Revista Exame

Assolada pela Lava-Jato, Camargo Corrêa busca redesenho

Enquanto paga o preço de seu envolvimento na corrupção na Petrobras, a Camargo Corrêa inicia um processo que pode mudar a cara do grupo. A urgência é grande


	 Usina Angra 3: a Camargo vai pagar multa por irregularidades para obter contratos públicos
 (Divulgação/Eletronuclear)

Usina Angra 3: a Camargo vai pagar multa por irregularidades para obter contratos públicos (Divulgação/Eletronuclear)

DR

Da Redação

Publicado em 24 de novembro de 2015 às 04h56.

São Paulo — Os últimos cinco meses foram particularmente tensos para a família Camargo, controladora do grupo Camargo Corrêa. Instalou-se ali um modelo de gestão típico de empresas em crise. O número de reuniões dos conselhos de administração do grupo e da empresa que reúne o patrimônio pessoal dos acionistas, a Morro Vermelho Participações, quase dobrou.

Em tempos normais, os conselhos se reuniam uma vez por mês. Mas, nos últimos cinco meses, foram pelo menos nove encontros formais. Pela primeira vez, a terceira geração de acionistas — os netos do fundador Sebastião Camargo e seus cônjuges — assumiu integralmente as funções que eram exercidas por seus pais em conselhos e diretorias das empresas do grupo.

Em pauta, apenas dois assuntos: a Operação Lava-Jato e a transformação por que o grupo Camargo Corrêa passará em função dela. Algumas das principais decisões tomadas pela família Camargo nessas reuniões se tornaram públicas.

A mais importante delas foi um acordo com o Ministério Público Federal e o Cade, órgão de defesa da concorrência que investiga o suposto cartel de empreiteiras que operava na Petrobras. A Camargo comprometeu-se a colaborar com os órgãos públicos e a pagar multas que chegam a quase 1 bilhão de reais. Mas outras decisões ficaram sob o radar — embora não sejam menos relevantes.

A Camargo Corrêa é um conglomerado que fatura quase 30 bilhões de reais em negócios que vão desde chinelos e jeans até hidrelétricas e navios. A família definiu que, a partir de agora, a palavra de ordem é “encolher”. A primeira decisão da Camargo Corrêa é enxugar dramaticamente a construtora — negócio que deu origem ao grupo e que, na última década, enfiou-o em enrascadas com a Justiça.

Em junho, os executivos Artur Coutinho e Flávio Rimoli deixaram para trás décadas de carreira na fabricante de aviões Embraer e assumiram a construtora Camargo Corrêa como presidente e diretor de governança, respectivamente. Segundo executivos do grupo, ambos têm um grau de autonomia jamais visto na história do grupo.

Coutinho substituiu Dalton Avancini, que foi preso na Lava-Jato, e contratou duas consultorias para reduzir equipes e simplificar processos (quer eliminar quase um nível inteiro de gerência e está visitando todos os projetos no exterior). Rimoli assumiu a recém-criada diretoria de governança corporativa, uma das propostas da Camargo para convencer o Ministério Público de sua disposição de mudar.

Ele tem passe livre para se meter em qualquer assunto, contrato ou reunião. Pelo planejamento, o número de funcionários cairá de 17 000 para 7 000 em um ano — à medida que terminem as obras hoje em andamento, como a usina de Belo Monte e a refinaria Abreu e Lima. Ou seja, a construtora vai encolher pela metade e se concentrar em obras privadas (a empresa diz que “se ajusta às condições de mercado”).

Para quem conhece bem a Camargo Corrêa, o mais difícil será mudar a cultura da companhia e, por isso, os acionistas decidiram colocar executivos de fora para realizar a tarefa. Não é algo fácil. Após a deflagração da Operação Castelo de Areia, em 2009, a promessa interna passou a ser exatamente encolher a construtora e diminuir a importância das obras públicas.

Mas a investigação, que acusou executivos do grupo de pagar propina, acabou arquivada e os planos de mudança, engavetados. Impulsionando essas mudanças, há hoje algo que inexistia em 2009 — uma pressão financeira causada pela combinação de crise econômica com uma dívida alta. As vendas da divisão de cimento, por exemplo, caíram 13% no Brasil no primeiro semestre.

O estaleiro Atlântico Sul, do qual a Camargo é sócia, definha com a desaceleração da Petrobras, estatal no centro da investigação criminal. Em um ano, o estaleiro demitiu quase 3 000 funcionários. Nesse cenário, o grupo Camargo Corrêa entrou o mês de outubro com 2,3 bilhões de reais de dívida de curto prazo, com vencimento até junho de 2016. Até junho do ano seguinte, vence outro 1,5 bilhão de reais.

Considerando o consumo mínimo de caixa anual estimado para o grupo, investimentos e as parcelas de multas acordadas com os órgãos do governo, o grupo tem caixa suficiente para atravessar 2016, mas chegaria a 2017 apertado. A Camargo passou os últimos dois meses em conversa com bancos para rolar essa dívida de curto prazo.

Com a menor geração de caixa nos negócios e mais contas a pagar, o grupo pode fechar o ano com prejuízo, o que não acontece há anos. A Camargo não deu entrevista — sobre a dívida, respondeu por e-mail que obteve uma nova linha de crédito bancário para trocar vencimentos de 12 meses por uma dívida de prazo médio de cinco anos.

Venda de participações

Para reduzir o endividamento e garantir sua liquidez futura, os acionistas da Camargo Corrêa autorizaram conselheiros e executivos, em outubro, a vender participações acionárias em empresas do grupo. O objetivo é levantar de 2,5 bilhões a 3 bilhões de reais nos próximos dois anos. O grupo decidiu testar várias alternativas ao mesmo tempo.

Estão à venda sua participação na empresa de energia CPFL, o controle da calçadista Alpargatas ou até 25% da divisão de cimentos. A Camargo diz que está “atenta às oportunidades”, mas que não há conversas sobre CPFL e cimentos no momento. Para executivos ligados ao grupo, o processo por que passa a Camargo é semelhante ao vivido pelo grupo Votorantim sete anos atrás.

Depois de ter perdas bilionárias na gigante de celulose Aracruz (hoje Fibria) e ter passado um aperto no banco Votorantim, o grupo teve de se reorganizar: vendeu sua participação na CPFL, quase metade das ações do banco e duas empresas de biotecnologia.

Também trocou conselheiros e executivos das empresas e fez mudanças em processos que permitiram ao conselho acompanhar até definições do dia a dia, como a compra de combustíveis. A Camargo ainda está longe de ter uma holding tão ativa assim.

“Ainda hoje as estratégias são definidas por empresa e por negócio, sem uma visão mais global”, diz um conselheiro da Camargo Corrêa. As mudanças em curso estavam nos planos da família Camargo há tempos. Nada como uma Lava-Jato para tirá-las do papel.

Acompanhe tudo sobre:Camargo CorrêaCapitalização da PetrobrasCombustíveisConstrução civilConstrutorasEdição 1102EmpresasEmpresas abertasEmpresas brasileirasEmpresas estataisEstatais brasileirasIndústria do petróleoOperação Lava JatoPetrobrasPetróleo

Mais de Revista Exame

Invasão chinesa: os carros asiáticos que chegarão ao Brasil nos próximos meses

Maiores bancos do Brasil apostam na expansão do crédito para crescer

MM 24: Operadoras de planos de saúde reduzem lucro líquido em 191%

MM 2024: As maiores empresas do Brasil