Ricardo Yuki, superintendente executivo da área de risco do Citibank: "Nunca senti nenhum tipo de preconceito. Mas sempre vivi numa bolha, com pessoas de boa formação. É muito mais fácil. Todos sabem que moro com meu namorado. Ele vai comigo a festas da empresa" (Germano Lüders / EXAME)
Da Redação
Publicado em 26 de junho de 2015 às 15h53.
São Paulo - Há três anos, o paulista Ricardo Yuki recebeu a proposta mais desafiadora de sua carreira. Após quase uma década de trabalho na subsidiária brasileira do Citibank, ele estava prestes a assumir um cargo de responsabilidade global na área de risco do banco. Sob seu comando estaria uma equipe de mais de 200 pessoas espalhadas por quatro continentes.
Nesses casos, os executivos costumam ser transferidos para a matriz americana e têm todo o apoio necessário para a mudança. Entre os benefícios, os cônjuges recebem consultoria de recolocação profissional e auxílio para obter o visto. Para Yuki, não seria diferente — se não fosse por um entrave burocrático.
Ele morava havia mais de um ano com o namorado, um executivo da Alpargatas, e, apesar de o casamento entre pessoas do mesmo sexo já ter sido aprovado tanto no Brasil como no estado de Nova York, para onde deveriam se mudar, não foi possível obter o visto para ele. Isso porque a permissão de moradia é regulamentada por uma lei federal nos Estados Unidos. A saída, decidida de comum acordo entre o executivo e a empresa, foi permanecer em São Paulo e a cada 15 dias viajar para os escritórios do Citi em outros países.
Em sua mensagem de apresentação à nova equipe, Yuki explicou sem rodeios sua distância da sede — deixou claro, portanto, que é gay. “Iria conviver com aquelas pessoas por muito tempo”, diz. “Era melhor falar logo.” Hoje, ele é superintendente da área de risco do Citi no Brasil.
Histórias como a de Yuki, que ao longo da carreira nunca escondeu sua orientação sexual, ainda são minoria. Não há dados oficiais sobre a população brasileira que faz parte do grupo LGBT (sigla para lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais). O censo de 2010 revelou que, na época em que o casamento entre pessoas do mesmo sexo não era permitido no país, 60 000 casais homossexuais declararam viver juntos.
Já um estudo de 2011 do Instituto Williams, da escola de direito da Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos, analisou nove pesquisas em cinco países — entre eles Canadá, Reino Unido e Austrália — para quantificar o público LGBT. A conclusão foi que a população homossexual pode chegar a 6% — o Brasil, diga-se, não fazia parte da amostra.
Apesar dessa imprecisão, o que se sabe é que muitos se mantêm anônimos. Apenas três em cada dez executivos gays falam abertamente sobre sua orientação sexual entre os colegas de trabalho no Brasil, segundo pesquisa da consultoria holandesa especializada no público LGBT Out Now feita com 12 000 profissionais em dez países. Trata-se de um índice baixo — à frente, é verdade, de países como Alemanha e Itália, mas longe do cenário ideal.
Esse é um daqueles casos em que a fotografia e o filme contam histórias diferentes. A imagem parada traz razões para desânimo; mas é inegável que o ambiente corporativo, aos poucos, vai se adaptando às mudanças impostas por uma sociedade mais aberta à diversidade.
Uma nova geração de executivos começa a trazer à tona uma discussão até alguns anos atrás inexistente no dia a dia das empresas. Eles se sentem seguros para dizer: “Chefe, sou gay”.
Diferentemente do que ocorre com outras minorias, a presença de homossexuais só é detectada quando e se eles se manifestam. E nunca houve incentivos para isso. Ao contrário. O medo de rejeição está no topo das razões para o silêncio. A falta de exemplos no topo também nunca ajudou.
É um dos argumentos que motivaram a declaração do presidente da Apple, Tim Cook. “Se ouvir o presidente mundial da Apple dizer que é gay pode ajudar alguém a lidar com sua luta interna para assumir quem realmente é, ou trazer conforto a quem se sente solitário, ou inspirar quem luta por igualdade de direitos, então terá valido a pena abrir mão da minha privacidade”, escreveu o executivo numa carta publicada pela revista americana BusinessWeek em outubro de 2014.
Cook é um símbolo das mudanças. Ele é o primeiro — e ainda o único — presidente de uma das 500 maiores empresas americanas a revelar sua homossexualidade. Na Europa, o primeiro caso só se tornou público em meio a um escândalo em 2007.
John Browne, que presidiu a petroleira inglesa BP por 12 anos, foi tirado à força do armário após um jornal inglês revelar um antigo relacionamento dele com um garoto de programa — o que o levou a renunciar ao cargo.
