Revista Exame

Nuzman, o Chávez da Olimpíada

Carlos Nuzman mudou as regras do Comitê Olímpico Brasileiro para se manter na presidência até 2016 - serão 21 anos no comando. Denunciado por irregularidades nas contas da entidade e do Pan 2007, cabe a ele gerir 5,6 bilhões de reais para montar a Olimpía

Carlos Arthur Nuzman, presidente do comitê Olímpico Brasileiro

Carlos Arthur Nuzman, presidente do comitê Olímpico Brasileiro

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Da Redação

Publicado em 6 de outubro de 2012 às 09h15.

Poucos homens no mundo podem gabar-se de ter derrotado o presidente americano Barack Obama em uma eleição. Um deles é o carioca Carlos Arthur Nuzman, de 68 anos, presidente do Comitê Olímpico Brasileiro (COB).

A vitória de Nuzman sobre Obama aconteceu na noite de 2 de outubro de 2009, em Copenhague, na Dinamarca, quando o Comitê Olímpico Internacional anunciou a escolha da cidade do Rio de Janeiro como sede dos Jogos Olímpicos de 2016, deixando para trás Madri, Tóquio e a Chicago de Obama.

A notícia desencadeou uma série de comemorações no Brasil, especialmente no Rio, onde milhares de pessoas foram às ruas festejar. Poucos tinham tanto motivo para comemorar quanto Nuzman, para quem a escolha foi uma vitória pessoal. Após três candidaturas frustradas, ele finalmente havia convencido os exigentes dirigentes do comitê internacional de que o Brasil tem condições de organizar uma Olimpíada em alto nível. "Foi a maior conquista olímpica de nossa história", diz Nuzman.

É com a mesma determinação que demonstrou durante o processo de candidatura do Rio que Nuzman manda no esporte brasileiro desde 1995, quando herdou a presidência do COB de André Richer, hoje vice-presidente da entidade.

Há 15 anos a dupla comanda o comitê olímpico com mãos de ferro. Administram verbas milionárias recebidas do governo federal - em 2008, último dado disponível, foram 93 milhões de reais - cercados de polêmicas.

Alvo de denúncias por irregularidades nas contas da entidade e pelo escândalo de superfaturamento nos Jogos Pan-Americanos de 2007, Nuzman agora será o principal responsável por um orçamento de 5,6 bilhões de reais para a organização da Olimpíada no Rio de Janeiro.

Desta vez, garante que não haverá estouro no orçamento. No entanto, a seis anos do evento, os primeiros problemas começam a aparecer. Até agora, o COB não prestou conta dos 44 milhões de reais gastos na candidatura do Rio aos Jogos Olímpicos, fato que obrigou o Tribunal de Contas da União a instaurar um inquérito para apurar a aplicação dos recursos.


Nuzman é um homem cuja vida está estreitamente ligada ao esporte. Como jogador de vôlei, representou o Brasil na Olimpíada de Tóquio, em 1964. Encerrada a fase de atleta, formou-se em direito e trilhou carreira como dirigente. Teve breve passagem pela Federação de Vôlei do Rio de Janeiro até chegar, em 1975, à presidência da Confederação Brasileira de Vôlei, onde ficou por 20 anos.

À frente da CBV, tornou uma potência a até então inexpressiva seleção brasileira. "O Nuzman foi o grande responsável pela transformação do vôlei brasileiro", afirma William Carvalho, capitão do time que conquistou a medalha de prata na Olimpíada de 1984.

O sucesso o credenciou ao cargo de vicepresidente do COB, posto que ocupou de 1992 a 1995, quando se beneficiou da renúncia de André Richer para assumir a presidência da entidade - e de lá não saiu mais. Logo em sua primeira eleição à frente do COB, em 1998, Nuzman promoveu uma mudança no estatuto que esticou o mandato em dois anos.

A manobra também permitiu a criação do polêmico artigo 26, que restringe o direito de concorrer à presidência do COB a quem é membro da entidade há pelo menos cinco anos consecutivos, o que eliminou a maioria dos concorrentes. Cercado de aliados, venceu as eleições de 2004 e de 2008 em chapa única. Quer ficar na presidência pelo menos até 2016 - já dá a eleição de 2012 como ganha -, quando completará 21 anos à frente da entidade, uma permanência de matar de inveja "democratas" como o presidente da Venezuela, Hugo Chávez.

A longevidade no poder não é exatamente uma novidade no meio esportivo, mas no Comitê Olímpico Internacional há um limite de permanência na presidência de 12 anos. Em muitos aspectos, a trajetória de Nuzman é idêntica à de Ricardo Teixeira, cartola responsável por organizar outro evento bilionário, a Copa do Mundo de 2014, que dirige a Confederação Brasileira de Futebol há 21 anos sem adversário que lhe faça sombra.

