Revista Exame

Autônomos, elétricos, inteligentes: tudo sobre os carros do futuro

A digitalização vem abrindo novas fronteiras para a indústria automobilística. Nos próximos anos, o carro será como um smartphone — um hub de serviços que vai centralizar vários aspectos de nossa vida

Carros autônomos: a Volkswagen prevê que seus modelos chegarão ao mercado entre 2025 e 2030 (Blue Planet Studio/Getty Images)

Carros autônomos: a Volkswagen prevê que seus modelos chegarão ao mercado entre 2025 e 2030 (Blue Planet Studio/Getty Images)

DR

Da Redação

Publicado em 12 de fevereiro de 2021 às 08h00.

A indústria automobilística sempre foi apontada como pioneira e inovadora, e não poderia ficar de fora da revolução digital em curso. As novas tecnologias estão promovendo transformações em intensidade e velocidade jamais vistas em um século de existência — e que não se limitam ao automóvel em si, mudando também a forma como eles são produzidos, vendidos e utilizados.

As melhores oportunidades podem estar nas empresas que fazem a diferença no mundo. Veja como com a EXAME Research

Temas como inteligência artificial, impressão 3D, machine learning e realidade aumentada vêm provocando algumas pequenas revoluções nesta centenária indústria, principalmente nos últimos cinco anos. A EXAME CEO conversou com especialistas do setor e com representantes dos fabricantes para entender quais são as principais tendências do setor — e antever o que veremos na linha de produção, nas concessionárias e nas ruas nos próximos anos. 

 

→ No chão de fábrica

Quando falamos de transformação digital no setor automotivo, isso inclui a fase de projeto e desenvolvimento, em que muitas etapas já são feitas de forma virtual, com grande precisão. “Em dez anos usando simulações virtuais, há uma montadora que economizou 10 milhões de dólares”, afirma Leandro Garbin, diretor do Simpósio Testes e Simulações da SAE Brasil, entidade que dissemina conhecimento na área de mobilidade.

As linhas de produção já entraram na era da simulação virtual, como forma de ­desenhar processos mais eficientes. O tempo de desenvolvimento, comparado com os processos anteriores, caiu no mínimo pela metade.

Serviço de compartilhamento de carros elétricos: alguns países já definiram a data para o fim dos modelos com motor a combustão (Jean-Paul Pelissier/Reuters)

Recursos como big data e machine learning estão reduzindo o tempo de produção e otimizando os recursos. “Câmeras já identificam qual é o modelo e até a versão e fazem os ajustes de programação necessários, seja uma cabine de pintura, seja uma apertadeira dos parafusos de roda”, diz André Souza, CIO da montadora FCA Latam.

“A manutenção de certos equipamentos é feita antes que apresente qualquer falha ou divergência, e o controle de qualidade já consegue detectar mínimas imperfeições na carroceria ou na pintura.”

Mas é a impressão 3D metálica que gera a maior expectativa na indústria. A técnica mais difundida atualmente é a power bed fusion, em que uma liga metálica em pó é fundida por laser, camada por camada, para formar a peça.

“A principal vantagem é a maior liberdade em termos de design comparado com os métodos existentes, permitindo criar peças mais leves e resistentes, com formatos complexos e mais eficientes”, diz Garbin. Por enquanto, há uma limitação no volume de produção, mas o desenvolvimento da tecnologia ainda está no começo.

A Porsche já usa, desde o fim de 2020, a técnica de impressão 3D metálica para produzir uma carcaça para motor elétrico com transmissão integrada. Segundo a fabricante alemã, o peso do componente foi reduzido em 40%, ao mesmo tempo que sua resistência dobrou — além de outras vantagens, como design mais compacto, processo de montagem mais simples e redução do tempo de produção em 90%.

Garbin ressalta que a impressão 3D também possibilita a criação de “estoques virtuais” de peças de reposição. Componentes de baixa demanda não precisam ser produzidos para ficar por longos períodos parados no estoque, passando a ser produzidos sob demanda. 

→ Autônomos e elétricos 

Em meados de 2020, o bilionário Elon Musk, CEO da Tesla, afirmou que a empresa estava “muito próxima” da automação completa — o que permitiria eliminar por completo volante e pedais dos carros. Poucos meses depois, Herbert Diess, CEO do Grupo Volkswagen, disse que os primeiros autônomos da marca chegarão ao mercado entre 2025 e 2030. “Os recursos para fazer o carro autônomo já existem. É uma questão de refinar esse conjunto para colocar tudo funcionando adequadamente”, explica Erwin Franieck, mentor de engenharia avançada da SAE Brasil.

