Revista Exame

Briga entre irmãos no Hermes Pardini prejudica acionistas

Uma briga tornou-se o maior obstáculo para o laboratório mineiro Hermes Pardini comprar rivais - agora, dificulta vida de acionistas que querem sair

Victor Pardini, presidente do conselho: planos interrompidos enquanto não se acerta com a irmã mais velha (Leo Drumond/Nitro)

Victor Pardini, presidente do conselho: planos interrompidos enquanto não se acerta com a irmã mais velha (Leo Drumond/Nitro)

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Da Redação

Publicado em 23 de julho de 2016 às 05h56.

São Paulo — Há cerca de dez meses, dois novos integrantes passaram a frequentar as reuniões do conselho de administração do laboratório de diagnóstico Hermes Pardini, em Belo Horizonte. Até setembro, além dos irmãos e herdeiros Áurea, Regina e Victor Pardini, havia apenas dois representantes do fundo de investimento Gávea, que desde 2011 detém 30% de participação na companhia.

De lá para cá, Áurea passou a frequentar a reunião com dois de seus advogados. A permissão para ir acompanhada, obtida na Justiça, dá uma medida da animosidade entre ela e os irmãos, que não trocam uma única palavra há mais de um ano. Por outro lado, a interação judicial entre eles nunca foi tão ativa.

No início do ano passado, Áurea decidiu cobrar judicialmente sua parte nos dividendos em outra companhia da família, a Eiva, que administra aproximadamente 150 imóveis. A defesa argumenta que os dividendos não foram distribuídos para realizar a compra de novos imóveis. A pessoas próximas, Áurea afirma que se trata de uma tática dos irmãos para “deixá-la sem dinheiro”.

Em setembro, ela tornou-se alvo de um processo em que os próprios pais e fundadores da companhia, Hermes e Carmen, são os autores. Eles exigem a devolução de 15 milhões de reais referentes aos dividendos recebidos por ela de três empresas da família nos últimos quatro anos, mais ajustes, como EXAME antecipou em junho.

Como efeito dessa ação, o laboratório Hermes Pardini parou de distribuir dividendos a todos os acionistas — inclusive ao investidor Gávea. Mais do que uma disputa entre irmãos, a desavença tornou-se hoje uma das maiores ameaças ao crescimento da companhia.

Boa parte do problema reside numa cláusula do acordo de acionistas segundo a qual qualquer aquisição acima de 200 milhões de reais precisa de aprovação unânime dos sócios. Em 2014, a harmonia familiar foi posta à prova pela primeira vez. Após meses de negociações para se unir ao Fleury, segundo maior laboratório do país, Áurea vetou a proposta.

A partir daí, a relação entre a primogênita e os irmãos, que nunca havia sido boa, piorou de vez. Em meio ao imbróglio, o sócio Gávea tentou vender sua fatia no Hermes Pardini ao longo de 2015. Segundo EXAME apurou, vários fundos avaliaram a oportunidade, mas nenhum quis levar um quinhão minoritário diante do impasse entre os sócios.

Não por acaso, o episódio também marcou uma ruptura na trajetória de aquisições do laboratório. De 2012 a 2013, o Hermes Pardini adquiriu três concorrentes paulistas, dois mineiros e a maior rival goiana — todos eles negócios abaixo de 200 milhões de reais. Após uma espera de quase três anos, os executivos do Pardini preparam-se para realizar a sétima aquisição.

Conforme EXAME apurou, trata-se de um laboratório com sede no Rio de Janeiro com vendas de cerca de 100 milhões de reais. Mas os efeitos da demora são perceptíveis. Em 2015, o grupo mineiro perdeu a terceira posição no setor para o Alliar. Capitaneado pela gestora de recursos Pátria, o laboratório Alliar surgiu da fusão de 23 empresas.

Segundo fontes próximas à família, a desavença entre Áurea e os irmãos é de longa data. Como até recentemente eles não conviviam dentro da empresa, os de­sentendimentos não haviam respingado no negócio.

Enquanto Victor e Re­gi­na, ambos médicos formados pela Universidade Federal de Minas Gerais, trabalharam por mais de uma década na empresa do pai, Áurea teve uma passagem breve pelo laboratório. Dentista pe­la Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Áurea especializou-se em radiologia e foi responsável por dar início ao setor de exames ortodônticos no Hermes Pardini no início dos anos 2000.

