Revista Exame

As maiores fortunas da bolsa

Os investidores retratados nas páginas a seguir multiplicaram seu patrimônio aplicando em ações nas últimas décadas. Saiba o que eles têm a ensinar ao pequeno investidor — e como ajudaram a transformar para melhor o mercado de capitais no Brasil

Luiz Barsi: estimativa de 1 bilhão de reais investidos na bolsa (Germano Lüders/EXAME.com)

Luiz Barsi: estimativa de 1 bilhão de reais investidos na bolsa (Germano Lüders/EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 29 de maio de 2012 às 19h23.

São Paulo - Os engraxates entraram para a história das finanças mundiais como trouxas. O culpado pela má fama, como se sabe, é Joseph Kennedy (investidor arrojado e pai de John, presidente americano), que decidiu vender suas ações quando começou a receber dicas de investimento da pobre alma que polia seus sapatos em Wall Street.

Saiu da bolsa logo antes da crise de 1929. Para entender a moral da história, é útil pensar no mercado financeiro da época como uma cebola. Tubarões da bolsa, como Kennedy, estão nas camadas centrais e começam a ganhar dinheiro muito antes dos outros. O boca a boca vai levando o investimento em ações a entrar na moda nas camadas mais externas da cebola.

Quando o processo termina, e aqueles que nunca compraram ações começam a achar que sabem tudo sobre os humores do mercado, é sinal de que há uma bolha e que, para os tubarões, é hora de vender — e deixar que os trouxas percam suas parcas economias. Uma pena, para a reputação dos engraxates, que Kennedy não tenha conhecido o brasileiro Luiz Barsi. 

Filho de imigrantes espanhóis, Barsi perdeu o pai quando tinha 1 ano. Morava, então, num cortiço no bairro do Brás, no centro de São Paulo. Ainda criança, engraxava sapatos para ajudar a mãe a pagar as contas. Nos anos 60, começou a trabalhar numa corretora — e decidiu investir o que sobrava de seu salário na bolsa.

Comprou, por uma ninharia, ações do Banco do Brasil, da elétrica Cesp e de outras dezenas de empresas. O resultado de décadas de paciência é espantoso. Barsi é, hoje, um dos maiores investidores indivi­duais do país — tem mais de 1 bilhão de reais aplicado em ações.

Barsi, que mantém a simplicidade quase exagerada dos tempos de engraxate (apesar de bilionário, anda de metrô e veste as roupas mais simples que pode), faz parte de uma nova elite que se formou na Bovespa — uma elite cuja população pode ser contada nos dedos das mãos.

São os donos das maiores fortunas da bolsa, gente que não apenas ganha muito dinheiro, mas que também influencia decisões de empresários, serve de farol para outros investidores e acabou se tornando uma evidência da transformação por que passou o mercado de capitais brasileiro.


Há coisa de 30 anos, quando essa turma começou a comprar ações, a bolsa brasileira era pouco relevante para a economia e um campo minado para o pequeno investidor. Quem tinha mais dinheiro frequentemente conseguia manipular o preço dos papéis, e havia pouquíssimas regras para proteger os engraxates das malandragens dos tubarões.

Atualmente, o cenário é bem diferente. Homens como Barsi não ganharam suas fortunas fazendo grandes estripulias, apostando em derivativos complexos e informações privilegiadas ou lançando mão de fórmulas matemáticas inacessíveis. Suas histórias, que trazem preciosas lições para quem já entrou ou pretende entrar na bolsa, mostram um salto qualitativo da economia brasileira nem sempre percebido por quem não aplica em ações.

O chefe da turma 

É muito difícil saber qual o patrimônio exato dos maiores investidores do país.­ Pelas regras do mercado nacional, eles só são obrigados a divulgar suas apostas quando detêm mais de 5% das ações de uma empresa. Mas, felizmente, muitos deles têm participações superiores a isso em diversas companhias abertas brasileiras — e, como todos falam com todos no mundinho dos bilionários da Bovespa, é possível estimar quanto cada um deles tem em ações.

Fazendo as contas, pode-se dizer que o gaúcho Lirio Parisotto é o mais rico do grupo. Sua fortuna foi estimada em 2,1 bilhões de dólares pela revista americana Forbes, que o considerou o 24º homem mais rico do país (o outro investidor a entrar na lista foi Antonio José Carneiro, conhecido como Bode, com uma fortuna de 1,1 bilhão de dólares acumulada após investimentos em empresas de construção, energia elétrica, petróleo e outras).

Primogênito de uma família de dez irmãos que vivia de uma pequena produção agrícola no interior do Rio Grande do Sul, Parisotto quebrou a cara várias vezes antes de criar sua estratégia de investimentos vencedora — certamente, uma das mais monitoradas pelos pequenos investidores do país.