Operador usa tela inteligente para controlar um robô industrial articulado: a automação avança no setor (Pau Barrena/AFP/Getty Images)

Se o automóvel autônomo está mais perto do que nunca, ainda há uma série de lacunas a ser preenchidas para sua viabilização. São questões de infraestrutura (padronização de sinalização e capacidade de comunicação dos equipamentos viários, por exemplo), regulatórias (responsabilização em acidentes, diferentes legislações pelo mundo) e éticas (como a máquina deve decidir, entre duas opções de ação, se ambas podem resultar na morte de humanos?).

Nesse meio-tempo, os veículos autônomos surgirão aos poucos em nossa vida. “As primeiras aplicações serão em circuitos controlados, com trajetos definidos, como em aeroportos. Já há testes no agronegócio, com o uso de equipamentos com GPS de alta precisão”, diz Franieck. “A chegada do 5G será um facilitador, uma vez que permitirá a comunicação direta entre veículos, equipamentos viários e até com celulares dos pedestres.”

Já a eletrificação dos carros caminha a passos largos. Até 2030, segundo recente pesquisa da consultoria Deloitte, 32% dos carros vendidos no mundo serão elétricos ou híbridos plug-in (cujas baterias podem ser carregadas diretamente em uma tomada). A sueca Volvo, desde 2019, produz apenas modelos eletrificados — e há muitos lugares do mundo com data marcada para o fim da comercialização de carros com motor a combustão, como Noruega (2030) e Reino Unido (2040).

As tecnologias digitais vêm impulsionando esse processo. “Com conectividade e block­chain, um veículo pode ser carregado só com energia limpa, no momento em que o sol começa a raiar nas fazendas solares ou em que o vento está mais forte nos campos eólicos”, diz Henrique Miranda, gerente regional sênior da BMWi, divisão de veículos elétricos do Grupo BMW. “No dia a dia do usuário, a digitalização permite que motoristas saibam quais pontos de recarga em locais públicos estão disponíveis.”

→ Conectividade e serviços

A americana Chevrolet foi uma das primeiras a oferecer conexão Wi-Fi em seus modelos no Brasil. Graças a uma antena mais potente, permite uma conexão mais estável e vários aparelhos ligados ao mesmo tempo, além do serviço de rastreio e segurança, chamado OnStar. “É um diferencial para o consumidor. Por exemplo, se um filho pega o carro à noite, é possível saber exatamente onde ele está”, diz Hermann Mahnke, diretor de marketing da GM South America.  “Isso é apenas o início de uma transformação. A conectividade permite oferecer ao cliente a oportunidade de customizar o carro em função de suas necessidades e desejos.” 

A conectividade já viabilizou uma série de serviços de mobilidade, e as fabricantes vêm buscando explorar o segmento, com serviços de assinatura, aluguel e compartilhamento de veículos — e já miram serviços além da mobilidade. “A conectividade vai nos levar à geração de novos negócios, que vão agregar novas experiências aos nossos clientes”, diz Souza, da FCA. 

A transformação do automóvel em um hub de serviços deve acontecer de forma natural, de forma quase imperceptível. “Será parecido com os smartphones, que passaram de um telefone móvel com poucas funcionalidades para um aparelho que centraliza vários aspectos de nossa vida em poucos anos”, diz Mahnke. “Vemos essa tendência com o OnStar, que já tem cinco anos de operação e atualmente tem taxa de adesão de 88%. Depois que começam a usar, as pessoas não querem ficar sem.”

A combinação de conectividade com o carro autônomo deve ampliar as possibilidades de novas fontes de receita para as montadoras. “Haverá uma grande demanda por formas de aproveitar esse tempo livre, seja comprando, seja trabalhando, seja descansando ou se divertindo”, diz Douglas Lopes, sócio líder do setor automotivo da Deloitte. Assim como aconteceu com os smartphones, a criatividade dos desenvolvedores de apps deve gerar serviços e aplicações que, hoje, ninguém consegue imaginar. 

