Revista Exame

Até os peões têm metas

Como o empresário Alexandre Negrão, ex-dono da farmacêutica Medley, transformou sua antiga fazenda de gado deficitária na maior fornecedora da JBS no Brasil

Alexandre Negrão na fazenda Conforto: ele nunca mais pisou numa farmácia depois que vendeu seu laboratório (Alexandre Battibugli/Exame)

Alexandre Negrão na fazenda Conforto: ele nunca mais pisou numa farmácia depois que vendeu seu laboratório (Alexandre Battibugli/Exame)

Da Redação
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Redação Exame

Publicado em 5 de outubro de 2011 às 19h19.

Última atualização em 24 de maio de 2023 às 15h53.

Por João Werner Grando

São Paulo — Desde abril de 2009, quando vendeu a farmacêutica Medley, então o terceiro maior laboratório brasileiro, aos franceses da Sanofi-Aventis, o empresário paulista Alexandre Negrão mudou de vida.

Aos 58 anos de idade, Negrão saiu do negócio, vendido por 1,5 bilhão de reais, e rumou diretamente para Nova Crixás, município de cerca de 11 000 habitantes localizado no noroeste de Goiás, onde já mantinha uma fazenda. É lá que, em meio a quilômetros de pasto e longe de qualquer drogaria, ele passa a maior parte de seu tempo.

Batizada de Conforto, a propriedade de 12 000 hectares reúne 72 000 cabeças de gado e deve encerrar este ano com um faturamento de 120 milhões de reais. Tais credenciais fazem da Conforto a maior fazenda de confinamento de gado do Brasil fora das mãos dos grandes frigoríficos — Negrão é atualmente o maior fornecedor de bois para a JBS, maior empresa de carnes do mundo.

Seu sistema de criação de animais de corte ainda não é uma regra num país onde o gado costuma pastar livremente pelo campo, mas vem sendo cada vez mais adotado por produtores seduzidos pela promessa de maior produtividade no uso das terras.

“Quando vendi a Medley, choveram propostas para eu investir em diversos setores”, afirma. “Mas existe um enorme mercado a ser explorado no país e eu o enxerguei na minha fazenda.”

O interesse de Negrão pela criação de gado surgiu há aproximadamente 15 anos, quando a Conforto foi comprada. Na época, a fazenda tinha pouco mais de 6 000 hectares — metade de seu tamanho atual e o equivalente a 6 000 campos de futebol — e funcionava de maneira rudimentar: não havia controle sobre os custos de criação ou a venda do gado e a administração ficava nas mãos de um capataz.

Lucros e prejuízos se alternavam — para manter a Conforto viva, Negrão era obrigado a injetar dinheiro de seu patrimônio no negócio. Para fazer o negócio crescer de forma organizada, em 2008 ele decidiu aplicar os conceitos de gestão de empresas na produção do gado.

A fazenda foi dividida em sete áreas de negócios — como confinamento e manutenção —, que passaram a ser responsáveis por seus próprios custos. A Conforto também estabeleceu um programa de metas e bonificação por resultados que abrange do gerente (o antigo capataz) aos peões que cuidam da boiada.

Gestão no campo

Levar a estrutura e o modo de operação tradicionais de uma empresa para uma atividade 100% agrária tem suas peculiaridades — embora esse já seja o caminho escolhido pela ala mais moderna do agronegócio.


No início do processo conduzido por Negrão, foi preciso mapear todas as etapas de produção da fazenda, do crescimento do pasto ao período de engorda do boi, passando pela quantidade de ração a ser consumida e o melhor sistema para irrigação do solo — um trabalho completado no início de 2009.

Com essas informações, Negrão partiu para a segunda etapa do plano: criar meios de tornar a produção de gado mais eficiente. Com a ajuda de um equipamento de ultrassonografia, a engorda dos animais passou a ser monitorada individualmente, de modo a determinar o tempo exato que cada um precisaria ser confinado até o abate, segundo suas características físicas e genéticas.

O resultado foi uma redução de quatro dias no tempo médio da fase final de confinamento do gado, que passou de 85 para 81 dias. Para os leigos pode parecer pouco, mas só a redução da ração ingerida pelos animais representou uma economia de quase 1% do faturamento. Iniciativas do tipo fizeram com que o lucro da fazenda aumentasse 35% em 2010, alcançando 15 milhões de reais.

“Na criação de gado, em que milhares de animais precisam ser vendidos em um curto espaço de tempo, os detalhes fazem a diferença”, diz Leonardo Sá, diretor de projetos da consultoria Prodap e um dos responsáveis pela nova estrutura da Conforto.

O engajamento dos funcionários, acostumados ao sistema antigo, vem sendo perseguido por meio da remuneração variável de acordo com o desempenho individual. Mensalmente, os 100 empregados da Conforto se reúnem para discutir indicadores e traçar planos para alcançar as metas estabelecidas pelo patrão.

Os bônus para quem cumpre os objetivos chegam a 12 salários no caso do gerente, cinco salários para os supervisores e um salário e meio para os peões. “No ano passado, pagamos quase 500 000 reais em remuneração variável, algo impensável tempos atrás”, afirma Negrão.

Para os próximos anos, a ideia é replicar o modelo da fazenda Conforto em outras propriedades — Negrão já estuda a compra de terras em Minas Gerais para expandir sua atuação. Enquanto isso não acontece, ele deverá se ocupar da estreia em outro negócio: o de energia.

Negrão está erguendo no Ceará uma fábrica de pás eólicas, a Aeris Energy, com inauguração prevista para janeiro do próximo ano. Embora mal tenha saído do papel, a Aeris já patrocina uma equipe de corrida da GT3 (Negrão é piloto da categoria) e a expectativa é de um faturamento de 100 milhões de reais no primeiro ano de operação. “São negócios seguros”, afirma ele. “O mundo vai continuar a comer carne e a consumir cada vez mais energia.”

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