O primeiro tombo ocorreu em 1971, quando vendeu um carro e aplicou tudo em ações. A Bovespa despencou e ele diz ter perdido praticamente tudo (o erro: aplicar de uma só vez uma parcela significativa do patrimônio na bolsa, o que deixa qualquer um vulnerável a uma queda súbita). Nos anos 80, entrou quando a Bovespa estava em alta e teve prejuízo de 200 000 dólares (o erro: não teve estômago para aguentar a queda e vendeu suas ações).


Parisotto começou a ganhar dinheiro de gente grande quando abandonou a pressa. Obrigou-se a seguir algumas regras de investimento que, vistas de fora, parecem monótonas e, sobretudo, incapazes de gerar fortuna alguma. O principal pilar de sua estratégia é saber, de forma cristalina, o que não fazer.

Parisotto jamais compra ações de empresas que dão prejuízo. Para quem quer ganhar um trocado rápido, investir nesse tipo de companhia pode fazer um baita sentido, já que essas são as ações mais depreciadas. O maior investidor brasileiro passa longe de apostas dessa natureza.

Nada de embarcar em promessas de viradas empresariais mirabolantes ou em projetos de expansão custosos. Ele também não investe em aberturas de capital e não compra ou vende em razão de boa­tos sobre fusões e aquisições. O que ele faz, então? Compra avidamente papéis de companhias que pagam dividendos elevados.

Hoje, tem em sua carteira ações das processadoras de cartões Cielo e Redecard, da fabricante de material de construção Eternit e da empresa de energia Eletropaulo. Papéis como esses, que costumam ser desprezados pela maioria dos investidores fora de períodos de crise, explicam boa parte da fortuna de Parisotto, Barsi e outros grandes acionistas. Um levantamento feito pela gestora Venture mostra que o retorno médio em dividendos em relação ao preço da ação foi de 4% desde 2005. O melhor de tudo: os dividendos são isentos de imposto de renda, já que as empresas pagaram os impostos antes de distribuir o lucro aos acionistas. “O que me interessa é quanto recebo com dividendos”, diz Barsi. “O mercado pode subir ou cair que continuo ganhando o mesmo. Simples assim.” 

É claro que, na prática, as coisas complicam um pouco. O segredo, no caso dos investidores retratados nesta reportagem, é saber escolher empresas que mantenham uma política estável de dividendos — ou então atuar para garantir que elas sejam generosas com os minoritários.

Como costumam ter fatias relevantes do capital das empresas em que aplicam, esses investidores conseguem participar da gestão: podem sugerir mudanças, vetar planos de investimento e até aprovar a contratação de executivos. Talvez seja esta a face mais importante dessa turma — sua capacidade de intervir nas empresas e melhorar a gestão.


Alguns dos casos mais barulhentos foram protagonizados pelo paulista Silvio Tini, dono de 23% do capital da Alpargatas e um dos maiores acionistas da mineradora Paranapanema e da empresa de limpeza Bombril — o que dá a ele um patrimônio superior a 1 bilhão de reais.­

Há cerca de dez anos, Tini teve uma queda de braço com a Alpargatas sobre dividendos: ele queria um pagamento trimestral, e a empresa fazia uma distribuição anual. Venceu a disputa. Mais tarde, conseguiu vetar o plano de unir o caixa da companhia ao do grupo Camargo Corrêa, seu controlador.

A união tornaria o balanço menos transparente por fundir números de empresas distintas. Depois disso, dizem pessoas próximas, ele acalmou — até porque as ações da empresa valorizaram 5 500% na última década. 

Como se viu no caso da Alpargatas, a influência dos donos das maiores fortunas da bolsa pode mudar a vida de milhares de investidores minoritários, que acabam beneficiados pela atuação do grupo nas empresas. Há casos em que eles atuam em conjunto. Isso ocorreu, por exemplo, na Eternit.

A companhia viveu um período tumultuado no fim de 2003, quando seu controlador, o grupo francês Saint Gobain, resolveu vender suas ações. Era uma reação à decisão do governo da França de proibir a utilização do amianto, matéria-prima que pode provocar câncer se manuseada sem proteção.

Um grupo de minoritários formado por Barsi, Parisotto, o carioca Victor Adler e o paulista Guilherme Affonso Ferreira criou um novo conselho de administração e, com isso, conseguiu tocar o dia a dia dos negócios. Nos anos seguintes, sob a influência dos minoritários, a empresa reviu sua política de remuneração, dando aos principais executivos ações como recompensa.

