Revista Exame

Produtividade alinhada com bem-estar: as novas metas dos CIOs

Como os departamentos de TI estão melhorando processos sem deixar de lado o bem-estar dos colaboradores

Loja da Natura: desafio de integração das marcas adquiridas e do atendimento nos diversos mercados. (Leandro Fonseca/Exame)

Loja da Natura: desafio de integração das marcas adquiridas e do atendimento nos diversos mercados. (Leandro Fonseca/Exame)

Daniel Salles
Daniel Salles

Repórter

Publicado em 5 de outubro de 2023 às 06h00.

Fundado no longínquo ano de 1902, o Sicredi se converteu em uma companhia com números impressionantes. Primeira instituição financeira cooperativa do Brasil, chegou a mais de 7 milhões de associados e a cerca de 2.500 agências. O patrimônio líquido é de 34,2 bilhões de reais, e os depósitos totalizam 209,5 bilhões de reais. Com sede em Porto Alegre, a empresa tem mais de 40.000 colaboradores — cerca de 1.000 vagas são abertas todo mês e, para 2023, está previsto um acréscimo de 13% no quadro de funcionários.

É de imaginar se a cooperativa funcionaria a contento sem a atuação eficaz e ininterrupta de um departamento formado por 1.500 funcionários — o de tecnologia da informação (TI). Convém lembrar que o Sicredi, como inúmeras outras companhias, também se viu obrigado, nos últimos anos, a disponibilizar uma jornada phygital para os asso­ciados — a instituição não se refere a eles como clientes porque todos ganham uma participação.

Para aproximar o mundo físico do digital, a cooperativa passou a utilizar todas as soluções de gerenciamento de relacionamento da Salesforce, líder global em software de gestão corporativa. “Elas nos ajudaram a reduzir os custos com o atendimento aos associados em mais de 30%”, informa Helio Matsumoto, Chief Information Officer (CIO) do Sicredi. “O enorme sucesso de companhias como Spotify e Netflix, que hoje fazem parte do dia a dia de muita gente, fez com que as pessoas passassem a esperar das empresas financeiras o mesmo tipo de comodidade.”

A digitalização do Sicredi, como é de imaginar, ganhou força ao longo da pandemia, quando as jornadas de trabalho foram flexibilizadas. Atualmente, 95% dos 1.500 funcionários que se reportam a Matsumoto têm aval para cumprir rotinas híbridas — a turma que não pode trabalhar remotamente é a que desempenha funções, por exemplo, relacionadas à manutenção dos data centers.

O CIO não cogita impor a volta ao trabalho presencial dia sim, dia também, por duas razões. A mais óbvia é esta: não caberia todo mundo nos escritórios da empresa. “Crescemos a um ritmo de 30% nos últimos anos”, Matsumoto justifica. O segundo motivo: muitos dos profissionais de TI contratados ao longo da pandemia não moram em Porto Alegre, às vezes nem mesmo no Rio Grande do Sul. “Eu teria sérios problemas se exigisse o retorno ao presencial”, confessa o CIO. “Muitos dos profissionais desse meio não admitem mais a rotina de antigamente.”

Escritório do Sicredi: redução de custos com ferramentas digitais (Divulgação/Divulgação)

Convém lembrar que os departamentos de TI são cada vez mais estratégicos para as companhias, principalmente para aquelas que dependem de alta tecnologia. A demanda por profissionais da área, no entanto, é desproporcional à oferta de candidatos qualificados — daí a facilidade com que pessoas altamente capacitadas trocam de emprego da noite para o dia. Mantê-los satisfeitos, portanto, é um passo importante para retê-los.

O Brasil, segundo um estudo da consultoria McKinsey, enfrentará uma carência de 1 milhão de profissionais de TI até 2030. É um reflexo dos investimentos cada vez maiores em tecnologia. “Os gastos com TI corporativa são à prova de recessão”, declarou John-David Lovelock, vice-presidente de pesquisas da Gartner, ao anunciar os dados de uma pesquisa recente sobre o assunto. Ela mostra que o mundo da TI deverá movimentar 4,6 trilhões de dólares neste ano, o que vai representar um salto de 5,1% em relação a 2022.

Já uma pesquisa do CNBC Technology Executive Council concluiu que 40% das empresas querem contratar mais profissionais de TI. Pouco mais da metade das companhias, por outro lado, planeja manter seus departamentos de tecnologia do mesmo tamanho pelos próximos 12 meses, pelo menos.

O software que a equipe de TI do Sicredi­ utiliza para se conectar é o Jira. É por meio dele que os times de desenvolvimento, operações de TI e negócios registram as últimas iniciativas e as entregas pendentes. Na avaliação de Matsumoto, esse soft­ware facilita o monitoramento de todo o departamento e o alinhamento de áreas diversas. Mais: permite a criação de relatórios e favorece a priorização de tarefas mais urgentes.

