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Back in black?

Felipe Miranda: é hora de o Brasil trocar prejuízos e más notícias pela volta de resultados positivos na economia

Se estávamos nos afogando em copo d’água, bastava retirar o nariz do recipiente e respirar aliviados. O mês de julho corrobora o argumento (Lesikvit/Getty Images)

Se estávamos nos afogando em copo d’água, bastava retirar o nariz do recipiente e respirar aliviados. O mês de julho corrobora o argumento (Lesikvit/Getty Images)

Publicado em 25 de julho de 2024 às 06h00.

Sadhguru, que partiu do misticismo iogue para discursar no Fórum Econômico Mundial, costuma alertar: não seja o problema em sua própria vida. Já haverá várias situações a resolver, vindas de fora. Não precisamos criar novos empecilhos. Numa perspectiva menos hinduísta e mais rock’n’roll, quando o AC/DC escreveu Back In Black, era, sim, um retorno ao luto, em referência à morte de Bon Scott, mas também representava uma composição alegre, alinhada à personalidade do vocalista recém-falecido. “I’m just looking at the sky ’cause it’s getting me high”, diz a letra.

Na mesma linha, retornar ao preto tem conotação positiva em finanças corporativas. A expressão “Black Friday” simboliza o momento em que as varejistas deixam de registrar os prejuízos em vermelho em seus livros contábeis para, a partir de boas vendas daquela promoção, anotá-los na cor preta, denotando resultado lucrativo.

Desde abril, o Brasil resolveu ser o problema em sua própria vida. Desrespeitamos a aritmética elementar das contas públicas e, do além, criamos um imbróglio na política monetária. O déficit primário chegou a 2,5% do PIB em 12 meses, em 280 bilhões de reais. O déficit nominal somou 1,06 trilhão de reais, 9,6% do PIB. As despesas públicas cresceram 13% em termos reais, mais rápido do que as receitas, do que o previsto no orçamento e do que o teto do arcabouço. Enquanto isso, havia dúvidas no governo se precisávamos cortar gastos ou se deveríamos aumentar a arrecadação. Em paralelo, desde aquele placar dividido de 5x4 da reunião do Copom, que mais pareceu um 7x1, inventamos um problema na política monetária. Se já não tínhamos a âncora fiscal, perderíamos ainda a âncora monetária?

Assim, encerramos o primeiro semestre de maneira melancólica. A bolsa brasileira esteve entre as piores performances globais, o real foi a segunda moeda mais desvalorizada, excluindo países mais de fronteira; os juros reais voltaram a patamares de crise. As expectativas de inflação desancoraram e houve quem alertasse para o descumprimento da meta de 2025. No kit Brasil, nada escapou. Feliz ou infelizmente, também não escapamos ao velho ditado: “Markets stop panicking when policymakers panic” algo como: “Os mercados deixam o modo pânico quando os formuladores de política econômica entram em pânico”. Numa versão adaptada à realidade local, diz-se que “Brasília tem medo do dólar a 5,70 reais”.

Numa importante inflexão, depois de termos desviado do trilho, há sinais auspiciosos em julho de que estamos voltando à rota. Pelo menos circunstancialmente, os formuladores de política parecem ter entendido (ou se assustado?) que um câmbio muito depreciado, juros futuros em disparada e expectativas de inflação desancoradas não ajudam ninguém. Após a fatídica reunião com placar de 5x4, o Copom tem adotado postura exemplar. A imprensa cravou a nomeação de Gabriel Galípolo já em agosto, o que retira a incerteza do processo de sucessão no Banco Central e afasta figuras mais aventureiras do posto. Enquanto isso, a inflação corrente dá sinais de bom comportamento, conforme demonstrado pelo IPCA de junho, abaixo das projeções e com composição benigna.

Para coroar a sublimação do problema criado na política monetária, o presidente Lula tem evitado falar do Banco Central. Não sabemos até quando, mas o silêncio nesse campo soa como poesia. Não significa que o presidente da República e seus ministros não possam falar da Selic. Claro que podem. Mas, ao fazê-lo, sem nenhum embasamento técnico e com intenções político-partidárias, cria-se o temor de interferência e ingerência. O dólar sobe; as expectativas de inflação, também. Ruim para todo mundo.

Então, resta a questão fiscal a resolver, mais complicada e estrutural. Nem sequer há expectativa de que possamos endereçar por completo o problema fiscal brasileiro no curto prazo. Mas o presidente Lula verbalizou seu compromisso explícito com responsabilidade fiscal — ainda que palavras não paguem dívidas, foi uma mudança marcante diante das críticas anteriores sobre o excesso de austeridade. No campo material, autorizou cortes no Orçamento de 25 bilhões de reais para 2025.

Como um bicho ciclotímico, o mercado alterna suas tendências e se move em grandes saltos súbitos aleatórios, com poucos dias fazendo a diferença. Acabamos de ter mais uma demonstração empírica da dinâmica. Nossa moe-da registrou uma das maiores valorizações do mundo no começo de julho, o Ibovespa engatou expressiva -sequência de ganhos, a curva de juros fechou de maneira pronunciada, em apenas duas semanas.

A melhora, ainda que marginal, na condução da política econômica brasileira em julho encontra condições particularmente convidativas. Os ativos locais estão bastante depreciados e isso pode ser visto nos variados mercados. Os modelos de apreçamento da taxa de câmbio sugerem um valor justo em torno de 4,90 reais por dólar. O Ibovespa negocia a 7x lucros projetados para os próximos 12 meses, cerca de dois desvios-padrão abaixo da média histórica, bem aquém da média emergente e semelhante apenas às situações de crises extremas.

Essas são métricas bem típicas de valuation monitoradas pelos analistas de mercado. Mas há outras referências anedóticas capazes de transmitir a percepção de ações muito baratas. Estamos há exatos três anos sem IPO no Brasil — antes desse ciclo ruim, não havia nem um ano sequer desde 2004 sem nenhuma abertura de capital. Outra evidência é que as transações privadas, fusões e aquisições realizadas fora de bolsa mostram valuations bem mais atraentes do que aqueles das empresas listadas — você vê isso claramente em fundos imobiliários comprando participações em shoppings ou em leilões do setor elétrico.

Tudo isso diante da possibilidade de corte da taxa básica de juro nos Estados Unidos em setembro, o que abriria espaço para melhora do fluxo de capitais para mercados emergentes. Os últimos dados mostram claramente desaquecimento do mercado de trabalho americano e inflação caminhando em direção à meta. Seria um vento favorável importante vindo de fora no segundo semestre. Se a alta dos juros nos EUA nos prejudicou tanto nos últimos anos, poderíamos agora estar entre os maiores beneficiados.

Há uma notícia boa sobre essa crise particular que criamos desde maio: ela é fácil de resolver. Se estávamos nos afogando em copo d’água, bastava retirar o nariz do recipiente e respirar aliviados. O mês de julho corrobora o argumento. Precisamos continuar caminhando nessa direção. Em sendo o caso, logo o kit Brasil estará “back in black” em 2024. 

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