Cruz e Ferreira, sócios da Jive: eles recuperam até bois sem orelha (Alexandre Battibugli/EXAME.com)
Da Redação
Publicado em 14 de outubro de 2013 às 06h00.
São Paulo - O investidor Guilherme Ferreira passou boa parte de 2012 lendo uma seção do jornal que, normalmente, seus pares ignoram — as colunas sociais. Dos jornais de Pernambuco, mais especificamente. O objetivo não era saber as últimas da alta sociedade pernambucana, mas ganhar dinheiro.
Sócio da Jive, empresa especializada em correr atrás de caloteiros, Ferreira buscava informações sobre um usineiro que, há dez anos, devia 11 milhões de reais a um banco — sua usina faliu e ele não tinha nenhum bem em seu nome, mas continuava dando festas e frequentando eventos sociais com um sorrisão no rosto.
Nada, portanto, que lembrasse um sujeito na rua da amargura. Até que, no fim do ano, ele foi pego. Mais de 500 pessoas haviam sido convidadas para o casamento de sua filha. Um dos investigadores da Jive acabou descobrindo que quem estava pagando tudo era uma empresa sediada no Uruguai, que tinha como procurador no Brasil o tal usineiro — e era “sócia” de outra empresa com sede na casa dele.
“Isso mostrou que ele tinha bens em seu nome fora do país e poderia pagar a dívida”, diz Ferreira. Procurado pela Jive, o empresário acabou fechando um acordo neste ano e pagando parte da dívida.
Há cada vez mais empresas atuando como a Jive no Brasil. Elas são especializadas em comprar carteiras de crédito de altíssimo risco. Os devedores, nesses casos, estão inadimplentes há meses ou anos, e os bancos e as empresas que emprestaram dinheiro a eles já desistiram de recebê-lo de volta.
Para tentar reverter parte do prejuízo, vendem os créditos por valores baixíssimos — em geral, menos de 5% do valor original — para firmas como a Jive. Essas empresas tentam recuperar o dinheiro e lucrar com a diferença entre o que pagaram e o que recebem. O retorno médio nessas operações, segundo os compradores, é de 30%.
“Os bancos cobram e colocam os nomes em cadastro negativo, mas depois de seis meses já provisionaram toda a perda e não têm estrutura para continuar essa cobrança”, diz André Oliveira, diretor da Hipoges, criada na Espanha e instalada no Brasil há dois anos.
Companhias como a Hipoges contratam empresas de call center e escritórios de advocacia especializados em cobrança, que chegam a colocar até 1 000 profissionais para disparar ligações e tentar chegar a um acordo com os caloteiros. Quando a dívida é grande, podem atuar como detetives até descobrir uma forma de receber.
Esse é um mercado de 90 bilhões de reais nos Estados Unidos. No Brasil, cerca de dez empresas atuam no ramo. O volume de créditos podres comprados por elas cresceu 60% nos últimos cinco anos e chegou a 16 bilhões de reais, de acordo com estimativas da RCB Investimentos, que também atua nesse mercado.
Vender esses empréstimos vencidos ajuda os bancos a tirar os créditos podres de seus balanços, ganhar algum com a venda da carteira e, ainda por cima, obter um benefício fiscal — prejuízos em empréstimos geram um crédito tributário.
Fora da caixa
O crédito mais disputado vem de grandes operações de varejo — em setembro, por exemplo, o banco Votorantim leiloou uma carteira de 2 bilhões de reais em financiamentos atrasados de veículos. Os compradores preferem esses créditos porque são massificados, o que facilita a análise por filtros estatísticos (como perfil de devedores e região) e a cobrança telefônica.
Mas a retomada precisa acontecer antes de cinco anos de atraso, pois é quando o nome sai do cadastro negativo — e o devedor perde o estímulo para pagar e limpar seu nome. Para dívidas empresariais, cujos valores são maiores e a cobrança se arrasta anos na Justiça, usar a criatividade é o único recurso à disposição dos caçadores de caloteiros.
As táticas são as mais diversas. A principal é provar que o caloteiro tem dinheiro para pagar as dívidas. “Já confrontamos o devedor com fotos de viagens e iates que vimos no Facebook da esposa dele”, diz Renato Toledo, sócio da RCB. Isso pode ser feito de maneira, digamos, fora da caixa.
Uma das operações mais bizarras de recuperação de crédito aconteceu na pequena Manga, no norte de Minas, onde a garantia de um empréstimo de 6 milhões de reais eram 4 000 cabeças de gado, identificadas por chips instalados nas orelhas dos animais. O pecuarista não pagou a dívida e o gado sumiu do monitoramento.
Um analista da Jive localizou o registro da fazenda em cartório e encontrou no endereço 600 bois com as orelhas cortadas. “Tivemos de contratar 20 tropeiros para mover o gado”, diz Alexandre Cruz, sócio da empresa. Os outros bois foram achados na fazenda do cunhado do devedor, também sem as respectivas orelhas. Para se livrar dos caçadores, o caloteiro fez um acordo e entregou os bois.