fronteiras de Pernambuco. “Estamos distantes da realidade de São Paulo”, diz Eduardo Lima, sócio da Avantia.
“Quando queremos conversar com fundos de investimento, temos de pegar um avião.” A Avantia atualmente está negociando com fundos de investimento americanos interessados em bancar sua expansão em novos mercados. Apesar dos obstáculos, Recife foi a cidade que mais avançou no ranking de melhores para empreender da Endeavor — subiu da oitava posição, em 2014, para o quarto lugar, neste ano.
A prefeitura ampliou o corpo a corpo com outras esferas do poder público para atrair investimentos em inovação e facilitar o acesso à educação. A proporção de alunos matriculados no ensino técnico e profissionalizante, por exemplo, cresceu 170% com a abertura de 43 000 novas vagas em 2015.
A julgar pelo conjunto de dados analisados pela Endeavor, o percurso para melhorar as condições de empreender no país ainda é longo. Mas não deixa de ser um alento notar que, pelo menos em algumas cidades, há esforços para remover as pedras do caminho.