Revista Exame

WhatsApp vive revolução silenciosa que está sendo construída no Brasil

Empresas entram para valer no aplicativo, que se torna o novo espaço para disputar atenção, gerar vendas e que pode definir o futuro da Meta — e o Brasil será protagonista

WhatsApp: Mark Zuckerberg anuncia novidades para o WhatsApp em evento em Mumbai (Meta/Divulgação)

WhatsApp: Mark Zuckerberg anuncia novidades para o WhatsApp em evento em Mumbai (Meta/Divulgação)

Rafael Balago
Rafael Balago

Repórter de macroeconomia

Publicado em 26 de outubro de 2023 às 06h00.

Última atualização em 30 de outubro de 2023 às 12h23.

Mumbai (Índia): “Bom dia!” Todos os dias, milhões de brasileiros acordam, abrem os olhos, pegam o celular e acessam o WhatsApp. Há alguns anos, o app era um espaço reservado para falar com a família e os amigos, mas a plataforma passa por uma revolução quase silenciosa: ganha cada vez mais funções e amplia o uso para negócios, tanto por startups quanto pelas maiores empresas do país. Assim, o popular “zap” vai se consolidando como novo ambiente de interação com clientes e como fonte de lucro para o gigante de tecnologia Meta: as mensagens empresariais já representam um negócio de 10 bilhões de dólares por ano. E uma parte significativa desse negócio bilionário se desenvolverá no Brasil.

A Meta vê as mensagens das empresas como o próximo pilar de seu crescimento e de monetização, como Mark Zuckerberg repete em vários eventos. Enquanto planos como o metaverso não decolam e redes como Facebook e Instagram disputam público com o TikTok, o ramo de mensagens traz números robustos: a cada dia, no mundo todo, ocorrem 600 milhões de conversas entre pessoas e empresas no WhatsApp, nos chats diretos do Instagram e no Messenger do Facebook, segundo dados exclusivos obtidos pela EXAME com a Meta.

No Brasil, o volume dessas interações cresceu 30% no último ano. Por padrão, cada conta de WhatsApp Business tem direito a 1.000 interações gratuitas com clientes por mês. Acima disso, cada conversa é cobrada com uma taxa a partir de 3 centavos de dólar. O Brasil tem 5 milhões de contas empresariais ativas no WhatsApp Business, ante 21 milhões de empresas em atividade no país.

Nikila Srinivasan, vice-presidente da Meta para Business Messaging

A Meta não divulga o total de usuários do Whats­App no Brasil, mas fontes do mercado apontam o país como o segundo maior mercado em número de usuários, atrás da Índia. Uma pesquisa Datafolha, de março de 2022, mostrou que 92% dos brasileiros que acessam a internet dizem ter o “zap” instalado. “Se queremos saber como será o futuro do WhatsApp, um dos melhores lugares para olhar é o Brasil, porque as pessoas no Brasil estão usando o WhatsApp mais do que as pessoas em qualquer outro lugar”, diz Will ­Cathcart, CEO global do WhatsApp, em conversa com a EXAME.

“Quando assumi o cargo, em 2019, uma das primeiras coisas que fiz foi viajar para São Paulo e conversar com usuários.” Daquelas conversas, surgiram ideias para novas funções, como as mensagens que desaparecem depois de determinado tempo. “Era o que todo mundo me pedia”, afirma. Cathcart fará uma nova viagem ao Brasil no começo de novembro, para ver como os usuários estão aderindo às novas funções.

Funcionários da Meta no Brasil comentam que seus colegas estrangeiros ficam surpresos ao ver o logo do WhatsApp na porta de tantos comércios pelo país, ao lado do número de telefone, algo incomum em outros lugares. O uso do zap para negócios por aqui começou de modo informal há cerca de dez anos. O aplicativo começou voltado para o uso exclusivamente pessoal, mas logo surgiram fotos de bolos e doces de donas de casa que buscavam renda extra, ou de manicures que marcavam horário para atender clientes. Logo, isso chegou às grandes empresas: gerentes de banco passaram a mandar sugestões de investimentos, e vendedores de concessionárias enviavam avisos de novos carros que chegavam e divulgavam promoções a clientes conhecidos. Vendo esse movimento, grandes companhias brasileiras procuraram a Meta em busca de uma solução mais robusta. A big tech, dizem, ficou surpresa.

