Revista Exame

Barista cultiva 450 plantas em apartamento (e garante que tem benefícios)

Pandemia da covid-19 impulsiona o cultivo de plantas dentro de casa; Saiba que espécies são fáceis de cuidar e podem deixar seu lar mais verde

O barista Taniel Toy: 450 plantas em seu apartamento de 42 metros quadrados (Germano Lüders/Exame)

O barista Taniel Toy: 450 plantas em seu apartamento de 42 metros quadrados (Germano Lüders/Exame)

Entrar na casa do barista Taniel Toy, no centro de São Paulo, é como mudar de atmosfera. Não pelo aroma dos cafés especiais que ele passa em seu apartamento de 42 metros quadrados, mas pela floresta que ele montou no ambiente.

Cerca de 450 plantas se espalham pelos cômodos da casa — são exemplares de espécies tropicais, algumas raras, que Toy começou a colecionar há cerca de cinco anos. “Mais recentemente, me foquei em dois gêneros principais: o dos antúrios e o dos filodendros”, diz. “Como não existe um comércio amplo de plantas raras no Brasil, compro de duas lojas, mas, em geral, ganho ou troco espécies com outros colecionadores.”

O hobby, que Toy impede de virar uma profissão, exige tempo e dinheiro: seu exemplar mais caro custou quase 2.000 reais. A cada dois dias, ele leva 1 hora e meia borrifando água em sua floresta particular. Duas vezes por semana, faz uma ronda mais cuidadosa, que toma quase 3 horas de seu tempo. Para ele, as plantas não dão trabalho, mas fazem com que ele tenha um tempo de relaxamento, só dele.

Toy é o representante extremo de um movimento contemporâneo que resgata o antigo hábito de cultivar plantas em casa — afinal, quem não se lembra de ter visto pelo menos uma samambaia na casa da avó? A novidade, agora, é que as plantas são vistas como itens de decoração, e a variedade de suas formas e tonalidades passa a compor ambientes internos.

Não se trata, no entanto, de uma moda passageira. Pelo contrário: foi justamente um modismo que fez com que deixássemos as plantas de lado. “Nas décadas de 1970 e 1980, as casas tinham samambaias por todos os lados. Do início da década de 1990 aos anos 2000, tivemos a era do minimalismo italiano”, diz o designer e decorador Paulo Biacchi, que reúne quase meio milhão de seguidores em seu canal no YouTube. “Começou a ficar brega ter planta, e elas acabaram sumindo.”

Por anos, o minimalismo reduziu os elementos da decoração de interiores, eliminando tudo o que fosse volumoso demais. Com o tempo, o aspecto showroom perdeu o espaço para a tendência da decoração mais orgânica, que ficou mais popular no Brasil. “Hoje, tem força o movimento boho chic [de boêmio chique], com pegada mais tropical, cheia de cores. Isso abriu espaço para as plantas robustas, com folhagens bem exuberantes”, diz Biacchi, que, em seus vídeos, sempre dá um jeito de colocar um verde no ambiente.

No entanto, segundo ele, a decoração brasileira vive um momento de mesclas de estilo. Em vez de apostar em um design totalmente industrial ou totalmente minimalista, a tendência é pegar referências de diversas escolas e formatar espaços que combinem mais com a personalidade do habitante. “Nesse sentido, sempre há espaço para plantas. Até para os minimalistas: seria aquela folha única de costela-de-adão em um vasinho de vidro com água”, brinca Biacchi.

Como tantas outras tendências, a floresta urbana foi acelerada pela pandemia de covid-19. Com parques fechados, sem poder frequentar as ruas e, claro, com aquele impulso das redes sociais, as pessoas começaram a buscar uma forma de estar próximas à natureza, mesmo sem sair de casa. Engana-se quem acha que o movimento é restrito às grandes cidades. Com um comércio de plantas e paisagismo no município de Salto, no interior de São Paulo, o professor de jardinagem e criador de conteúdo digital Randall Fidencio percebeu a frequência atípica em sua loja. “Vendia mais para jardins, pomares e hortas, mas passei a ter muitos pedidos de plantas para ambientes internos”, diz. “Agora tenho clientes que já vêm com uma lista na mão, com espécies que viram no Instagram ou no Pinterest.”

