Fernando Prado, da Clickbus: venda de passagens por aplicativo (Germano Luders/Exame)
Da Redação
Publicado em 2 de novembro de 2017 às 05h55.
Última atualização em 2 de novembro de 2017 às 05h55.
O mercado de transporte de passageiros passou por mudanças radicais nos últimos anos. A maior delas foi o surgimento do aplicativo Uber, mas também fazem parte do rol de transformações a multiplicação de aplicativos de táxis e de sites que permitem comparar e comprar passagens aéreas, e a criação de serviços de compartilhamento de veículos. Enquanto tudo mudava, um segmento bastante relevante desse mercado, o rodoviário, continuava funcionando da mesma maneira que operou durante décadas. Os quase 93 milhões de brasileiros que viajaram de ônibus para outra cidade ou estado no último ano, com raras exceções, foram até o guichê da rodoviária para comprar a passagem. Nada de internet ou de aplicativos para facilitar a vida ou comparar preços. Onde estavam as startups? As estratégias disruptivas? Os fundos de capital de risco dispostos a revolucionar um mercado parado no tempo? Demorou, mas as startups e os fundos finalmente viram potencial no setor rodoviário e -começaram a modernizá-lo.
As duas maiores startups voltadas para esse mercado são a Clickbus e a Guichê Virtual — e elas não são novas. Surgiram em 2013 para vender passagens por aplicativos e sites, mas demoraram a encontrar um modelo que as fizesse crescer. “Os donos de empresas de ônibus eram desconfiados. Não queriam perder parte da receita vendendo de forma di-ferente”, diz Fernando Prado, presidente da Clickbus. Criada pelo fundo alemão -Rocket, a Clickbus decidiu, em 2016, tornar-se sócia das maiores empresas de ônibus do país, a JCA e a Útil, donas de várias marcas, como a Cometa e a 1001. Com isso, a empresa afirma ter vendido 1,8 milhão de passagens online em 2016, de 115 empresas (o mercado rodoviário é bastante pulverizado: ao todo, 190 companhias atuam nele). A meta é vender o dobro neste ano. Para tanto, está investindo em publici-dade, especialmente na internet e na televisão — os comerciais são estrelados pelo ator Fábio Porchat. Já a Guichê Virtual apostou na independência. Seu sócio é o fundo de capital de risco Kaszek, e a empresa desenvolveu o próprio software de vendas. “Com isso, conseguimos cobrar menos das empresas e dos consumidores”, afirma Halyson Valadão, sócio da empresa, que diz ter vendido 2 milhões de passagens no ano passado e também planeja dobrar o volume em 2017. A Guichê faz menos investimentos em publicidade: só investe para ter um bom posicionamento no site de buscas Google. As duas empresas têm concorrentes de menor porte, como a Brasil by Bus e a Rodoviária Online. Por enquanto, nenhuma dessas empresas atua em todo o país, porque é preciso fechar parcerias com as empresas de ônibus para vender suas passagens por meio de sites e aplicativos. A Guichê Virtual, por exemplo, não atende o trajeto Rio-São Paulo no momento.
REGULAÇÃO ENGESSADA
A demora na chegada das startups também se deve à regulação engessada do setor rodoviário. Até agosto deste ano, os preços eram tabelados e as empresas só podiam dar descontos nas passagens se pedissem autorização antecipada à Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), que regula viagens interestaduais. Por causa disso, os preços variavam pouco e, em rotas menos concorridas, muitos clientes acabavam preferindo comprar suas passagens pouco antes de viajar. Em agosto, a agência passou a permitir que as promoções fossem feitas e comunicadas posteriormente. Mas só é possível dar descontos pontuais. A ANTT não permite que as empresas aumentem e reduzam os preços das passagens ao longo do dia, de acordo com a oferta e a demanda, como acontece com os bilhetes aéreos. No entanto, isso mudará até 2019. Está em estudo uma mudança para permitir esses ajustes dinâmicos e a emissão de passagens eletrônicas (hoje, mesmo se a compra do bilhete for feita online, é preciso retirá-lo no guichê da rodoviária). “Recebemos a demanda das empresas e estamos migrando gradualmente para um mercado mais moderno e dinâmico”, afirma Alexandre Muñoz de Oliveira, especialista em regulação da ANTT. “Quando acontecerem, essas mudanças devem aumentar a concorrência e transformar o mercado rodoviário”, diz Gustavo Lopes, sócio da consultoria Roland Berger, que fez um estudo sobre o tema. A aposta das startups é que vale a pena investir para se tornarem conhecidas hoje, o que aumenta a chance de crescimento quando a regulação mudar. Atualmente, apenas 6% das passagens de ônibus são vendidas por meio de sites ou aplicativos — entre os bilhetes aéreos, estima-se que a taxa chegue a 80%.
Os maiores mercados de viagens de ônibus do mundo estão em países emergentes. O maior é o chinês, e o brasileiro vem em seguida, com uma receita somada de 24 bilhões de dólares (o setor de aviação fatura cerca de um terço disso no mercado doméstico, segundo dados da empresa de informações financeiras Euromonitor). A explicação são as deficiências de infraestrutura desses países, onde o transporte ferroviário, grande concorrente dos ônibus, é pouco desenvolvido. Quando decidiu criar a Clickbus, o fundo Rocket abriu filiais em 13 países. Acabou mantendo apenas os investimentos no Brasil, no México e na Turquia. “Não deu certo na Ásia porque a maioria das empresas de ônibus não trabalha com software”, diz Fernando Prado. “Na Europa, o setor rodoviário é pequeno e consolidado. Não há escala que permita ter retorno.” Segundo executivos do setor, um modelo a ser seguido no futuro é o da indiana -Redbus, uma das maiores startups de venda de passagens de ônibus do mundo, que vende também diárias de hotéis. A Redbus foi vendida para o grupo Ibibo, subsidiária do conglomerado de mídia sul-africano Naspers, em 2013. Na época, a empresa foi avaliada em cerca de 130 milhões de dólares. Não chega nem perto do valor de mercado do Uber, estimado em quase 70 bilhões de dólares. Mas a transação mostra que, quando há um grande mercado consumidor, startups e fundos envolvidos, o mercado rodoviário também pode se tornar mais dinâmico.