Em 2018, a Meta lançou o WhatsApp Business, plataforma para que as empresas pudessem unificar o atendimento e falar com milhões de pessoas por uma conta só. A novidade permitiu que as companhias integrassem mais facilmente seus sistemas ao app, abrindo novas possibilidades. Uma delas foi colocar assistentes virtuais, como a Lu, do Magazine Luiza, para conversar dentro do zap. Outros setores, como o de bancos, também aderiram ao canal.

“A partir de 2020, com a pandemia, a busca por canais digitais explodiu. Hoje, temos mais de 3 milhões de usuários mensais usando os nossos zap-zaps. São mais de 10 milhões de mensagens trocadas por mês”, diz Tiago Costa, superintendente de negócios digitais do Itaú. O banco, que tem 70 milhões de clientes pessoa física, já oferece mais de 100 serviços pelo zap. O usuário pode abrir uma conta pelo chat, renegociar dívidas e fazer empréstimos, entre demais funções.

Outra instituição financeira, o Banco Mercantil, usou o app como base de uma estratégia para atrair clientes com mais de 50 anos, que costumam ter alguma dificuldade para acessar sites e apps. “O sistema financeiro errava ao forçar as pessoas a baixar um aplicativo. Nós pensamos: como vamos tirar a necessidade de o usuário ter de aprender a utilizar um novo sistema?”, diz Felipe Boff, chefe de tecnologia e serviços do Mercantil. O plano vem dando certo: o banco atende hoje cerca de 2,5 milhões de clientes pelo zap. Só em setembro, vendeu mais de 100 milhões de reais em produtos financeiros pela plataforma.

Pouco a pouco, o Mercantil criou formas de incluir funções no app, algumas de modo criativo: para confirmar a identidade, o cliente precisa gravar um vídeo no qual fale seus dados pessoais e que quer um empréstimo, por exemplo. O material é analisado por ferramentas de inteligência artificial, que comparam a imagem do vídeo com a foto no cadastro e reconhecem o que foi dito por voz.

Itaú já atende 3 milhões de clientes por mês pelo WhatsApp (Germano Lüders/Exame)

O boom da IA é outra razão para o avanço do uso do WhatsApp por empresas. “Não temos como gerenciar sozinhos 500 ou 1.000 clientes por dia, e estamos implantando um chatbot que responda de maneira mais orgânica, de modo que eles não sintam que estão falando com um robô, mas sintam que estão tendo uma intervenção humana”, diz o indiano Rohit Sharma, que criou com a mulher, Pratiksha, a Good News Maternity Wear, pequena empresa local que aluga trajes especiais para gestantes fazerem ensaios fotográficos, uma tradição do país. “Nos últimos três anos, nosso negócio cresceu 50% depois que começamos a usar mensagens no WhatsApp.” A marca, que começou em 2017, já tem dez lojas físicas na Índia.

O casal Rohit conversou com a EXAME em Mumbai, em setembro, durante um evento da Meta para lançar novas funções para o WhatsApp Business, como o Flows, que facilitará a integração de funções no aplicativo. Embora o usuário não veja, está surgindo um modelo parecido com o da App Store, mas em modelo B2B: diversas empresas de tecnologia oferecem aplicativos e soluções prontas para companhias e startups que queiram atuar no zap. Empresas do Brasil e da Índia têm liderado esse mercado, que movimenta milhões de conversas. “O Brasil é o melhor lugar do mundo para desenvolver o que estamos fazendo, por causa da característica do brasileiro de gostar de conversar e pelo engajamento que ele tem no WhatsApp”, diz Roberto Oliveira, CEO da Blip, empresa brasileira que atende mais de 4.500 negócios, em 29 países. 

Para as companhias, outro apelo do WhatsApp é conseguir chegar a mais clientes, especialmente os de menor renda e com celulares mais simples, que usam planos pré-pagos com poucos dados — as operadoras fornecem WhatsApp ilimitado em muitos casos — e aparelhos sem espaço para instalar novos apps. “O WhatsApp quase nunca é desinstalado. E não é todo mundo das classes C, D e E que tem smartphones e familiaridade com sites”, diz Victor Coutinho, CEO da Buszap, que vende por chat passagens de ônibus rodoviários para 4.000 destinos no Brasil. “Já atendemos mais de 1 milhão de usuários únicos e vendemos mais de 200.000 bilhetes em dois anos”, afirma. “Há muito espaço para avançar. No Brasil, cerca de 70% das passagens de ônibus são vendidas de forma presencial.”