Hoje, tem força o movimento boho chic [de boêmio chique], com pegada mais tropical, cheia de cores. Isso abriu espaço para as plantas robustas, com folhagens bem exuberantes

Paulo Biacchi, designer e decorador

Para ele, a redescoberta das plantas fez com que as pessoas notassem os diversos benefícios de viver rodeado de verde. Além de tornar os ambientes mais vivos, a vegetação amplia o bem-estar. “O contato com a natureza, com a terra, gera sensações muito boas. É algo ancestral que acabamos perdendo e que, hoje, vemos como sur­preen­dente”, diz Fidencio.

O efeito das plantas na saúde não é papo de bicho-grilo: a tese é sustentada pelo cientista japonês Qing Li, do departamento de higiene e saúde pública da Nippon Medical School, em Tóquio. Qing se dedicou a pesquisar os efeitos do forest bathing (algo como “banho de floresta”) na saúde humana. Praticado no Japão, o banho de floresta consiste, basicamente, em estar na mata. A ideia não é fazer exercícios em um ambiente natural, mas estar simplesmente presente, com os cinco sentidos abertos aos estímulos da natureza. Em dois artigos, o cientista mostra que a prática causa uma série de efeitos positivos no organismo, como redução de depressão, ansiedade e cansaço e até aumento da expressão de moléculas anticâncer.

É claro que passar algumas horas em uma floresta é diferente de conviver com plantas em casa, mesmo que você se torne um Taniel Toy. Mas o próprio barista afirma ter benefícios para além do tempo que ele dedica a cuidar das plantas e, consequentemente, relaxar. “Ter uma floresta me deu autoconhecimento. Para mexer nas plantas, eu preciso estar bem. Se percebo que minha energia não está boa, não é a hora de interagir. E elas demonstram isso: quando a energia flui, percebo que as folhas crescem mais”, diz.

O decorador Biacchi, que tem cerca de dez plantas em casa, não restringe o verde ao design. Para ele, o cultivo é terapêutico. “Você precisa se dedicar minimamente às plantas, e isso exige cuidado e informação. Tem de saber regar, podar, é algo no estilo ‘faça você mesmo’ ”, diz, adicionando que existe, ainda, o divertimento de modelar algumas das espécies e tirar mudas. “É prazeroso porque, se você cuida direito, vê uma evolução — e, de quebra, dá um tempo no celular e no computador.”

A lista de contraindicações para cultivar plantas em casa não é extensa. Professor de botânica na Universidade de São Paulo, Gregório Ceccantini alerta para os cuidados com as espécies tóxicas. “Há plantas ornamentais que têm látex, por exemplo. Se mastigadas ou ingeridas, podem causar intoxicação. Algumas têm efeito cáustico e podem queimar a pele e os olhos”, diz o cientista. Um exemplo são as eufórbias, tipos que parecem cactos (mas não são) e podem ser encontrados com facilidade em supermercados. O cuidado vale, principalmente, para quem tem crianças ou animais de estimação circulando pela casa.

A famosa comigo-ninguém-pode é outra planta que, como o nome sugere, exige atenção redobrada. “Ela é bonita, cresce bem na sombra e tolera restrições de água, mas tem ácido cianídrico, por isso pode envenenar crianças e animais domésticos”, diz ele, adicionando que a planta é uma das que mais causam acidentes domésticos no Brasil. No mais, está tudo liberado. Toy só alerta que, caso a ideia seja ter muitas plantas, é bom deixar as recém-chegadas em quarentena (sim, até elas ficam em quarentena) para se certificar de que não vieram com insetos.

As espécies vendidas nos chamados gardens, as lojas especializadas, são diversas, mas existe uma lista de favoritas do momento. Em geral, são plantas que podem se dar bem em apartamentos, com folhagens vistosas ou formatos interessantes e, principalmente, fáceis de cuidar. Clássicos são clássicos, e a samambaia que imperava nos anos 1970 volta ao trono agora. Segundo Biacchi, é uma boa opção para preencher espaços aéreos. Junto a ela as jiboias também funcionam para as partes mais altas da casa, especialmente sobre móveis e prateleiras, já que, ao crescer, elas apontam para baixo, espalhando suas folhas verdes rajadas de amarelo e em formato de coração.

Se a ideia é ocupar aquele canto vazio no chão, pode valer a pena pegar uma Ficus lyrata para chamar de sua. A espécie cresce de baixo para cima, tem galhos firmes e folhas grandes e durinhas. Fácil de cuidar, não exige muita água. Um tipo bem popular nas redes sociais é a costela-de-adão, ou Monstera deliciosa. Nativa do México e de países da América Central, ela se adaptou bem ao clima tropical do Brasil e virou uma febre: no Instagram, a hashtag ­#monster­amonday reúne as fotos de seus donos, que se gabam dos incríveis recortes e tonalidades da planta de folhas gigantes.

