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A Eletrobras vive seu pior momento, e tenta se reestruturar

A empresa desenha um plano de reestruturação para alcançar índices de eficiência inéditos. Falta convencer seu principal acionista


	Torre: as controladas são chamadas de “descontroladas”
 (Matt Cardy/Getty Images)

Torre: as controladas são chamadas de “descontroladas” (Matt Cardy/Getty Images)

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Da Redação

Publicado em 30 de agosto de 2013 às 16h24.

São Paulo - A cena se repetiu ao longo de duas semanas no mês de julho. Um grupo de pelo menos 100 funcionários da empresa estatal de energia Eletrobras em greve bloqueou parte da avenida Rio Branco, no centro do Rio de Janeiro.

O intuito era reivindicar maiores salários, mas os manifestantes também gritavam contra a condição financeira da estatal e erguiam faixas como “Isso não se faz, estão querendo acabar com a Eletrobras”. No total, a greve teve a adesão de cerca de 90% dos 28 000 trabalhadores da empresa em todo o país.

“Há muito tempo a Eletrobras é ineficiente e mal gerida. Agora chegamos ao limite dessa situação. Não dá mais para continuar assim”, diz Emanuel Mendes Torres, diretor da Associação dos Empregados da Eletrobras.

Esse grupo escancarou uma situação que há meses preocupa acionistas, executivos e investidores. Eles são unânimes em afirmar que a companhia, responsável por quase 35% da geração de energia no país, vive seu pior momento.

No ano passado, a Eletrobras teve um prejuízo recorde de quase 7 bilhões de reais, devido à renovação das concessões de usinas e linhas de transmissão, anunciada em setembro do ano passado.

A mudança teve impacto direto na receita da estatal, que subiu em 2012, mas encolherá cerca de 9 bilhões de reais neste ano, segundo o presidente da Eletrobras, José da Costa Carvalho Neto. “Esperávamos que isso só acontecesse a partir de 2015, ano previsto para a renovação das concessões”, diz. 

A revisão serviu para piorar os números da empresa, que vinham definhando há muito tempo. A margem operacional da Eletrobras está em queda desde 2003. Com a mudança nas tarifas, ficou negativa. Para piorar, as despesas estão em alta e chegam a 106% do faturamento. Isso tudo tem reflexo nas ações.

Os papéis caíram 53% desde a posse da presidente Dilma Rousseff, em 2011 — desvalorização de 19 bilhões de reais. É quase uma Cemig que evaporou. “É inviável que a empresa continue assim, sem pedir socorro ao governo”, diz Arlindo Magno de Oliveira, ex-conselheiro da Eletrobras.

Para sair do vermelho e voltar a dar lucro, a Eletrobras desenha um plano de reestruturação histórico. Neste momento, há uma licitação aberta para a contratação de uma consultoria de estratégia. Mas as mudanças iniciais já estão definidas. Na primeira etapa, a Eletrobras prevê cortar 30% de seus custos em três anos.

Uma parte dessa redução virá do programa de demissão voluntária, que foi aprovado em maio e teve a adesão de mais de 4 000 funcionários. Isso representará um custo de 2 bilhões de reais para o caixa neste ano para pagamento de indenizações.

Mas, no longo prazo, a companhia prevê economizar ao menos 1 bilhão de reais por ano. O objetivo de Carvalho Neto é reduzir a proporção de cargos administrativos de 45% para 20% do total. 

A mudança mais cirúrgica, porém, deverá ocorrer na estrutura da companhia. A Eletrobras estuda criar áreas de negócios que concentrem os departamentos de geração, distribuição e transmissão.

Hoje, cada uma das empresas controladas, como Chesf, Eletronorte, Furnas, Eletrosul e Eletronuclear, tem suas próprias áreas — o que dá espaço para centenas de indicações políticas e faz com que as companhias, na prática, sejam concorrentes.


Nos leilões de construção das usinas hidrelétricas Jirau e Santo Antônio, por exemplo, as empresas chegaram a formar consórcios para competir entre si. Dentro da Eletrobras, é comum que os altos executivos se refiram a essas controladas como “descontroladas”. “Com esse novo desenho, as sobreposições de atividades e cargos seriam eliminadas”, diz um diretor da empresa.

Outra sugestão em análise é abrir o capital das subsidiárias. Os ativos mais valiosos, de acordo com um relatório do banco Itaú BBA, seriam Chesf, Furnas e Eletronorte, nessa ordem. Ao todo, elas valeriam ao menos 14 bilhões de reais. 

Na segunda etapa do plano de mudanças, que é assessorada pelo banco Santander, está prevista a venda do controle de seis distribuidoras de energia: Distribuição Roraima, Distribuição Alagoas, Distribuição Piauí, Distribuição Acre, Distribuição Rondônia e Amazonas Energia. Essas operações acumulam prejuízos.

No ano passado, as perdas somaram 1,3 bilhão de reais, 29% mais que em 2011. Mas o grande empecilho, segundo executivos próximos à companhia, é seu maior acionista: o governo. “A Eletrobras precisa decidir se é uma autarquia ou uma empresa de capital aberto”, diz João Antônio Lian, conselheiro da companhia.

Segundo EXAME­ apurou, na avaliação do Planalto a venda dessas distribuidoras poderia ser taxada de privatização — o que não é necessariamente positivo na visão de algumas alas do governo federal. “Não recebemos essa orientação política de fazer de um jeito ou de outro. Mas com essas vendas a recuperação seria mais rápida. O lucro da Eletrobras poderia voltar em 2014. Sem elas, só em 2015”, afirma Carvalho Neto. 

Uma das alternativas estudadas pela companhia para driblar esse impasse seria fazer parcerias público-privadas­, como já vêm ocorrendo em projetos de  construção de usinas hidrelétricas, como a Foz do Chapecó, na divisa entre Santa Catarina e Rio Grande do Sul, e a Peixe Angical, em Tocantins.

Outra solução seria o Ministério de Minas e Energia antecipar para este ano a renovação das concessões das distribuidoras prevista para 2015 e 2016, o que afastaria qualquer risco político e aumentaria o interesse dos potenciais compradores.

Essa questão é uma das prioridades no Ministério de Minas e Energia, principalmente porque seria uma forma de compensar a perda de receita que a Eletrobras sofreu no ano passado, segundo um diretor da companhia. Procurados, o ministro Edison Lobão e o banco Santander não comentaram o assunto.

Ainda no vermelho

No cenário mais otimista, o choque de gestão iniciado na Eletrobras em 2013 deverá ter impacto no balanço em 2015. A perspectiva para os resultados da empresa neste ano ainda é pessimista tanto para analistas como para executivos da própria companhia.

Até o fechamento desta edição, o banco americano Morgan Stanley projetava uma geração de caixa negativa de quase 1 bilhão de reais e um prejuízo de 900 milhões de reais no segundo trimestre — cujos resultados serão divulgados em meados de agosto.

“Neste ano vamos continuar no vermelho”, afirma Carvalho Neto. Alguns acionistas minoritários, revoltados com a desvalorização dos últimos anos, cogitam enviar uma carta à presidente Dilma mostrando que, se continuar desse jeito, a operação pode se tornar inviá­vel.

Carvalho Neto está otimista. “Em 2014, a Eletrobras vai melhorar e, depois, vai subir como papagaio”, diz ele. Para conseguir isso, a empresa ainda tem muito trabalho pela frente.

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