Revista Exame

Até o Vietnã passou no teste

Como um país paupérrimo está melhor do que os Estados Unidos e a Alemanha na prova que mede a qualidade do ensino médio — e por que o Brasil não consegue fazer o mesmo

Estudantes do ensino médio, em Hanói, no Vietnã: o comprometimento de alunos e professores é alto (Jack Kurtz/ZUMA Press/Latinstock)

Estudantes do ensino médio, em Hanói, no Vietnã: o comprometimento de alunos e professores é alto (Jack Kurtz/ZUMA Press/Latinstock)

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Da Redação

Publicado em 15 de novembro de 2014 às 07h00.

São Paulo - Durante quase metade do século 20, o Vietnã esteve envolvido em alguma batalha sangrenta. Antes da Segunda Guerra Mundial, foram os levantes contra a dominação francesa. Com o início do conflito mundial, o Vietnã, ainda como uma colônia europeia, acabou ocupado pelos japoneses.

Em 1945, foi a vez da guerra de independência contra a França. Com os europeus expulsos, o futuro prometia ser pacífico, mas o pior ainda estava por vir. De 1959 a 1975, 1  milhão de pessoas morreram durante a Guerra do Vietnã, vencida pelos comunistas. Há menos de 40 anos, o Vietnã era uma nação pobre, agrária e analfabeta.

É esse mesmo país que no último Pisa, exame internacional organizado pela OCDE para medir a qualidade da educação no ensino médio, aparece em oitavo lugar na área de ciências, à frente da Alemanha, do Reino Unido e dos Estados Unidos — no mesmo teste, o Brasil ocupa a 59ª posição entre os 65 países que participaram.

Na prova de matemática, os vietnamitas ficaram em 17º lugar — o Brasil, de novo, ficou na rabeira, na 58ª posição. Como um país com renda per capita de 1 900 dólares — menos de um quinto da do Brasil — pode desbancar nações com renda e níveis de desenvolvimento muito superiores?

A receita de sucesso do Vietnã, país de 84 milhões de habitantes, envolve uma série de medidas que podem parecer um tanto quanto óbvias, mas que fazem enorme diferença quando levadas a sério. A primeira delas é mais dinheiro para a educação.

Desde 2007, o governo do Vietnã aloca 20% do orçamento público nas escolas e tem o compromisso de manter esse patamar até 2017 — no Brasil, um país que tem ampliado o esforço educacional, o percentual é inferior a 15%. 

Com mais recursos, foi possível expandir a infraestrutura. De 1996 a 2012, o número de escolas de ensino fundamental e médio aumentou 37%. No mesmo período, a relação alunos por professor caiu de 34 para 19 no ensino fundamental e de 26 para 18 no ensino médio.

O país tem feito ainda um esforço grande para ampliar a jornada integral na rede pública. Inspirado no modelo de Xangai e Hong Kong, ambas no topo do ranking da OCDE desde 2009, o Vietnã passou a exigir mais dos profissionais do sistema educacional. Em 2003, foi criado um guia que estabelece padrões de qualidade que as escolas do ensino fundamental devem seguir.

Da gestão ao conteúdo ensinado em sala de aula, tudo passou a ser avaliado e a receber uma nota. Com esses dados, foi possível comparar a performance de todas as escolas do país. 

A carreira do professor também começou a seguir padrões de performance — fazendo com que os instrutores sejam identificados por regulares, seniores e líderes. Feita a classificação, eles passaram a receber cursos e treinamento para preencher as lacunas na formação. Em 2007, o governo condicionou o aumento de salário a mais qualificação.

Também foi instituído o título de “professor de excelência” aos  melhores. Aqueles que conseguem a credencial passam a concorrer em competições regionais e nacionais de ensino. A premiação dos melhores foi uma forma de driblar a desmotivação na categoria, cujo salário máximo chega a 165 dólares, apenas 20% mais do que um caixa de supermercado ganha  em Hanói, a capital do país. 

Mesmo com baixos salários, o grau de comprometimento dos educadores em sala de aula é alto. Professor que falta às aulas é algo que praticamente não existe no Vietnã. O mesmo vale para os alunos. Nas escolas, a disciplina é rígida.

“A educação é entendida como um privilégio e os pais têm orgulho de que seus filhos possam estudar”, diz a especialista em educação Katherine Muller-Marin, representante da Unesco em Hanói.

“Por isso, as expectativas e a pressão que as famílias colocam sobre os alunos são muito altas.” Não é para menos que cerca de 70% dos pais no Vietnã paguem aulas particulares para seus filhos — o que também faz com que o desempenho deles melhore e eleve a nota do país.

Caminho a seguir?

O exemplo vietnamita mostra que é possível aumentar a qualidade da educação em um curto espaço de tempo, mesmo partindo de uma base muito baixa. Em 1992, 23% da população adulta do país não tinha nenhum nível de instrução — hoje, esse percentual é inferior a 1%.  

“O esforço do Vietnã em promover o acesso à educação primária para todos e garantir a qualidade por meio de padrões mínimos tem sido um importante motor de sua economia”, diz o economista inglês Christian Bodewig, do Banco Mundial e autor de uma pesquisa que avalia o mercado de trabalho vietnamita.

Nas últimas duas décadas, o país tem experimentado um invejável crescimento econômico de cerca de 7% ao ano. Foi nesse período que uma parcela maior da população saiu do interior agrícola e buscou postos de trabalho nas cidades, em indústrias e no setor de serviços. Graças, em parte, ao esforço colocado na educação, o êxodo rural coincidiu com uma fase de queda da pobreza. Os pobres eram 58% da população em 1993 e hoje não chegam a 10%. 

Embora inspirador, o modelo vietnamita obviamente não está livre de críticas. O maior problema reside no fato de que apenas 60% dos jovens na faixa dos 15 anos estão na escola. O desafio é incluir quem ficou de fora — e, de preferência, oferecendo a mesma qualidade obtida recentemente.

Outro senão apontado por especialistas é o excesso de memorização de conteúdo. Para resolver esse problema, seria necessário adotar atividades em sala de aula que incentivem a criatividade e o pensamento crítico.

“Depois das vitórias dos últimos anos, a meta do Vietnã agora é mudar a forma como os professores ensinam. É preciso dar uma ênfase maior a habilidades cognitivas e comportamentais”, diz Bodewig, do Banco Mundial. O governo vietnamita reconhece a necessidade de mudança e promete atacar essas deficiências. 

Diante de exemplos bem-sucedidos de políticas educacionais adotadas na Ásia, os especialistas brasileiros tendem a se dividir em dois grupos. Um salienta os problemas dos asiáticos e as diferenças culturais que impediriam comparações com o Brasil. O segundo grupo reconhece que nenhum modelo é totalmente replicável, mas ressalta políticas que poderiam ser adaptadas.

Enquanto discutimos, o Vietnã está dando uma aula — com mais investimento em educação, com índices de performance para as escolas, treinamento para professores e meritocracia.Por que não seguir esse caminho?

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