“Passei muito tempo pensando como esconder das pessoas o fato de ser gay”, diz Browne. Hoje, o único presidente assumidamente gay de uma companhia aberta na bolsa de Londres é Christopher Bailey, presidente da grife Burberry.
É quase impossível imaginar que um executivo da importância de Cook fizesse o que ele fez há, digamos, uma década. Até por razões geracionais, é natural que nos escalões inferiores das empresas o grupo de executivos dispostos a falar abertamente do assunto seja muito maior.
Desde 2013, o jornal inglês Financial Times publica uma lista desses profissionais, num levantamento realizado pela Outstanding, ONG que promove a diversidade dentro das empresas. No primeiro ano, foram elencados 50 nomes, escolhidos pela influência no mundo corporativo e na questão LGBT. No ano seguinte, havia 100 listados.
Fazem parte da lista vice-presidentes e diretores de companhias como a fabricante de artigos esportivos Nike e o banco HSBC. Desse universo, 24 são mulheres. Em outros nichos, como o financeiro, os casos também se tornam mais comuns.
“Não julgo quem decide não sair do armário”, disse a EXAME Peter Thiel, fundador do sistema de pagamento online PayPal e o primeiro investidor-anjo da rede social Facebook. “É sempre melhor se as pessoas podem sair do armário, mas isso é uma decisão pessoal”, afirmou o investidor, que tem uma fortuna estimada em mais de 2 bilhões de dólares e é assumidamente gay.
A discussão sobre o tema entrou na agenda das maiores empresas do mundo. E recebe o suporte de “aliados”, como os ativistas passaram a chamar os heterossexuais que se manifestam em favor da causa e cuja sigla LGBT ganha um “a” no final (LGBTA).
Recentemente, o presidente mundial do banco Goldman Sachs, Lloyd Blankfein, aceitou o convite de uma organização americana que luta pelos direitos dos homossexuais, a The Human Rights Campaign, para se tornar porta-voz pró-casamento gay nos Estados Unidos.
Jamie Dimon, do banco JP Morgan Chase, fez o mesmo. Em 2013, quase 300 companhias — como a de tecnologia Microsoft, a hoteleira Marriott e a de bens de consumo Johnson&Johnson — escreveram à Suprema Corte americana solicitando apoio à formalização da união homossexual, já aprovada em 37 dos 50 estados, em todo o país.
Em 2015, pela primeira vez nas mais de quatro décadas de existência, o Fórum Econômico Mundial, em Davos, teve um painel oficial para discutir a questão LGBT. Com o tema “O dividendo da diversidade”, o grupo discutiu como avançar no assunto. “Ainda há muito por fazer”, diz Beth Brooke-Marciniak, vice-presidente global de políticas públicas da consultoria Ernst&Young. Beth saiu do armário em 2011, com 30 anos de carreira, quando decidiu participar de uma campanha preventiva contra o suicídio de gays.
Aos poucos, o assunto deixa de alimentar apenas conversas nos corredores. Assim como ocorre com outras minorias, mas com algumas décadas de atraso, hoje existem centenas de grupos LGBT dentro das empresas. A pioneira foi a AT&T, maior operadora de telefonia dos Estados Unidos, que lançou o grupo em 1987.
Na última década, porém, várias empresas seguiram o mesmo caminho, como as gigantes de tecnologia Google e IBM, os bancos HSBC e Goldman Sachs e as químicas Basf e Dow. A American Express tem uma rede interna chamada pride network (em português, “rede do orgulho”) com mais de 1 000 integrantes no mundo.
A consultoria McKinsey tem a Glam — sigla em inglês para gays and lesbians at McKinsey (em português, “gays e lésbicas da McKinsey). Atualmente, 21% das grandes empresas do mundo têm grupos LGBT — os dedicados à ascensão feminina estão presentes em 80% das empresas, segundo a consultoria de recursos humanos Towers Watson.
Os especialistas em diversidade não são taxativos ao afirmar que a existência de um grupo nesses moldes na empresa seja uma condição sine qua non para criar um ambiente amigável aos gays. Em geral, porém, ele funciona como uma rede de relacionamento e apoio mútuo e, acima de tudo, mostra ao resto da empresa que aquele é um ambiente aberto para tratar do assunto.
Na subsidiária brasileira do Google, os membros do grupo se reúnem desde 2006 a cada duas semanas. “São ações simples que aproximam os funcionários do tema e desfazem o estereótipo tradicional dos gays”, diz Zen Junior, analista de TI e um dos responsáveis pelo grupo do Google.
