Revista Exame

Chineses apanham no mercado de motos

A recente debandada de fabricantes de motos da China mostra que qualidade e serviços são tão ou mais importantes que preço — a história se repetirá com os automóveis?

Creso Franco, presidente da Dafra: acordo com a BMW para recuperar a imagem da empresa (Marcelo Correa/EXAME.com)

Creso Franco, presidente da Dafra: acordo com a BMW para recuperar a imagem da empresa (Marcelo Correa/EXAME.com)

DR

Da Redação

Publicado em 18 de maio de 2012 às 06h00.

São Paulo - Quando foi lançada, em fevereiro de 2008, a fabricante de motocicletas Dafra prometia fazer um baita estrago. Criada a partir de um investimento de 100 milhões de reais do grupo Itavema, rede de concessionárias que fatura 6 bilhões de reais por ano, a empresa inundou o mercado com motos até 15% mais baratas do que as concorrentes.

A chave para isso: as motos vinham da China, país que, como se sabe, tem custos de produção imbatíveis. Em pouco mais de um ano, as motos da Dafra conseguiram alcançar 4% de participação de mercado, incomodando as líderes Honda e Yamaha (que, somadas, têm 90% do mercado).

Os planos não eram menos ambiciosos — chegar a 10% de participação em 2012, com cerca de 400 000 motos vendidas por ano. Para isso, a montadora construiu uma fábrica em Manaus e contratou o apresentador Luciano Huck e o ator Wagner Moura para estrelar seus comerciais.

Ia tudo dando certo, até que as baratas motos chinesas começaram a ter defeito. O site Reclame Aqui recebeu 1 084 queixas nos últimos três anos contra a Dafra, mais do que qualquer outro fabricante de motos. Resultado: a empresa encolheu à metade. “Subestimamos a sofisticação do mercado brasileiro”, diz Creso Franco, presidente da Dafra.

Para recuperar a imagem, Franco fez parcerias com marcas como a italiana MV Agusta e a alemã BMW. Principalmente: as motos não são mais apenas chinesas — as peças vêm de China, Índia e Coreia.

Embora se trate de um caso emblemático, não foi só a Dafra que sofreu com as exigências do consumidor brasileiro. Um levantamento realizado por EXAME mostrou que, entre 2007 e 2009, o Brasil recebeu 35 novas marcas de motocicletas — 29 delas chinesas.

No entanto, até março deste ano, quase todas haviam desaparecido do mercado. A crise que derrubou as vendas de motos em 20% em 2009 foi particularmente cruel com as fabricantes chinesas. Como a maioria delas nem sequer possuía uma rede de concessionárias ou uma fábrica por aqui, seus representantes nacionais não tiveram estrutura para suportar a turbulência.

Num setor em que 40% das vendas são motivadas por consumidores que querem se livrar do transporte público, ninguém achou a menor graça quando as peças para manutenção começaram a faltar. Como as motos mais baratas acabam virando meio de trabalho de muita gente, o consumidor foi percebendo que valia a pena gastar um pouco mais para ter um equipamento confiável.

Não por acaso, entre janeiro de 2010 e abril deste ano, a participação de mercado da Honda, líder absoluta do segmento, subiu de 71% para 79%. 


Mesmo quem conseguiu montar certa estrutura no Brasil teve dificuldade em lidar com um mercado tão competitivo. Logo que chegou ao Brasil, em março de 2007, a FYM, uma das maiores fabricantes da China, investiu 10 milhões de reais na construção de uma fábrica em Manaus com o objetivo de produzir 250 motocicletas por dia.

A fábrica deveria ter sido inaugurada em 2009, mas nunca chegou a operar por falta de dinheiro. Atualmente, as poucas motos da marca vendidas no país saem do estoque de alguns importadores. 

Com os carros é diferente

Com tantas montadoras chinesas de automóveis investindo no Brasil — das oito marcas presentes no país, quatro anunciaram a construção de fábricas, num investimento de 1,4 bilhão de reais —, é justo perguntar se elas não terão um destino semelhante ao das fabricantes de motocicletas. Para analistas e especialistas ouvidos por ­EXAME, é pouco provável que isso aconteça.

Empresas como JAC e Chery estão construindo fábricas no país e montando redes de concessionárias. No caso da JAC, já são 70 revendas. A companhia também inaugurou um centro de estoque de peças para manutenção, justamente para evitar deixar seus consumidores a pé.

A Chery, que investiu mais de 700 milhões de reais no Brasil, tem entre seus fornecedores marcas tradicionais do setor, como a americana Visteon e a alemã Bosch. Ou seja, o carro é chinês, mas nem tanto. De acordo com um estudo realizado pelo Instituto de Política Econômica, dos Estados Unidos, de 2001 para cá o governo de Pequim já investiu 27,5 bilhões de dólares na indústria de autopeças chinesa.

Outros 11 bilhões de dólares estão previstos para a próxima década, entre financiamento de fusões e aquisições e desenvolvimento de novas tecnologias.  “As montadoras aprenderam lições importantes com as fabricantes de motos”, diz Alexandre Andrade, economista sênior da Votorantim Corretora. “A principal delas é que ter um produto mais barato não é garantia de nada no Brasil.” Se a lição foi mesmo aprendida, é possível que desta vez os chineses tenham vindo para ficar.

Acompanhe tudo sobre:ÁsiaAutoindústriaChinaCompetiçãoEdição 1016Indústria

Mais de Revista Exame

Borgonha 2024: a safra mais desafiadora e inesquecível da década

Maior mercado do Brasil, São Paulo mostra resiliência com alta renda e vislumbra retomada do centro

Entre luxo e baixa renda, classe média perde espaço no mercado imobiliário

A super onda do imóvel popular: como o MCMV vem impulsionando as construtoras de baixa renda