Revista Exame

Brasil ficou barato para investidores americanos

Para o americano Kevin Efrusy, um dos primeiros investidores a apostar no Facebook, as startups brasileiras continuam atraentes apesar da crise

Kevin Efruzy, do Accel Partners: ele ainda quer investir no Brasil (Divulgação/Exame)

Kevin Efruzy, do Accel Partners: ele ainda quer investir no Brasil (Divulgação/Exame)

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Da Redação

Publicado em 10 de fevereiro de 2016 às 04h52.

São Paulo — O americano Kevin Efrusy afirma já ter perdido a conta das vezes em que esteve no Brasil. Sócio do Accel Partners, um dos maiores fundos de capital de risco do Vale do Silício, com 17 bilhões de dólares investidos em quase 500 companhias, o trabalho de Efrusy é encontrar, em meio a milhões de boas ideias, aquelas com potencial para se transformar em grandes negócios.

Seu maior acerto foi ter sido um dos primeiros a apostar no Facebook. Os 12 milhões de dólares aplicados na empresa de Mark Zuckerberg em 2005 viraram mais de 11 bilhões de dólares nove anos mais tarde, na abertura de capital da companhia. Outros investimentos notórios do Accel lá fora: o Drop­box, para armazenamento de dados na nuvem, e o serviço de música Spotify.

No Brasil, receberam aportes do fundo companhias como o Hotel Urbano, líder em reservas online de hospedagem, e o site de comércio eletrônico baby.com.br, de produtos infantis. Em visita recente ao Brasil, Efrusy falou a EXAME sobre os empreendedores brasileiros e como o cenário de crise no país pode afetar a atratividade das startups locais.

Exame – Continua interessante investir em startups no Brasil — com o país imerso numa crise econômica e política?

Efrusy – É claro. Afinal, está muito mais barato investir — 1 dólar vale cerca de 4 reais atualmente — e há menos competição porque a maioria dos investidores do Vale do Silício abandonou o Brasil.

O problema é que as startups costumam demandar várias rodadas de investimento, e, quando o cenário econômico está ruim, não é fácil levantar mais dinheiro porque as pessoas ficam apavoradas com a situação do país.

Por esse motivo, num momento como esse, é preciso ser mais cuidadoso e escolher startups que não exijam muitas rodadas de investimento adicionais. Além disso, descobrir quais ideias vão conseguir sobreviver a uma recessão é uma tarefa complexa.

Exame - Como o senhor compararia o perfil do empreendedor brasileiro com o de outros países?

Efrusy - Os brasileiros são muito mais colaborativos e isso ajuda nas negociações, porque tendem a enxergar o investidor como um sócio, alguém que também quer ver o negócio dar certo.

Em outros países em desenvolvimento, sobretudo naqueles que têm um histórico de comunismo ou de segregação social, há uma desconfiança dos empreendedores em relação às motivações dos investidores. Por outro lado, faltam disciplina e precisão por parte dos brasileiros.

Exame - O senhor poderia dar exemplos dessa falta de disciplina e precisão?

Efrusy - Parte disso tem a ver com as leis tributárias e trabalhistas brasileiras. Elas são complicadas, confusas e até contraditórias. Chamamos um advogado para auditar uma empresa brasileira na qual queremos investir e ele nos disse que a empresa estava de acordo com as normas. Consultamos outro advogado e ele nos disse o contrário.

Por causa dessa confusão, os empresários brasileiros não atribuem importância e urgência necessárias a essas questões e tendem a querer empurrá-las com a barriga. Mas, para os investidores, estar de acordo com as leis do país é essencial.

Os brasileiros também têm dificuldade de seguir um plano, executar um projeto no ritmo, se ater de forma responsável a um número todo trimestre. Mas essas questões têm evoluí­do e hoje estão melhores do que há quatro anos.

Exame - Quais economias emergentes estão à frente e poderiam ser um bom exemplo para o Brasil?

Efrusy - A economia da Índia começou a avançar porque o governo tornou sagrado criar condições para facilitar o empreen­­dedorismo. O sistema indiano já foi muito parecido com o do Brasil. A Índia tinha muitas regras que dificultavam o investimento estrangeiro e protegiam os negócios existentes em detrimento dos novos.

Além disso, leis nacionais e estaduais muitas vezes conflitavam. Era muito difícil fazer negócio lá. Melhorou quando o governo passou a dar previsibilidade aos empreendedores, simplificando o sistema tributário e diminuindo regulações e impostos trabalhistas. Só assim as empresas se sentem incentivadas a contratar pessoas.

Exame - Há algum bom exemplo na América Latina?

Efrusy - O Chile é bem mais avançado do que a Índia na questão regulatória, e o Estado é menos intervencionista. O problema é que o país tem um mercado interno muito pequeno.

Exame - Os chilenos gostam de dizer que têm o Chilecon Valley. Há algum lugar do mundo parecido com o Vale do Silício?

Efrusy - Nenhum lugar chega perto do Vale do Silício porque ele concentra empresas inovadoras de vários setores. Fora dos Estados Unidos, a China, principalmente a região de Pequim, é a que tem uma base mais ampla e diversificada de inovações.

Em Bangalore, na Índia, esse fenômeno ainda é bem recente. Mas em outros países existem bolsões especializados em algum tipo de tecnologia. Na Coreia do Sul há empresas fenomenais em mídia, games e entretenimento. Em Israel eles são inacreditavelmente bons em softwares de segurança.

Exame - E o que o Accel Partners procura no Brasil para investir?

Efrusy - No momento estamos interessados em empresas que só vendem para outras companhias, as B2B (“de negócio para negócio”). Também gostamos daquelas que resolvem problemas peculiares ao país.

A Neoway, de Santa Catarina, desenvolveu um software capaz de filtrar informações de 3.000 bancos de dados públicos e alguns privados para ajudar empresas a prospectar clientes ou estimar o potencial de vendas de determinado mercado.

Ela nos atraiu porque tem um produto que outras start­ups não conseguem fazer tão bem, um bom modelo de negócios — uma assinatura que dá direito a usar o serviço — e porque uma empresa de qualquer outro lugar do mundo teria muita dificuldade para chegar aqui e entender como ter acesso a esses bancos de dados.

Investimos nessa empresa em novembro de 2014 e menos de um ano depois já estávamos ganhando dinheiro.

Exame – Em 2012, o Accel estava mais interessado em empresas brasileiras de comércio eletrônico. Por quê? O setor perdeu o brilho?

Efrusy - As companhias de comércio eletrônico nas quais investimos no passado estão indo bem, como a agência online de viagens Hotel Urbano. Mas, como investidores, temos de olhar para as necessidades do mercado que não estão sendo atendidas — e há muitas na seara do B2B.

Em relação a negócios que atendem o consumidor final, estamos de olho em setores que oferecem uma margem de lucro razoável, como serviços financeiros e educação.

Exame – Há no Brasil startups com condições de competir globalmente?

Efrusy - Ainda não. Hoje, poucas tecnologias inventadas por startups brasileiras têm condições de ser exportadas. Suponho que por um bom período continuará dessa maneira. Até agora a maioria delas tem conseguido competir no máximo na América Latina. Talvez a Hotel Urbano vá para fora do país, assim como a argentina Decolar.com entrou no Brasil. Mas a boa notícia é que o mercado local é grande o suficiente.

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