Queria, com isso, garantir uma preocupação com as finanças da empresa no longo prazo. A Eternit passou também a fazer parte do Novo Mercado, segmento da Bovespa que reúne as empresas mais transparentes e com as melhores práticas de gestão, e — como não poderia deixar de ser — aumentou a distribuição de dividendos. De lá para cá, as ações subiram mais de 900%, enquanto o Ibovespa ganhou 180%. 


Nos Estados Unidos, a atuação dos minoritários no dia a dia das empresas é muito mais comum — e também mais incisiva, porque há milhares de companhias abertas sem um controlador, o que aumenta a influência dos pequenos (aqui, só sete empresas têm controle pulverizado). Em casos extremos, os investidores ativistas, como são mais conhecidos nos Estados Unidos e na Europa, chegam a pedir a cabeça de executivos e fazer campanhas públicas para forçar as companhias a seguir determinado caminho.

A administração do site de buscas Yahoo!, em crise há anos, vem sofrendo com as pancadas dadas pelos ativistas. Em 2008, o americano Carl Icahn pediu a demissão de Jerry Yang, fundador e então presidente, porque ele rejeitou uma proposta de compra pela Microsoft — que Icahn considerava vantajosa.

Passou a dar entrevistas dizendo que a empresa era mal administrada e que Yang deveria deixar o cargo, o que acabou ocorrendo. Um ano depois, ele vendeu suas ações, mas as dores de cabeça causadas pelos ativistas não cessaram. Em 2012, o fundo Third Point criou um site (www.valueyahoo.com) em que exige maior participação dos minoritários no conselho de administração.

Como o Brasil ainda é a terra dos controladores, os minoritários não podem se dar ao luxo de ser tão agressivos assim, até porque a chance de vitória é menor. A solução é fazer parte dos conselhos para influenciar na gestão — método adotado pelo paulista Luiz Alves Paes de Barros, um dos fundadores da gestora Hedging-Griffo e um dos maiores investidores do país.

Paes de Barros era o maior acionista individual do Banco Real antes da venda para os holandeses do ABN Amro, em 1998. Já foi conselheiro da construtora Cyrela e da fabricante de produtos médicos e hospitalares Cremer e, hoje, está no conselho das empresas do grupo financeiro Alfa. 

Mas ninguém adota essa estratégia de forma tão abrangente quanto o paulistano Guilherme Affonso Ferreira.   Aos 60 anos, ele não tem nada de Carl Icahn: participa de nove conselhos de administração, incluindo o espinhoso conselho da Gafisa, mas não é de briga.

“Sempre o vi como um sócio interessado no crescimento da companhia, um sujeito que participava de maneira intensa das discussões pertinentes”, diz Pedro Moreira Salles, presidente do conselho de administração do Itaú Unibanco, empresa que teve Ferreira como sócio por mais de 20 anos.


Com esse jeitinho “parceiro” de ser, Ferreira acumulou uma incrível fortuna. No fim dos anos 80, seu pai era dono de uma das revendas no Brasil da multinacional americana Caterpillar, fabricante de máquinas industriais e agrícolas, e queria comprar outras empresas do setor para criar um conglomerado.

Só que esbarrava no mesmo problema: quando os negócios iam bem e sua empresa conseguia acumular caixa para fazer uma oferta de aquisição, os concorrentes também estavam ganhando dinheiro e pediam um preço alto demais; quando o mercado estava no buraco, não sobrava dinheiro.

“Até que sugeri a meu pai aplicar em ações de setores diferentes do nosso, para que esse investimento estivesse em alta quando a empresa ficasse na pior”, diz Ferreira. Seu talento para investir era tanto que a família decidiu vender a empresa e cuidar apenas da  administração das ações.

Um dos mandamentos de Guilherme Ferreira — e que vale para qualquer um que pensa em investir em ações — é pesquisar, a fundo, a história dos controladores antes de colocar dinheiro numa empresa. Ou seja, nada de investir em micos mal administrados só porque estão baratos.

Segundo ele, foi isso que evitou que comprasse, durante o Plano Cruzado, ações dos bancos Nacional e Econômico — que, na época, iam muito bem, mas quebraram na década seguinte, quando seus donos foram processados. “Os papéis estavam muito desvalorizados porque existia a percepção de que os riscos eram muito grandes”, diz ele.

Depois de descartar os bancos-problema, investiu no Unibanco (que comprou o falido Nacional em 1995). Ferreira começou a comprar as ações por centavos e vendeu boa parte mais de duas décadas depois, quando passaram dos 15 reais, após a união com o Itaú, em 2008.  