Mas deixou o posto pouco tempo depois. A primogênita só voltou a ganhar espaço equivalente ao dos irmãos na empresa ao assumir uma cadeira no conselho de administração, criado em 2008 com a ajuda de especialistas da Fundação Dom Cabral.

A formação de um conselho coincidiu com a saída do fundador Hermes Pardini da presidência, afastado com sintomas de uma doen­ça degenerativa — hoje, aos 82 anos, es­tá constantemente sob cuidados médicos. Na mesma época, a propriedade da empresa foi transferida para os três filhos em partes iguais. Victor, braço direito do pai, assumiu a presidência do conselho.

Sem a mediação do fundador, e com o mesmo poder, os irmãos deflagraram um jogo de forças. Por causa do fracasso das negociações com o Fleury, os ânimos se acirraram. Quase um ano depois, o Fleury acabou vendendo 13% de seu capital ao fundo Advent. 

No processo em andamento, Áurea é acusada de não ter repassado 25% dos dividendos dos negócios da família para os pais, como, segundo alegam, está previsto no contrato em que transferiram suas participações para os filhos. A defesa de Áurea sustenta que em acordo verbal os três filhos decidiram conjuntamente não pagar essa parcela aos pais.

Na ação judicial, há transcrições de conversas entre mãe e filha nas quais Áurea chama Carmen de “burra”, “louca” e “péssima mãe”. Procurados, a família e o Gávea não deram entrevista. Até agora as tentativas de fazer um acordo para encerrar a história foram malsucedidas. Segundo fontes próximas à empresa, Victor e Regina tentaram comprar a parte de Áurea.

Numa negociação conduzida nos últimos meses, ninguém chegou a um consenso. A pessoas próximas, a herdeira disse que age em defesa dos interesses da família. No episódio do Fleury, ela afirma ter evitado a diluição do patrimônio dos Pardini. Segundo fontes que participaram da negociação, o capital do Fleury seria fechado e a família teria cerca de 30% de participação na nova companhia.

Victor Pardini permaneceria no conselho de administração. Na última fase de definição dos detalhes, Áurea viajou para Portugal durante 22 dias. Quando voltou, as negociações foram dadas por encerradas. A briga aconteceu num momento crítico. Nesse mercado, há um limite para o crescimento orgânico, com a prestação de serviços de análise para outros laboratórios.

A companhia já atende 5 000 clientes desse tipo, que representam mais da metade de suas vendas. Hoje há cerca de 15 000 laboratórios no país, segundo o banco americano de investimento MTS Health Partners. Mas só metade deles trabalha com planos de saúde, principal financiador da medicina diagnóstica. Novos concorrentes, como o espanhol Cerba, chegaram ao mercado brasileiro para atuar nessa área.

“A competição aumentou muito, e o Pardini teve de diminuir sua margem de lucro para não perder espaço”, diz o consultor Marcos Martins, especialista em laboratórios. Partir para novas aquisições, cedo ou tarde, é inevitável num setor em consolidação. Mas fica difícil se os donos nem sequer se falam.

Alternativas

Neste ano, o Hermes Pardini anunciou a intenção de acelerar os negócios focados em genética. Bem mais rentáveis do que as análises clínicas e os diagnósticos por imagem, os exames genéticos são feitos no laboratório desde 1998, mas representam apenas 1% das receitas. É um desafio crescer nesse nicho, porque demanda altos investimentos em computadores, informatas e médicos especializados.

Existem empresas de diagnóstico exclusivamente dedicadas ao segmento, como a carioca DLE e a paulista Mendelics. O maior laboratório do mundo, o americano Quest, que fatura 8,5 bilhões de dólares, já presta serviço para os maiores laboratórios do Brasil em exames mais especializados e caros. Por enquanto o negócio dá sinais de resiliência, apesar da relação turbulenta entre os acionistas.

Em 2011, o Gávea pagou quase 300 milhões de reais por 30% das ações. Hoje estima-se que o mesmo quinhão esteja avaliado em cerca de 600 milhões de reais. Nesse período, as vendas da empresa dobraram. O maior inimigo, nesse caso, é o tempo. “Na Justiça, discussões como essa podem demorar de cinco a dez anos para ser resolvidas”, diz o advogado Roberto Liesegang, especialista em direito societário.

“Em geral, as partes chegam a um acordo quando percebem que a empresa começa a definhar.” No Pardini, enquanto o impasse não se resolve, só há uma certeza. Ninguém entra. E ninguém sai.

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