Para decorar espaços pequenos da casa, o universo das suculentas é sempre uma boa opção. Tem para todos os gostos: a colar-de-pérolas, por exemplo, lembra pequenas ervilhas que se espalham vaso abaixo. A rosa-de-pedra lembra as pétalas de uma rosa, com coloração que pode ser um verde vivo ou acinzentado.

Mas, antes de sair comprando plantas apenas pela beleza delas, há uma regra de ouro. Para escolher bem uma espécie, é preciso planejar onde, exatamente, ela vai morar. Isso porque a quantidade e a qualidade da luz que ela vai receber é o que dita sua sobrevivência. Samambaias, por exemplo, não são fãs de sol direto em suas folhas, tampouco de vento em excesso. Trata-se de uma espécie de sombra, o que, no linguajar dos jardineiros, quer dizer meia-luz. Já o cacto sempre vai preferir um ambiente mais próximo do clima desértico; logo, quanto mais sol, melhor.

Também é interessante pensar na finalidade que a planta terá em sua casa. Se a ideia é agregar à decoração, a saída é investir em opções maiores, já bem cuidadas e cultivadas. Mas pode ser divertido ter uma interação com a planta desde o princípio, então fique de olho nas mudas. Quando as espécies ainda estão jovens, é mais fácil notar sua evolução. A cada semana pode aparecer uma nova ramificação, uma nova folha, um botão de flor. Os resultados do bom cuidado são empolgantes, e vai dar gosto de ver a planta evoluindo.

Na dúvida, aproveite para trocar uma ideia com os atendentes nas lojas. Eles costumam ser instruídos, além de, muitas vezes, ter a responsabilidade de cuidar das espécies à venda. É importante entender o padrão de rega da planta que você escolher, mas um macete ajuda: pressione a terra com o dedo — se o dedo sair sujo, melhor não regar; se sair limpo, é porque a planta está com sede. Observar o comportamento de sua floresta urbana é essencial. “Algumas pessoas acham que planta é só um enfeite e que, se morrer, é só substituir”, diz Toy. “É preciso lembrar que ela é, também, um ser vivo.”

As plantas mais usadas na decoração

(Divulgação/Getty Images)


Bom para o ambiente?

Sentimos informar, mas as plantas não vão purificar o ar de sua casa

Entre os muitos benefícios que as plantas oferecem, é comum que se pense na purificação do ar dos ambientes. Para a ciência formal, trata-se de meia-verdade. De acordo com Gregório Ceccantini, professor de botânica na Universidade de São Paulo, o conhecido processo de fotossíntese retira gás carbônico e libera oxigênio. As copas das árvores conseguem reter aerossóis e as plantas purificam, também, o solo onde estão ancoradas. “Tudo isso vale para as árvores urbanas que estão nos parques, nas ruas, nas calçadas. Para plantas domésticas, a história é diferente: elas não têm todo esse potencial”, afirma o cientista, frisando que isso até seria possível se uma casa tivesse uma dezena de árvores por ambiente.

Isso não quer dizer, no entanto, que não existam benefícios no cultivo de plantas em casa. Ceccantini afirma que a ciência já comprovou diversos efeitos positivos da vegetação na saúde humana. “Um experimento interessante avaliou dois lados de um mesmo hospital: um com quartos que davam para um parque, e outro com quartos voltados para prédios. A face que permitia ver as árvores registrou menor duração média de internações, menos queixas de dor dos pacientes e um menor consumo de medicamentos para dor”, diz o botânico. Além disso, há evidências sobre a terapia por cores, que indicam as tonalidades verdes como potenciais calmantes. “Não quer dizer que a presença da planta cure quadros de ansiedade, por exemplo, mas o verde dá conforto a nós, primatas.”

Acompanhe tudo sobre:ArquiteturaComportamentoDecoração

Mais de Revista Exame

Invasão chinesa: os carros asiáticos que chegarão ao Brasil nos próximos meses

Maiores bancos do Brasil apostam na expansão do crédito para crescer

MM 24: Operadoras de planos de saúde reduzem lucro líquido em 191%

MM 2024: As maiores empresas do Brasil