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Atrás de holofote

Por que um grupo de empresas cujos únicos clientes são outras companhias aumentou o investimento para tornar suas marcas mais conhecidas pelo grande público no Brasil

Quanto mais conhecida, melhor (Thinkstock)

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Da Redação

Publicado em 30 de março de 2015 às 19h22.

São Paulo - Apenas uma cadeira branca e algumas lâmpadas servem de cenário para a atual campanha do conglomerado industrial General Electric para a TV brasileira. No ar desde dezembro, a série de comerciais é minimalista só na forma. O discurso é bem ambicioso. Em pouco mais de 1 minuto, um ator descreve produtos que a GE pretende criar até 2064.

Entre eles estão máquinas capazes de mapear o cérebro humano e colaborar na descoberta da cura de doenças neurológicas, como o Alzheimer. Ou novos meios de geração e distribuição de energia elétrica. Os potenciais compradores se restringem a um punhado de clientes corporativos e governos. Mesmo assim, por um valor não revelado, a empresa decidiu falar sobre esses projetos para aproximadamente 20 milhões de brasileiros.

O movimento da GE ajudou a engrossar a crescente verba publicitária de empresas que só vendem para outras companhias no país, segmento batizado de B2B (“de negócio para negócio”, em inglês). Segundo um levantamento exclusivo realizado pela consultoria de comunicação Dentsu Aegis, as 30 maiores empresas de capital privado com clientes corporativos do anuário EXAME Melhores e Maiores reservaram uma verba 16% maior para campanhas institucionais no período de 2011 a 2014.

É um segmento que tem se mostrado resistente à crise, que afetou o mercado como um todo. Nos últimos quatro anos, o montante dedicado pelas 100 empresas que mais investem em publicidade no Brasil caiu 5%.

Um dos fatores que explicam a expansão de investimentos como o da GE é a proximidade da Olimpíada. A própria GE não fazia uma campanha exclusiva para o Brasil desde 2010. Patrocinadora oficial do comitê olímpico desde 2005, a empresa estreou a campanha de TV no país — que nos próximos meses vai levar a assinatura da Rio 2016 — como parte do esforço relacionado à edição carioca do evento.

Como nesses eventos há restrições de exibição de marca, a empresa precisa recorrer a outras formas para avisar que está investindo em patrocínio. A mais comum delas é assinar todas as peças publicitárias com o logo da companhia ao lado dos arcos da Olimpíada.

Na mesma linha, a empresa americana de tecnologia Cisco, uma das apoiadoras do evento, estreou em fevereiro anúncios em jornais e revistas e nos relógios da cidade de São Paulo. “Mesmo que as pessoas não enxerguem nossos produtos, é importante que elas saibam que a Cisco existe e é uma empresa inovadora”, diz Eduardo Campos, diretor de marketing da Cisco.

Construir uma boa imagem, além da pura e simples qualidade dos produtos e serviços, entrou para a agenda de grandes companhias globais do segmento B2B há algumas décadas. “Para essas empresas, alcançar o grande público ajuda desde a blindagem contra crises de imagem até a retenção de investidores e funcionários”, afirma John Quelch, professor de marketing da Escola de Negócios de Harvard que estuda esse nicho.

Um dos casos mais bem-sucedidos é o da Intel, fabricante americana de processadores. A empresa conseguiu algo além — fazer com que o consumidor final passasse a exigir que suas peças estivessem nos computadores de diversos fabricantes. A campanha começou em 1991 e em apenas um ano aumentou as vendas da Intel em 63%.

Nos cinco anos seguintes, a empresa investiu o total de 3,4 bilhões de dólares em publicidade. Há 15 anos consecutivos, a Intel é uma das 12 marcas mais valiosas do mundo, segundo a consultoria inglesa Interbrand, com valor de 34 bilhões de dólares.

No Brasil, alguns dos principais grupos industriais ainda dão os primeiros passos nesse sentido. É emblemático o fato de que o grupo industrial Votorantim, com negócios diversos que vão da produção de alumínio à de suco de laranja, tenha estreado em abril do ano passado a primeira campanha institucional no país em seus 97 anos de existência.

A perda de sua última figura pública notável, em agosto de 2014, com a morte do empresário Antônio Ermírio de Moraes, acelerou a busca de uma nova fase para sua imagem. “Agora a empresa precisa fortalecer sua identidade, e por isso ela foi buscar seu propósito”, diz Luiz Dutra, diretor corporativo de relações institucionais e sustentabilidade do grupo Votorantim.

Nas peças publicitárias em revistas, jornais e na internet há dez meses, o grupo apresenta suas sete empresas com a ideia de que todas têm o mesmo objetivo. Em 2014, a empresa esteve em 13o lugar no ranking Merco-Ibope das empresas de melhor reputação no Brasil, publicado por EXAME — um salto de seis posições em apenas um ano.

Conquistando aliados

Nos últimos anos, começaram a surgir empresas brasileiras que — a exemplo da Intel — pretendem tornar o consumidor final um aliado para ganhar a disputa com os rivais. É o caso das processadoras de cartão Cielo e Rede, as duas maiores do mercado. O estímulo é o calor da concorrência.

Desde 2012, pelo menos cinco novas empresas entraram nesse mercado. A Cielo, líder do setor, fez uma parceria com o Banco do Brasil para dar vantagens a quem exigir passar o cartão na máquina da Cielo em lojas e restaurantes. No ano passado, a companhia colocou na TV uma campanha para estimular esse comportamento.

A Cielo, que ocupa a 11a posição entre as marcas mais bem avaliadas do país no ranking da consultoria Interbrand, não revela o resultado. “Quando a competição se acirra, quem conseguiu criar um relacionamento com seu público sofre menos”, diz Daniella Bianchi, diretora executiva da Interbrand.

Para muitas empresas, aproximar-se do público em geral ajuda a controlar o risco da imagem. É o caso da subsidiária da produtora de sementes e defensivos agrícolas suíça Syngenta, atacada com frequência por ativistas e ONGs contrários ao uso de químicos na agricultura. A estratégia foi lançada globalmente em 2013 com o objetivo de mostrar às pessoas de zonas urbanas o que a companhia faz.

No Brasil, as iniciativas ainda fo­ram tímidas — mas inusitadas. Em se­tembro, a Syngenta montou uma cafe­teria móvel no festival de comida de rua Butantan Food Park, na capital paulista. A barraca ofereceu cafés de sua marca exclusiva para exportação. No Carnaval do Rio de Janeiro, a Syngenta, em parceria com o governo da Suíça e outras cinco empresas, investiu 6 milhões de reais para uma ala inteira do desfile da es­cola Unidos da Tijuca ter como tema a agricultura.

A marca não podia estar ex­posta na Sapucaí, mas a participação rendeu 50 convites de camarote para os clientes mais especiais, a permissão para oito funcionários com acompanhantes desfilarem e uma visita da bateria da escola de samba à festa de fim de ano da empresa para 600 de seus 2 600 funcionários.

“A desconfiança em relação a nossos produtos é um pouco culpa nossa”, diz Leandro Conti, diretor de assuntos corporativos da Syngenta no Bra­sil. “Por muito tempo, ficamos fechados e não nos comunicamos com as pessoas fora da companhia.” Tentar estabelecer um diálogo com o público em geral é, nesse caso, um bom começo.

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