No meio esportivo, quase ninguém se atreve a enfrentá-lo. Um dos poucos críticos a seu trabalho, Alaor Azevedo, presidente da Confederação Brasileira de Tênis de Mesa, diz que faltam critérios ao COB. Segundo ele, toda a verba destinada ao esporte (exceto, é claro, o futebol) no Brasil é gerida por Nuzman, que a distribui entre as confederações de acordo com seu interesse.


"O dinheiro é um instrumento político. Nuzman tem a chave do cofre, e as pessoas o temem por isso", diz Azevedo. Desde 2001, o Brasil conta com a Lei Piva, que destina 2% da arrecadação das loterias federais aos esportes olímpicos e paraolímpicos. Mas apenas parte do dinheiro chega aos esportistas. Dos 93 milhões de reais transferidos ao COB pela Caixa em 2008, quase 26 milhões foram gastos com a estrutura administrativa da entidade.

Um episódio recente, o do advogado Alberto Murray, evidenciou que críticas ao homem forte do COB não fazem bem à carreira dos dirigentes. Ex-diretor jurídico da Federação Aquática Paulista e membro do COB até meados de 2009, Murray virou desafeto de Nuzman ao acusá-lo, no ano passado, de uso do cargo em benefício próprio.

"Aquilo se tornou um balcão de negócios", diz Murray. A resposta de Nuzman às críticas foi rápida. Bastou um telefonema para Miguel Cagnoni, presidente da federação aquática, para que Murray fosse demitido e excluído dos quadros do COB. Murray, por sua vez, segue atacando Nuzman toda vez que encontra alguma irregularidade.

Os Jogos Pan-Americanos do Rio foram um prato cheio para o advogado. Visto pela comunidade olímpica como um evento de menor importância, o Pan custou 3,5 bilhões de reais aos cofres públicos, cerca de nove vezes o previsto no orçamento inicial.


O Tribunal de Contas da União já encontrou indícios de superfaturamento em diversas obras, mas os processos ainda não foram concluídos. No estádio João Havelange, o Engenhão, o TCU apontou problemas em 17 dos 22 itens analisados. Resultado: a obra, que deveria custar 60 milhões de reais, saiu por 400 milhões.

Nuzman nega o superfaturamento e afirma que o estouro se deu por ajustes no plano original, que previa um evento mais modesto. Terminado o Pan, o Engenhão foi entregue ao Botafogo - único clube a apresentar proposta para arrendamento -, que ganhou o direito de exploração por 20 anos. O aluguel mensal é de 36 000 reais. Se esse retorno for mantido, serão necessários 925 anos para amortizar o investimento público no estádio.

Para a Olimpíada de 2016, o orçamento total previsto beira os 30 bilhões de reais. O Comitê Organizador dos Jogos Olímpicos, também presidido por Nuzman (esta é a primeira vez na história que o presidente do comitê olímpico do país-sede acumula a função), terá cerca de 5,6 bilhões de reais - sendo 1,4 bilhão da União - para cuidar de toda a estrutura do evento.

O restante da conta será pago com dinheiro público. Cerca de 23 bilhões de reais deverão ser investidos pelos governos federal, estadual e municipal para a construção de novas instalações esportivas e obras de infraestrutura, como a melhoria no sistema de transporte do Rio de Janeiro.

Para os especialistas, a tendência é de novo estouro no orçamento, a exemplo do que ocorreu no Pan. "O Nuzman inventou o orçamento flexível", diz Antonio Roque Citadini, conselheiro do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo. "Ele apresenta um orçamento mais modesto para que seja aprovado, mas só se saberá o custo real ao final das obras."

Enquanto os Jogos de 2016 não chegam, o COB segue sorvendo verbas públicas milionárias. No fim de julho, o Ministério do Esporte liberou mais 100 milhões de reais às confederações para ajudar na preparação dos atletas brasileiros.


Cerca de 20% dos recursos serão aplicados na reforma de dois complexos esportivos inaugurados há menos de três anos: o Parque Aquático Maria Lenk e o Velódromo de Jacarepaguá, ambos no Rio de Janeiro. O Maria Lenk, que custou 85 milhões de reais aos cofres públicos para servir ao Pan, não terá condições de receber as provas de natação da Olimpíada.

Em 2016, abrigará apenas provas do nado sincronizado, saltos ornamentais e polo aquático - uma nova estrutura terá de ser feita para a natação. Já o Velódromo, construído com madeira importada da Sibéria, custou 12 milhões de reais e ficou ocioso após o Pan.

Só voltou a chamar a atenção devido à gravação de cenas da novela global Passione com os galãs Cauã Raymond e Kayky Brito. "As pessoas se apegam a números frios e esquecem do legado que ficará para a cidade do Rio de Janeiro", afirma Nuzman. A julgar pela herança deixada pelo Pan, os cariocas - e os brasileiros em geral - têm de começar a se preocupar desde já.

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