Carlos Medeiros, da BR Malls: remuneração acima da média chama a atenção (Ricardo Moraes/Reuters)
Da Redação
Publicado em 30 de abril de 2016 às 05h56.
São Paulo — Assim como a política e a economia, a gestão de empresas não tem nada de ciência exata. Não existe regra: o que dá certo em uma não dá certo em outra, e modas como as supostas “melhores práticas” vêm e vão sem que ninguém fique muito convencido do que é de fato melhor. Tudo, em suma, depende.
Na última década, o Brasil descobriu, um tanto fascinado, as empresas sem controlador definido — as corporations, termo em inglês pelo qual são conhecidas. O Brasil, como se sabe, sempre foi o país da “empresa de dono”, na qual um manda e o resto obedece. Como nos Estados Unidos é diferente e o controle costuma ser pulverizado, as corporations logo foram tratadas por aqui como suprassumo da modernidade.
Com esse modelo, dizia-se, os acionistas minoritários ficam protegidos, não há compadrio, brigas de família etc. Mas não demorou muito até ficar provado que o modelo sem controlador, assim como qualquer outro, pode não funcionar.
Algumas corporations brasileiras enlouqueceram seus acionistas, sobretudo por uma crônica obsessão por resultados de curto prazo que podem se provar armadilhas no futuro. A BR Malls, maior operadora de shopping centers do Brasil, era um dos casos de sucesso do modelo, mas começou a viver uma crise particular que simboliza bem os desafios das empresas sem controlador.
Seus acionistas apontam uma contradição. A companhia não tem dono — mas é como se tivesse. Aos 43 anos, o executivo Carlos Medeiros está concluindo uma década na presidência da BR Malls, um feito raro no mundo corporativo. Esse grau de resistência é fácil de explicar.
Ele não é um presidente qualquer: ajudou a fundar a BR Malls, empresa que nasceu quando o fundo de private equity GP e o bilionário americano Sam Zell compraram uma administradora de shoppings, a Ecisa, em 2006. Medeiros, que era sócio da GP, foi destacado para administrar o negócio. Foi um estrondoso sucesso.
Com uma série de aquisições, a companhia deslanchou, tornou-se líder num setor até então dominado por grupos familiares e, no auge, chegou a valer 13,7 bilhões de reais. A ligação de Medeiros com a BR Malls era tamanha que, quando a GP vendeu suas ações em 2010, ele decidiu deixar o fundo para ficar na empresa, que passou a não ter controlador.
Para Medeiros, foi um excelente negócio. Desde a saída de Zell em 2012, a BR Malls distribuiu 230 milhões de reais a seus executivos. Para 2016, a remuneração total deverá chegar a 42 milhões de reais. É muito mais do que as outras grandes do setor pagam a seus executivos (veja quadro). Medeiros, naturalmente, leva a maior parte da bolada, que é dividida entre ele e outros seis subordinados.
Enquanto estava indo tudo bem, não se ouvia um pio dos acionistas reclamando do poder exercido por Medeiros, nem de sua remuneração, nem de sua visão estratégica. José Galló, presidente da Lojas Renner, está na mesma condição há uma década. A Renner não tem controlador, mas ele manda como se fosse. Como as coisas vão bem, o “modelo Renner” é tido como caso de sucesso.
Mas, desde que os controladores da BR Malls foram embora, as ações da empresa caíram 20%, um desempenho inferior ao das rivais Multiplan e Iguatemi, e os resultados vêm piorando.
Mesmo assim, o conselho da BR Malls aprovou, para 2014 e 2015, uma remuneração anual de 60 milhões de reais a seus diretores, o dobro distribuído pela Multiplan (em 2015, em razão da crise, o total efetivamente pago pela BR Malls acabou sendo 30% menor, ou 45,7 milhões de reais).
Em 2015, o lucro da BR Malls foi de apenas 18,7 milhões de reais, e seu valor de mercado é metade do registrado nos tempos de ouro. A generosidade do conselho de administração chamou a atenção. Os maiores acionistas da BR Malls são fundos estrangeiros com pouco apetite para intervir, e o conselho é formado por executivos indicados por Medeiros.
O presidente do conselho, Paul Matheson, tem 77 anos, era dono da Ecisa e é descrito por concorrentes e ex-funcionários como alguém que influencia sem se envolver muito. Aos poucos, a base acionária da empresa foi mudando e abrindo espaço para gente mais barulhenta.
No fim do ano passado, a Gazit, operadora israelense de shoppings, comprou 5% da BR Malls na bolsa e surgiram especulações sobre uma possível oferta pela companhia.
A gestora brasileira Squadra, que tem 2% das ações, procurou a diretoria para indicar dois novos conselheiros com perfil atuante em governança corporativa: Mauro Cunha, presidente da Associação de Investidores no Mercado de Capitais, e Isabella Saboya de Albuquerque, ex-diretora da Comissão de Valores Mobiliários.
Os nomes não foram para a chapa indicada pela empresa, que propôs a reeleição do atual conselho, mas a Squadra não desistiu. A assembleia que decidirá o assunto está marcada para o fim de abril e a Squadra precisa do apoio de pelo menos mais 3% dos acionistas para emplacar as mudanças. Um dos pontos que os acionistas questionam é o programa de opções de ações da BR Malls.
Em tese, esse tipo de programa serve para “alinhar” os interesses de executivos e acionistas, já que os funcionários ganham mais se o preço da ação subir e ficam no zero a zero se cair. Mas, no caso da BR Malls, se as ações estiverem valendo menos, o programa prevê que o preço seja recalculado para baixo no próximo exercício, o que tende a deixar mais fácil para o executivo conseguir um ganho no ano seguinte.
(Na prática, as ações começaram a cair tanto que o programa deixou de fazer sentido e, segundo EXAME apurou, deve ser extinto em 2016.) A entrada da Gazit no capital fez Medeiros marcar uma assembleia de acionistas no fim do ano passado. Seu objetivo era criar mecanismos que dificultassem uma eventual oferta “oportunista” pelo controle da empresa.
Para a Squadra e outros investidores, foi mais um sinal de que a gestão quer se preservar no poder a despeito do interesse dos acionistas. Com a pressão, a BR Malls cancelou a assembleia. Medeiros, Squadra e Gazit não quiseram dar entrevista. A BR Malls enfrenta os mesmos problemas de todas as empresas do setor (relacionados à queda no consumo e à recessão) e outros particulares.
Neste grupo estão uma dívida de 4,9 bilhões de reais e uma exposição menor ao segmento de alta renda, no qual Multiplan e Iguatemi são fortes. Como apontou o Bank of America Merrill Lynch num relatório, a BR Malls está dando mais prazo aos lojistas para pagar o aluguel, o que tem segurado os níveis de vacância próximos aos da concorrência.
O perigo, na visão do banco, é que a crise econômica se estenda por um período longo e crie um problema maior à frente. Apesar das dificuldades, é inegável a força da empresa que Medeiros ajudou a criar. No início do ano, a BR Malls atraiu o interesse do fundo americano Blackstone, que começou negociações para comprar o controle. A BR Malls contratou o banco Itaú BBA para representá-la nas conversas.
Mesmo que as negociações não avancem, Medeiros já tem data para sair da empresa. Segundo os planos do conselho, ele ficará mais cinco anos e passará o bastão a um executivo de mercado. Vai acabar, assim, a peculiar cultura da empresa que não tem controlador, mas tem “dono”. E sabe-se lá se isso vai ser bom ou ruim.