O avanço do uso do zap pelo comércio esbarra no pagamento: para concluir a transação é preciso abrir outra página para colocar os dados do cartão de crédito ou o app do banco para fazer um Pix. Cerca de 30% dos usuários que chegam a essa etapa não concluem a compra, segundo dados da Blip. Para resolver a questão, o WhatsApp planeja incluir meios de pagamento direto no aplicativo. Hoje, já é possível transferir quantias entre usuários. “Em julho, lançamos um método de pagamento direto de pessoas para pequenos e médios comerciantes, e agora estamos avançando em levar isso para grandes empresas que usam nossa API. E em abrir isso para o Pix”, diz Nikila Srinivasan, vice-presidente da Meta para business messaging, sem citar datas. Segundo o Banco Central, ainda não houve pedido de adesão ao Pix por parte da Meta. A empresa possui um braço financeiro, o Facebook Pagamentos do Brasil, que já tem autorização do BC para operar, mas precisa cumprir um processo de homologação para entrar no sistema Pix.

Em agosto, o Bradesco lançou, ainda em caráter de teste, a transferência por Pix via WhatsApp. O cliente pode transferir dinheiro ao fazer um pedido na conversa dentro do aplicativo, e a transação é feita pelos sistemas do banco. O aumento das transações financeiras no app também esbarra em preocupações de segurança. “O receio em relação a fraudes é um grande obstáculo para o crescimento mais rápido do uso do WhatsApp para negócios”, diz Luciano Ramos, da consultoria IDC Brasil.

Com o ganho de funções, o WhatsApp caminha para se tornar um super-app: um aplicativo com múltiplas funções, em que é possível resolver quase todas as questões do dia a dia. O caso mais comum de comparação é o WeChat, da China, que começou com troca de mensagens e hoje tem inúmeras funções, mas a maioria com ícones para clicar. Nos mercados ocidentais, no entanto, nenhum aplicativo se consolidou da mesma forma. No Brasil, algumas empresas tentam fazer super-apps, mas nenhum deles se aproxima da presença e força do WhatsApp.Conforme o aplicativo de conversas da Meta ganha mais funções, cresce também seu desafio de mudar sem perder a simplicidade de uso que o tornou famoso. Novas possibilidades apresentadas recentemente dão alguns passos a mais na direção de mudar o layout geral das conversas: surgem botões para serem clicados, carrosséis de fotos de produtos e outros itens que lembram os sites tradicionais e se afastam de uma conversa mais natural. “Eu tenho de conseguir colocar mais coisas sem virar um site que tenha um menu de 595 opções. O cliente precisa ter a mesma tranquilidade que tem em um grupo de família”, diz Leonardo Osório, gerente de negócios do Consórcio Magalu, que tem testado novas funções do app para empresas.

Ao mesmo tempo, investir em um novo canal demanda recursos. No Brasil, o setor bancário tem liderado a inovação no zap por historicamente investir muito em novos canais de atendimento e por ter mais recursos em caixa. Com a alta na taxa de juro dos Estados Unidos, também houve um esfriamento global dos investimentos em tecnologia. “O mercado tem pedido hoje crescimento com rentabilidade, e não a todo custo. A gente vai continuar avançando, mas provavelmente de uma forma mais conservadora do que poderia se o mercado estivesse investindo mais”, diz Roberto Oliveira, da Blip. Outro risco, e talvez o maior deles, é que o excesso de mensagens empresariais canse os usuários e faça-os migrar para outros apps. O WhatsApp toma medidas para conter isso, como cobrar mais caro de empresas que enviam mensagens demais, para evitar que o aplicativo vire um balaio de spam, como SMS e e-mail se tornaram. “Hoje a abertura de e-mail não passa de 30%, enquanto a do WhatsApp é superior a 85%”, compara Osório, do Magalu. Tudo o que a Meta não quer é que os usuários um dia decidam dar boa-noite para o WhatsApp e deixem de voltar no dia seguinte.

*O repórter viajou a convite da Meta.


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