Revista Exame

Para a Natura, chegou a hora de mudar

Com sua receita baseada num exército de 1,5 milhão de vendedores, a Natura se tornou uma das maiores empresas do Brasil. Por que, então, está começando agora a maior transformação de sua história?

Carlucci e funcionários da Natura: projeto vital para o futuro da maior empresa de cosméticos do Brasil
 (Alexandre Battibugli/EXAME.com)

Carlucci e funcionários da Natura: projeto vital para o futuro da maior empresa de cosméticos do Brasil (Alexandre Battibugli/EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 31 de maio de 2013 às 14h40.

São Paulo - Poucas empresas brasileiras têm uma cultura corporativa tão forte quanto a fabricante de cosméticos Natura. Em 44 anos de história, a empresa se dedicou a construir uma imagem de respeito ao meio ambiente, aos fornecedores e aos funcionários.

Luiz Seabra, que fundou a companhia numa pequena loja na rua Oscar Freire, em São Paulo, foi também o criador dessa cultura. Tem como escudeiros os sócios Pedro Passos e Guilherme Leal.

Ao longo dos anos, os três controladores criaram uma rede de 1,5 milhão de vendedores — que fez da Natura a líder na venda de cosméticos no país e a quinta maior companhia de vendas diretas do mundo, com faturamento de 8,5 bilhões de reais em 2012, um recorde. O time, sem dúvida, está ganhando.

Mas, nos últimos anos, o modelo que deu tão certo por tanto tempo começou a apresentar suas primeiras rachaduras. A empresa passou a flertar, timidamente, com mudanças em sua estratégia.

Pois, agora, os controladores da Natura decidiram que a fórmula que trouxe a empresa até aqui terá de mudar. Discretamente — bem a seu estilo, portanto —, está em curso a maior transformação da história da Natura.

A ação mais emblemática da nova fase foi a troca no comando, em abril deste ano. A função de presidente do conselho de administração, antes compartilhada por Seabra, Passos e Leal, trocou de mãos. Plínio Villares Musetti, já conselheiro da empresa, foi eleito para assumir o posto.

Musetti, que presidiu a empresa de elevadores Atlas Schindler, terá a missão de, junto com o presidente Alessandro Carlucci, tirar do papel um novo plano estratégico, batizado de Rede Natura.


“O projeto vai revolucionar nossa forma de vender. Queremos criar novos hábitos nos nossos consumidores”, diz Carlucci. O simbolismo da mudança à frente é claro: embora tenham encampado o projeto, os fundadores decidiram que não são as melhores pessoas para executá-lo.

O principal pilar dessa nova fase é a internet. Há nove anos, a Natura oferece seus produtos pela rede, numa loja em parceria com o Submarino. Mas a iniciativa nunca foi prioridade para a companhia — os clientes não recebem na loja o mesmo desconto oferecido pelos consultores (de até 30%).

Com isso, as vendas online são irrisórias: nem sequer aparecem no balanço da empresa. Agora, a Natura quer transformar a internet em um canal de vendas relevante.

A ideia foi concebida ao longo dos últimos dois anos e tem uma estrutura peculiar para permitir que, ao mesmo tempo que aproveita as vantagens de vender pela internet, a empresa não entre em choque com sua rede de vendedores. A solução é, no mínimo, curiosa

. A Natura criará para cada vendedor um site com o nome dele — dentro da Rede Natura. No limite, será 1,5 milhão de endereços eletrônicos. Os pedidos e os pagamentos serão feitos no site pelos próprios clientes e os produtos chegarão diretamente a suas casas.

O papel dos vendedores, portanto, vai mudar. E diminuir. “Queremos que os consultores se concentrem em vender, não em cobrar e fazer entregas, como acontece hoje”, diz Carlucci.

No modelo atual, um produto pode demorar até um mês para ser entregue, já que cada consultor tem três semanas para preencher um caderno de encomendas e só então fazer o pedido à Natura. Na internet, o prazo máximo cairá para 4,5 dias — nas capitais, mais da metade das entregas será feita em até 48 horas. 

Concorrência

A Natura não mexeria no coração de sua estratégia à toa. Por trás da criação da Rede Natura está a constatação de que, mantido o rumo atual, a companhia estaria em apuros em um horizonte não muito distante.