É uma válvula de escape para profissionais que durante muito tempo usaram artifícios para manter um segredo. Aos que ainda estão nessa posição desconfortável, uma simples conversa sobre o que aconteceu no fim de semana ou a participação em eventos sociais com os colegas tornam-se um problema.
Questões que seriam banais, como convidar os colegas para uma festa de casamento, podem virar um transtorno. Esse foi o dilema enfrentado por um vice-presidente do banco Goldman Sachs no Brasil. Por 14 anos ele escondeu sua orientação sexual. Um mês depois de ser contratado pelo banco em 2011, ficou em dúvida se deveria ou não convidar seus pares para seu casamento, que aconteceria dois meses depois.
Num sábado, decidiu enviar o convite da cerimônia por e-mail. “Fiquei aflito com a possível reação”, diz o executivo, que prefere manter o anonimato. No dia seguinte, todos confirmaram presença. “A resposta foi muito melhor do que imaginava”, afirma.
Um investidor afirmou à reportagem, também na condição de sigilo, que, embora alguns amigos próximos saibam, ele ainda não é assumido para a família e nas empresas em que investe.
“No trabalho, evito falar sobre minha vida”, afirma o investidor, de 40 anos. “Ainda não estou preparado.” Já o diretor de uma grande incorporadora tem outro dilema: “Todos na empresa sabem, mas preferem que eu não fale abertamente, porque tanto clientes quanto investidores são muito conservadores”.
Ao arquitetar maneiras de se esquivar, o profissional perde tempo e energia. E, assim, a empresa tende a perder produtividade. A consultoria holandesa Out Now fez um levantamento no fim do ano passado e concluiu que 75% dos profissionais gays assumidos se sentem produtivos no Brasil.
Entre os não assumidos, só 46% sentem que exercem todas as suas potencialidades no trabalho. A mesma pesquisa concluiu que as empresas brasileiras poderiam economizar cerca de 1,4 bilhão de reais por ano só com a redução de gastos com a rotatividade dos funcionários mais satisfeitos com ambientes que respeitam a diversidade.
No Brasil, a mudança vem sendo capitaneada pelas multinacionais. Das dez maiores companhias com capital nacional, nenhuma tem grupos de diversidade para o público LGBT, segundo um levantamento feito por EXAME. “Isso não está na agenda das empresas brasileiras”, afirma Glaucy Bocci, diretora da Towers Watson.
Outra prova disso é que, no fim de 2014, dez empresas, entre as quais a fabricante de bens de consumo Procter&Gamble e a química DuPont, assinaram um compromisso em um fórum dedicado ao tema LGBT — no qual propõem “sensibilizar e educar para o respeito aos direitos LGBT” e “promover o respeito aos direitos LGBT na comunicação e no marketing”.
A única brasileira a endossar o documento foi a Caixa Econômica Federal. Segundo dados da consultoria Towers Watson, 15% das grandes empresas aqui mantêm grupos LGBT — a maioria delas é filial de empresas americanas ou europeias.
Por isso, é comum que profissionais que tenham feito carreira nos Estados Unidos ou na Europa tenham encontrado menos preconceito por lá — e condições de se assumir mais cedo. É o caso do paulista Sérgio Giacomo, diretor de assuntos institucionais do conglomerado industrial GE para a América Latina.
Giacomo, casado há mais de dez anos, fez toda a carreira na Europa na petroleira Shell. Voltou para o Brasil em 2010, quando recebeu um telefonema para uma vaga de diretor de comunicação da mineradora Vale. Antes de saber as funções da posição, questionou se a empresa tinha política de benefícios para cônjuges do mesmo sexo.
“Não aceitaria se tivesse de abrir mão deles”, diz. Ficou na Vale até fevereiro do ano passado, quando a multinacional americana GE o abordou com uma proposta. Giacomo fez os mesmos questionamentos antes de aceitar.
Atualmente, boa parte das empresas no Brasil estende benefícios, como plano de saúde, aos cônjuges do mesmo sexo. Em 2008, apenas 17% delas ofereciam essa possibilidade, segundo a consultoria Mercer Marsh. No ano passado, o patamar subiu para 56%. “As empresas se deram conta de que precisam acolher todos os públicos”, diz Reinaldo Bulgarelli, professor da Fundação Getulio Vargas de São Paulo e presidente da Txai, consultoria especializada em sustentabilidade.
Mesmo nas companhias onde esse avanço aconteceu, propiciar um ambiente em que os funcionários se sintam confiantes não é uma tarefa fácil. A Matte Leão, fabricante de chás secos e prontos comprada pela Coca-Cola em 2009, oferece benefícios a cônjuges do mesmo sexo há seis anos.