→ Segurança embarcada

Cerca de 95% dos acidentes de automóvel têm causa humana. Por isso, além de mais comodidade, o veículo autônomo vai transportar os passageiros ao seu destino de uma forma mais segura. Mas, enquanto ele não chega, os sistemas de segurança existentes serão aprimorados. 

João Oliveira, diretor de operações e inovação da Volvo Cars no Brasil, cita como exemplo o sistema de monitoramento de fadiga, que analisa padrões de interação do motorista para detectar se ele está muito cansado, sugerindo uma parada para descanso. A próxima geração vai monitorar os olhos do motorista por câmera. Se eles permanecerem fechados, por exemplo, o sistema emite um alerta e, caso não haja reação, o carro reduz a velocidade e estaciona.

A comunicação direta entre os veículos com o advento do 5G também deve trazer grandes avanços para a segurança, segundo Camilo Adas, presidente da SAE Brasil. “Quando um veículo for submetido a uma frenagem brusca, imediatamente os veículos atrás serão avisados, em um efeito cascata, evitando engavetamentos”, explica.

O mesmo vale para uma via conectada, que pode avisar todos os carros sobre um acidente ao final de um determinado trecho. Adas aponta, porém, o outro lado da moeda: o 5G também vai exigir muito mais cuidado com a segurança digital dos automóveis, de modo a evitar eventuais ataques de hackers. 

Ambiente virtual para desenvolvimento de carros:
recursos tridimensionais permitem simular situações reais (Divulgação/Divulgação)

Eder de Abreu, sócio de cyber risk da Deloitte, afirma que esse trabalho precisa acontecer já na largada. “Será fundamental que equipes de cibersegurança participem dos projetos de novos carros desde o início, para determinar os requisitos adequados e não ter de fazer adaptações”, diz.

“O mesmo vale para as linhas de produção, que estão cada vez mais conectadas e precisam estar protegidas para evitar indisponibilidade e até o roubo de propriedade intelectual.”

→ A relação com o consumidor

A pandemia de covid-19 acelerou o processo de vendas digitais e, hoje, é possível comprar um veículo de boa parte das marcas no mercado sem sair de casa. Mas, ao contrário do que muita gente vem sugerindo, não será o fim das concessionárias. “Elas não vão acabar, mas terão um formato diferente.

Por exemplo, não veremos mais as megaconcessionárias, com dezenas de modelos expostos. É algo que já não faz sentido diante de tantas possibilidades digitais”, afirma Paulo Cardamone, CEO da Bright, consultoria especializada no setor automotivo. “E, claro, continuarão operando como centros de serviço, nesse caso talvez em um modelo multimarca.”

A digitalização de concessionárias já vem sendo adotada — a alemã Volkswagen é uma das que mais têm se empenhado nesse sentido, oferecendo telas digitais ou óculos de realidade virtual para o consumidor visualizar todo o port­fólio da marca e entender o funcionamento de recursos.

Já a coirmã Audi adotou um processo digital para automatizar e simplificar a comunicação com as concessionárias, permitindo um melhor planejamento de vendas e o rastrea­mento, desde o pedido de produção do veículo até a entrega ao cliente.

Outras funções devem ser atribuídas às concessionárias ao longo dos próximos anos, à medida que novos tipos de serviço forem sendo desenvolvidos pelas marcas — como as iniciativas de locação, compartilhamento ou serviço de carro por assinatura que surgiram nos últimos anos.

“A concessionária vai ser um elo importante nessa cadeia. Afinal, elas são um preposto da montadora, próximo ao cliente”, diz Marcelo Cioffi, sócio da consultoria PwC Brasil. Já Oliveira, da Volvo Cars, aposta que as concessionárias terão uma função ainda mais nobre no ecossistema das marcas. “Do papel de comercializadoras dos produtos, elas passarão a ser embaixadoras da marca, promovendo-a junto aos consumidores para que se apaixonem por ela.” 

Acompanhe tudo sobre:Big dataBlockchainDeloitteElon Muskexame-ceoIndústriaIndústria digitalInteligência artificialMontadorasTeslaVolvo

Mais de Revista Exame

Borgonha 2024: a safra mais desafiadora e inesquecível da década

Maior mercado do Brasil, São Paulo mostra resiliência com alta renda e vislumbra retomada do centro

Entre luxo e baixa renda, classe média perde espaço no mercado imobiliário

A super onda do imóvel popular: como o MCMV vem impulsionando as construtoras de baixa renda