Atualmente, a maioria do 1,5 milhão de vendedores da Natura não tem dedicação exclusiva ao negócio — uma situação que só piora com a queda do desemprego nos últimos anos.

Além disso, o crescimento de outras empresas de vendas diretas, como a Jequiti e a americana Mary Kay, faz com que os mesmos vendedores se dividam entre a Natura e diversas outras marcas (em sete anos, a Jequiti já montou um exército de 190 000 consultores). Por isso, a rentabilidade média anual dos revendedores da Natura caiu 5% nos últimos dois anos. 

Talvez mais grave seja a percepção de que, concentrada em apenas um canal de vendas, a Natura esteja crescendo menos do que pode. O setor de higiene pessoal, perfumaria e cosméticos faturou 34 bilhões de reais no ano passado e é o que mais cresce no mundo.

O Boticário, líder no varejo, dobrou de tamanho em quatro anos. A L’Occitane, uma das mais renomadas marcas internacionais, abriu 55 lojas no país nos últimos três anos — e lançou em março uma marca exclusiva de produtos brasileiros.

No primeiro trimestre as vendas da Natura cresceram 2% na comparação com o mesmo período do ano passado — a empresa vinha crescendo num ritmo de 10% ao ano desde 2008. Segundo dados da consultoria de mercado Euromonitor, a participação da Natura caiu 1 ponto percentual em 2012, para 13,4%.

A empresa ainda é líder, mas  Unilever, P&G e Boticário — que ocupam, respectivamente, a segunda, a terceira e a quarta posições — ganharam mercado em relação ao ano anterior. “A concorrência está cada vez mais agressiva e a Natura está sendo atacada em várias frentes. O modelo da empresa, que mira apenas a venda direta, diminui a velocidade de resposta”, diz Guilherme Assis, analista de cosméticos da corretora Brasil Plural.

Além da internet, Carlucci estuda a inserção de produtos de outros fabricantes no catálogo da empresa — algo antes impensável. “Por que não aproveitar nossos canais de venda? Temos 100 milhões de clientes”, diz.


O executivo afirma que itens relacionados a saúde e bem-estar devem fazer parte da nova lista (de tênis de corrida a roupas de ginástica). Produtos de cama, mesa e banho também devem aparecer nos catálogos — a concorrente Avon vende de tudo, de panelas a bijuterias.

A abertura de até 30 lojas-conceito nas principais cidades do país para apresentar os lançamentos da marca também está em estudo, assim como a expansão internacional da empresa, um projeto iniciado há pelo menos dez anos, mas que nunca foi prioritário.

José Vicente Marino, vice-presidente executivo da Natura, afirma que a empresa vai crescer fora do país por aquisições, a exemplo da compra da rede de lojas australiana Emeis, dona da marca Aesop, por 71 milhões de dólares em dezembro de 2012.

Segundo analistas, a Emeis servirá para a empresa entender melhor o varejo — e, caso tudo dê certo, trazer o modelo para o Brasil. Analistas estimam que a empresa separou outros 400 milhões de reais para aquisições. A Natura não confirma o número, mas diz que tem 1,5 bilhão de reais em caixa.

Atacar em várias frentes ao mesmo tempo é, para a Natura, uma novidade e tanto. A empresa vinha sendo criticada pela lentidão na hora de se adaptar às mudanças do mercado. Nesse caso, a cultura corporativa jogou contra. “Não é fácil mudar o que deu certo por tanto tempo”, diz um analista do setor.

Em mudanças como a que começa agora, o maior risco é perder a fidelidade das consultoras e ainda não virar um competidor relevante em outros canais.  

“As novas gerações pedem outros formatos de venda, mais ágeis”, diz Roberta Kuruzu, diretora da associação brasileira das empresas de vendas diretas.

Cada vez menos gente quer ligar para a tia ou a amiga de trabalho, pedir um produto e esperar semanas para usá-lo. Poucas empresas foram tão bem-sucedidas quanto a Natura em entender o consumidor brasileiro. Mas o país mudou. Para a Natura, chegou a hora de mudar também.

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