No que se refere ao desenvolvimento de produtos, a área de TI faz uso de duas metodologias célebres nesse universo, a Scrum e a Kanban — que, em resumo, ajudam a organizar processos e a dar celeridade à conclusão de projetos. Em 2021, a consultoria K21, hoje chamada Nower, ajudou o departamento de TI do Sicredi, além de outras áreas da companhia, a ganhar ainda mais agilidade. Não à toa, o tempo gasto com a elaboração de produtos diminuiu 27% neste ano em comparação a 2022 — a velocidade das entregas cresceu 71%.

No dia a dia, a ferramenta de comunicação mais utilizada pelos colaboradores da cooperativa é o Teams. É por meio do chat dessa plataforma, por exemplo, que a alta cúpula dispara mensagens sobre assuntos estratégicos e lançamentos. Nos últimos seis meses, o Sicredi registrou 41.000 usuários ativos no Teams; 315 milhões de mensagens; 183.000 posts em grupos; e 1,7 milhão de ligações.

Para aumentar a fluidez e a eficiência de processos internos, a startup Caju, de benefícios corporativos flexíveis, aderiu ao Slack. Comprada pela Salesforce por 27,7 bilhões de dólares, a ferramenta tem como valor máximo a assincronicidade. Seu objetivo, afinal, é permitir que os usuários interajam entre si, mas no ritmo de cada um. Integrada à nuvem e a outros produtos da Salesforce, a exemplo do Trailhead e do MuleSoft, ganhou funcionalidades como o compartilhamento de vídeos e áudios.

Antes de lançar seu primeiro produto, a Caju já recorria ao Slack — a startup brasileira foi fundada em 2019. “Na época, o time era formado basicamente por fundadores e alguns desenvolvedores”, recorda Renan Mendes, Chief Technology Officer (CTO) da Caju. “Em 2020, quando lançamos a Caju para o mercado, veio a pandemia. A plataforma, portanto, foi fundamental para continuarmos interagindo e conectados. Hoje, com mais de 250 colaboradores espalhados por todas as regiões do Brasil, consideramos o Slack a nossa principal ferramenta de comunicação.”

Todos os meses, a startup compartilha cerca de 317.000 mensagens por meio da plataforma. Todos os departamentos da empresa fazem uso dela, e há canais exclusivos para a identificação de problemas, monitoramentos e análises de resultados. A equipe técnica da Caju, por sinal, mantém parte da sua operação atrelada ao Slack — quando alguma irregularidade é detectada, uma notificação, através da ferramenta, é enviada para os colaboradores.

A startup almeja expandir seu portfólio com o objetivo de se firmar no segmento de software as a service, atendendo as áreas­ administrativas e de recursos humanos de organizações de todos os portes. Da Salesforce, a Caju também faz uso do Marketing Cloud, do Experience Cloud e do Sales Cloud for Slack. “Temos plena convicção de que a parceria com a Salesforce e a utilização de suas soluções fortalecerão o nosso negócio, gerando oportunidades para conquistarmos mais resultados positivos”, diz Mariana Hatsumura, Chief Marketing Officer (CMO) da empresa.

Para o departamento de TI da Natura &C0, a parceria firmada em 2021 com a MuleSoft, divisão da Salesforce que se dedica à integração e ao gerenciamento de APIs, foi um divisor de águas. Pelo acordo firmado, todas as marcas da companhia — Natura, Avon, The Body Shop e Aesop, que ainda fazia parte do portfólio — passaram a usar os recursos da Anypoint Platform. Esta permite o controle, de forma centralizada, de todo o ciclo de vida de APIs e integrações entre sistemas.

“Com as aquisições do grupo e a necessidade de reagir rapidamente ao ‘novo normal’, a Natura &Co buscou opções para melhorar a agilidade, mantendo toda a governança necessária numa empresa de atuação global”, declarou, na época, Renzo Petri, head de cloud platform engineering & DevOps da empresa de Antônio Luiz Seabra e Guilherme Leal. O objetivo do chamado Center for Enablement (C4E), um dos frutos da parceria, é facilitar a arquitetura e a integração de APIs. Ele ambiciona reduzir o tempo de execução de projetos em até 60%.

Salesforce Tower: os softwares da empresa ajudam a integrar as áreas (Divulgação/Divulgação)

A adesão às soluções da MuleSoft está alinhada à estratégia da Natura &CO para se manter mundialmente relevante — o acordo foi costurado bem antes da venda da Aesop para a L’Oréal, em abril deste ano, por 2,5 bilhões de dólares. Segundo Denis Santos, arquiteto sênior de soluções cloud da Natura, a parceria com a MuleSoft dá flexibilidade à infraestrutura do grupo, algo fundamental para o crescimento e a conquista de novos mercados. “Temos de ser ágeis para atender datas sazonais de vários países, volumes maiores no e-commerce, e há sistemas de estoque e logística diferentes em cada ­geografia”, diz ele.

Coincidência ou não, a Natura e a Avon anunciaram, no mês passado, que estão integrando suas estruturas comerciais e administrativas, o que inclui logística e TI — a primeira companhia adquiriu a segunda no início de 2020. A integração na América Latina começou pelo Peru e pela Colômbia, e agora chegou a vez do Brasil. Com mais tecnologia, e uma equipe de TI afiada e eficiente, a junção fica bem mais fácil.


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