Nesse período, nunca teve mais de dois funcionários usufruindo desse direito ao mesmo tempo. Hoje apenas um entre os 2 400 funcionários usa o benefício. “A sensação é que os próprios homossexuais ainda têm receio”, diz Sergio Ferreira, diretor de RH da Matte Leão.
O Citibank, que tem um grupo que reúne LGBTA em sua sede e patrocina encontros entre eles em Nova York, não consegue formar um grupo brasileiro. Motivo? Falta de participantes.
Em busca de troca de experiências com mais privacidade, grupos informais ganham fôlego. Um deles reúne 300 executivos no bar do hotel Unique, em São Paulo, uma vez por mês há dois anos. Boa parte dos participantes trabalha em consultorias e bancos de investimento.
O receio de se abrir, mesmo quando parece haver um contexto favorável, não é infundado. A Universidade Harvard, nos Estados Unidos, fez um experimento para detectar a visão dos recrutadores em relação à contratação de gays. Eles enviaram dois currículos idênticos para 1 700 vagas de trabalho. Mas, num deles, o candidato havia sido tesoureiro do grupo LGBT de sua faculdade. O currículo do outro candidato recebeu quatro vezes mais convites para uma entrevista. Ou seja, há ainda preconceito, mesmo quando o discurso prega o contrário.
Mudar esse cenário exige mais do que decretar que a partir de certa data não poderá haver mais preconceito. “É preciso tentar mudar o modelo mental das pessoas”, diz Glaucy, da Towers Watson.
Uma pesquisa mostra que 68% dos profissionais brasileiros já escutaram alguma brincadeira desrespeitosa no escritório no último ano — no México, apenas três em cada dez entrevistados passaram pela mesma situação. “Alguns comentários estão tão incorporados ao repertório que poucos notam a agressão”, afirma Victor Richarte Martinez, pesquisador de gestão da diversidade e professor da ESPM, de São Paulo.
Para mergulhar no problema, a farmacêutica Pfizer decidiu mudar seu programa de diversidade, criado em 2008. Há três anos, os organizadores decidiram ir além de promover encontros e estipular normas. Agora todos os gestores são treinados para desenvolver empatia.
Em dinâmicas de grupo, é colada uma etiqueta com um estereótipo em cada participante. Eles são, então, instruídos a julgar negativamente os pares por aquele rótulo que receberam. “As pessoas acham que não têm preconceito, mas durante o curso percebem que têm”, diz Cristiane Santos, gerente de recursos humanos da Pfizer.
Mais de 120 gerentes já passaram pelo treinamento. A IBM permite que o funcionário sinalize, na integração, se é homossexual e se quer ou não que o chefe saiba disso. Em caso positivo, o chefe direto recebe um convite de algum integrante do grupo LGBTA para uma conversa. No encontro, é instigado a fazer questões sobre o tema.
Em seguida, o RH envia um e-mail com dicas. Uma delas é perguntar “você namora?”, em de “você tem namorado?” ou “você tem namorada?” Desde 2011, executivos em funções de liderança participam de uma reunião com cinco profissionais homossexuais.
Durante o encontro, podem perguntar o que quiser. Para criar empatia, muitas empresas passaram a estimular a participação de heterossexuais em seus grupos LGBT. No Google, 40% dos participantes são “aliados”, como dizem. “De outro modo, o grupo não ganha a relevância necessária”, diz o consultor Bulgarelli.
Tudo isso ajuda a evitar constrangimentos em situações inesperadas. Há três anos, uma funcionária transexual da sede do banco Itaú, em São Paulo, voltou de férias usando roupas femininas — até então, ela não tinha se assumido transexual no trabalho e ia vestida com roupas masculinas.
Na mesma semana, um funcionário do RH, junto com uma consultoria, chamou os colegas e explicou como o assunto deveria ser tratado: de forma natural. “Mas e o banheiro?”, foi a dúvida. Ela poderia usar aquele em que se sentisse mais confortável (ela preferiu o feminino).
Travestis e transexuais formam um grupo menos conhecido no time LGBT, mas que começa a ganhar espaço. Seu maior símbolo é Martine Rothblatt, dona da United Therapeutics. Aos 59 anos, ela é a mulher mais bem paga do mundo — e tem o sétimo maior salário entre presidentes de empresa nos Estados Unidos.
Martine é uma mulher transexual, que se assumiu publicamente em 1994, quando fez a cirurgia de mudança genital — ela ainda é casada com sua esposa e tem quatro filhos. A maioria dos executivos assumidos não é ativista. Eles levam uma vida normal no escritório. Falam do cônjuge e mostram fotos de seus filhos. Para alguns, é uma naturalidade conquistada com o tempo.