O que aprender

O que aprender com as histórias dos homens mais ricos da bolsa? Há, claro, muito em suas trajetórias que não pode ser aplicado na rotina de quem investe pequenas quantias. Segundo estatísticas não oficiais da Bovespa, e tirando da conta quem aplica em fundos de ações, 80% dos investidores individuais brasileiros têm menos de 35 000 reais aplicados em ações.


São 450 000 pessoas que, por motivos óbvios, não terão o mesmo grau de influência de Guilherme Affonso Ferreira nas empresas de que são sócias. Mas suas regras básicas de investimento podem ser replicadas por qualquer um. Em geral, e não por acaso, elas seguem o que diz o bilionário americano Warren Buffett, terceiro homem mais rico do mundo.

Paciência é a chave. Buffett costuma dizer que seu horizonte de tempo ideal para investimentos é a “eternidade”. Barsi, Parisotto, Ferreira e seus pares abominam a ideia de “grandes tacadas”. É a turma do devagar e sempre. Há, também, regras comuns a eles e que vão contra o senso comum que norteia os investidores médios.

De maneira geral, eles diversificam pouco — Buffett costuma dizer que só quem não sabe o que está fazendo precisa espalhar seu dinheiro pelo mercado. Os grandes investidores brasileiros não costumam ter mais de 15 ações em carteira. Dizem que, assim, conseguem acompanhar cada companhia mais de perto (a estratégia já foi resumida dessa forma: mantenha seus ovos na mesma cesta. Mas preste atenção na cesta!).

Eles detestam investimentos em renda fixa, atitude difícil de recomendar a quem tem pouco dinheiro. Mas, em comum, também descartam investir em imóveis, algo que tem estado na moda no Brasil. Guilherme Ferreira paga aluguel até hoje. “Aplicar em imóveis é terrível.

Você precisa pagar advogado, corretor, o preço depende­ de uma negociação particular e, ainda por cima, é obrigado a comprar ou vender tudo de uma vez. Não pode vender o banheiro e manter a cozinha, por exemplo”, diz Victor Adler, que é um dos maiores acionistas da Eternit, da petroquímica Unipar e da fabricante de tubos de aço Confab, que está fechando seu capital.

Esse amor desmedido pela bolsa pode fazer com que nossos Buffetts pareçam loucos. A bolsa não é aquele lugar em que fortunas evaporam no ritmo das crises? Basta olhar para o que fizeram em tempos de pânico para comprovar que quem não entende a natureza do mercado acionário são os outros.

A carteira de ações de Lirio Parisotto perdeu 60% do valor no auge da crise de 2008. O gaúcho perdeu (no papel) nada menos que 1 bilhão de reais na brincadeira. Mas não chegou a perder o sono. “É claro que é ruim, mas não dá para vender num período assim.


Aproveitei para comprar mais”, diz. Parisotto e seus pares sabem que as empresas em que investem continua­rão produzindo, lucrando — e pagando dividendos. Parisotto ganha mais de 100 milhões de reais por ano em dividendos. E todo o dinheiro perdido em 2008 foi recuperado no ano seguinte. 

Outro ponto comum a esses investidores é sua absoluta falta de interesse pelos fatos que apavoram os simples mortais. A Grécia vai sair do euro? A economia americana vai acelerar? O Ibovespa vai passar de 65 000 pontos no final do ano?

Eles não têm nada muito interessante para dizer sobre isso — e também não se preocupam em encontrar as respostas. Como estão no mercado com a expectativa de ficar por um bom tempo, avaliar a situação das empresas é mais importante do que analisar o cenário internacional. 

É provável que, nos próximos anos, aumente o número de grandes investidores na bolsa. Nunca houve tantos milionários no país, e a renda dos brasileiros cresce a cada ano, o que, pelo menos em tese, abre espaço para que mais recursos sejam poupados (se houver uma trégua no consumo, lógico).

Além disso, com a queda dos juros, espera-se que mais pessoas fiquem tentadas a comprar ações. Se isso ocorrer, os novatos vão encontrar a Bovespa no melhor patamar da história — não em termos de valor das empresas, já que a bolsa anda de lado há três anos, mas em regulação e transparência.

Nos pregões dos anos 70 e 80, o sinônimo de investidor era o especulador Naji Nahas, que fazia operações de altíssimo risco. Não se trata de demonizar quem opera no curto prazo — sem eles, haveria muito menos compradores e vendedores nos pregões, o que prejudicaria todo mundo.

A novidade é o surgimento de um grupo que olha o longo prazo, quer construir fortuna aos poucos e ajudar as empresas nas quais investem. “É preciso ter investidores de diferentes perfis. Um mercado depende disso para se tornar maduro de fato”, diz Paulo Bilyk, um dos fundadores da gestora Rio Bravo. Do engraxate ao bilionário.

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