Revista Exame

Canabrava levou R$ 700 milhões mas virou usina de problemas

Por que fundos de pensão investiram 700 milhões de reais na Canabrava, uma empresa que queria montar usinas de açúcar e álcool e, até agora, só perdeu dinheiro


	Colheita de cana-de-açúcar: o setor enfrenta crise financeira
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Colheita de cana-de-açúcar: o setor enfrenta crise financeira (.)

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Da Redação

Publicado em 7 de outubro de 2015 às 05h56.

São Paulo — No começo de 2010, o empresário Ludovico Giannattasio, aos 63 anos, chegou a Campos dos Goytacazes, no norte do Rio de Janeiro, com um projeto para lá de ambicioso: investir 700 milhões de ­reais em usinas de açúcar e álcool. O setor já passava por dificuldades — em dois anos, 25 usinas haviam sido fechadas —, mas Giannattasio dizia que o que faltava para essa indústria dar certo eram capital e projetos mais modernos.

Sua família havia sido dona de produtoras de álcool combustível nos anos 80, mas as empresas encolheram quando os incentivos do Proálcool, programa público de estímulo a esse setor, foram retirados. Engenheiro civil, Giannattasio teve uma construtora nos anos 80. Décadas depois, fundou a Canabrava para captar investidores dispostos a financiar usinas.

Numa só tacada, atraiu meia dúzia de fundos de pensão. Os maiores são a Petros, dos funcionários da Petrobras, e a Postalis, dos Correios — que, juntos, investiram 305 milhões de reais. Pouco mais de cinco anos depois, ficou claro que faltava bem mais do que modernidade para a iniciativa dar certo.

A usina da Canabrava foi inaugurada em 2012 para produzir etanol e gerar energia com o bagaço da cana-de-açúcar, e outras duas usinas foram adquiridas depois. As instalações, de fato, são modernas: todas as moendas de cana são automatizadas e a água necessária para a produção é reutilizada, algo incomum no setor.

O problema é que os custos sempre foram maiores do que as receitas e, assim, as usinas nunca deram lucro. O faturamento anual foi de 186 milhões de reais, e o prejuízo, de 185 milhões, segundo os investidores, com base em balanços de quatro empresas do grupo. Além disso, os cerca de 1 000 funcionários não receberam salário por três meses nem os depósitos no FGTS — e, em junho, ameaçavam fazer greve.

Em parte, as dificuldades se devem à situação complicadíssima do setor de açúcar e álcool. Em 2014, o norte do es­tado do Rio teve a maior seca em 80 anos, o que devastou as lavouras de cana. Além disso, o controle dos preços dos combustíveis reduziu a competitividade do etanol. Mas, hoje, os fundos de pensão que investiram na Canabrava acreditam que haja outros problemas. EXAME apurou que dois diretores da Postalis foram demitidos por causa desse investimento, entre outros também considerados danosos.

A avaliação dos atuais gestores da Postalis é que o fundo colocou dinheiro demais na empresa. (Procurada, a Postalis disse que reserva “o direito de não se manifestar sobre es­tratégias para preservar seu patrimônio”.) Um interventor designado pela Previc, agência ligada ao Ministério da Previdência que supervisiona os fundos de pensão, está analisando por que o fun­do Serpros, de uma empresa vinculada ao Ministério da Fazenda, colocou 70 milhões de reais na Canabrava (a Serpros não retornou ao pedido de entrevista).

Outros fundos reclamam de problemas de gestão e da má administração dos recursos. Hoje, o patrimônio das usinas é negativo em 50 milhões de reais (apesar de terem recebido aportes de 700 milhões). Segundo gestores ouvidos por EXAME, Giannattasio não presta contas nem discute es­tra­tégias. “Para começar, é impossível en­contrá-lo para uma reunião”, diz um deles.

Guerra com investidores

Pessoas próximas a Giannattasio dizem que os gestores estão fazendo uma “campanha difamatória” contra ele. Afirmam ainda que ele investiu seu patrimônio pessoal nas empresas e, por isso, também está sofrendo com os prejuízos (o empresário não deu entrevista). Há seis meses, Giannattasio destacou um executivo de sua confiança, Antônio Mello, para negociar com os fundos de pensão.

Mello é dono da administradora de recursos ASM — que, em 2010, teve o registro de administradora suspenso pela CVM por suspeita de fraude em operações com o fundo de pensão RioPrevidência; mas ele conseguiu reverter a decisão na Justiça. Hoje, Mello é responsável por gerir os 700 milhões de reais captados pela Canabrava.

Ele atribui as dificuldades ao momento ruim do setor e às restrições de crédito dos bancos. “Temos uma crise hídrica e uma crise de liquidez. É claro que há preocupação com a saúde financeira da Canabrava, mas estamos cortando custos e aumentando a eficiên­cia”, diz. Segundo ele, os projetos de novas usinas, que estão atrasados, serão revisados para definir o que ainda faz sentido tocar. Mello afirma também que as contas do fundo foram aprovadas pelos cotistas e que os números foram auditados pela KPMG.

Pelo plano de negócios original, a ­Canabrava poderia recorrer aos fundos para levantar algum capital extra e equilibrar sua situação financeira. ­EXAME apurou que alguns fundos avaliam essa possibilidade, desde que possam participar da gestão das usinas — e, pelo menos em tese, contribuir para que elas deem algum lucro. Em nota, a Petros informou que “monitora de perto todos os fundos em que investe” e que liderou o movimento pela troca do administrador.

Agora “vem atuando no sentido de trocar também o gestor do fundo”. Desde que Giannattasio levantou os 700 milhões de reais, a situação do setor de açúcar e álcool só piorou: nos últimos quatro anos, mais 45 usinas fecharam ou pediram recuperação judicial. Por enquanto, os fundos só podem torcer para que as usinas da Canabrava não sejam as próximas.

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