A mineira Gisela Pinheiro, diretora da divisão de poliuretano para a América Latina da multinacional americana Dow, entrou na empresa em 2003. Na integração, soube que havia benefícios para casais do mesmo sexo. Mesmo assim, preferiu não tocar no assunto. Parte da cautela foi motivada pela falta de modelos.
“Não conhecia homossexuais na companhia. Não queria correr o risco de me prejudicar”, diz Gisela. A executiva demorou cinco anos para contar aos colegas que é casada. Há três anos, Gisela teve sua primeira filha. Quando precisa sair mais cedo para buscá-la na escola, não tem vergonha de dizer que a esposa não pôde ir naquele dia. “Não carrego bandeiras. Aprendi que é melhor não forçar a barra, do contrário as pessoas passam a resistir”, diz Gisela.
O presidente da J. Walter Thompson, uma das maiores agências de publicidade do país, é outro exemplo. Ezra Geld tem 37 anos e, desde o começo da carreira no mercado de publicidade, em 2004, fala abertamente sobre sua orientação. “Nunca escondi porque não precisei”, diz. Hoje, Ezra é casado e tem uma filha. Não raro, seu marido aparece para buscá-lo no fim do expediente.
Para especialistas, o aumento da proporção de profissionais declarados no escritório é só questão de tempo. “Profissionais com menos de 30 anos querem saber se a empresa tem um ambiente aberto antes mesmo de aceitar uma proposta de trabalho”, diz Augusto Puliti, presidente da consultoria de recrutamento DMRH.
Para muitos, parece inconcebível trabalhar numa companhia onde é necessário manter a vida pessoal escondida. “Ainda na porta de entrada, muitos executivos e executivas mais jovens saem do armário sem medo”, afirma Paulo Mendes, sócio da 2Get, empresa de recrutamento executivo com sede em São Paulo.
Um indício da mudança é que começa a existir ônus para quem se manifesta publicamente contra a liberdade de orientação sexual. Foi o que aconteceu com a fabricante de alimentos Barilla. Em 2013, numa entrevista a uma rádio italiana, o presidente da empresa, Guido Barilla, afirmou que nunca colocaria um casal do mesmo sexo num anúncio. A declaração gerou uma celeuma.
Um grupo italiano de defesa da diversidade incitou uma campanha mundial de boicote à marca. A empresa reagiu. Contratou o ativista americano David Mixner para compor um conselho consultivo que promova a diversidade entre os funcionários. Um ano mais tarde, a Barilla já cumpria todos os requisitos elencados pela organização The Human Rights Campaign para manter um bom clima para gays.
“Tenho orgulho de dizer que aprendemos muito sobre a verdadeira definição de família e temos trabalhado para que isso se reflita em toda a organização”, disso Guido Barilla em 2014.
Os avanços nas empresas refletem o que se passa na própria sociedade. No Brasil, o marco foi a aprovação do casamento homossexual em 2011 — mais de uma década depois da Holanda, pioneira nesse quesito. Houve também uma mudança de percepção. Em 1998, 60% dos brasileiros afirmavam que não contratariam um homossexual, segundo o Ibope.
Pesquisa recente feita pelo instituto Pew Research Center revelou que 60% dos brasileiros acreditam que a sociedade deve aceitar a homossexualidade como algo normal. É importante lembrar que, até 1993, a Organização Mundial da Saúde considerava a homossexualidade um transtorno comparável à pedofilia ou à necrofilia e ser gay ainda é proibido em 77 países.
Na prática, 2,8 bilhões de pessoas, ou quase 40% da população mundial, vivem onde a lei permite prender, e até matar, homossexuais. São lugares como Marrocos e Arábia Saudita.
“Numa parte do mundo os gays têm igualdade, em outra sofrem agressões terríveis”, diz André Banks, presidente da ONG AllOut, espécie de Greenpeace dos diretos LGBT criada em 2010. A organização tem 2,1 milhões de doadores — 16% deles brasileiros. A boa notícia é que o mundo corporativo, que já foi uma das fronteiras mais resistentes, começa a escrever uma história diferente.
Em 2002, EXAME publicou uma reportagem sobre o tema. Na ocasião, todos os entrevistados se manifestaram sob condição de anonimato. Os diversos executivos que falaram abertamente na reportagem que termina aqui não deixam de ser um indício de como as coisas evoluíram de lá para cá. Aos poucos, as empresas vão descobrindo: quanto menos funcionários no armário, melhor.