Revista Exame

O que os políticos brasileiros podem aprender com Warren Buffett

A receita que tornou o investidor Warren Buffett o terceiro homem mais rico do mundo pode ajudar o Estado a ser mais bem gerido

Eimicke: “Reagan e Thatcher estavam errados. Acabar com o governo não é uma solução”

Eimicke: “Reagan e Thatcher estavam errados. Acabar com o governo não é uma solução”

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Da Redação

Publicado em 2 de agosto de 2018 às 05h00.

Última atualização em 2 de agosto de 2018 às 05h00.

Aos 69 anos, o gestor público americano William Eimicke tem um currículo invejável. Nos anos 80, foi o responsável pela construção de mais de 200 000 casas populares no estado de Nova York, onde serviu como uma espécie de braço direito do então governador democrata, Mario Cuomo. Em seguida, na gestão do também democrata Bill Clinton na Casa Branca, Eimicke chefiou uma equipe responsável por mudar a lei habitacional, dando mais poder a estados e municípios. Nos anos 2000, trabalhou com o prefeito republicano de Nova York Michael Bloomberg numa reforma administrativa do departamento de bombeiros, que deixaram de somente “apagar incêndios” e focaram tecnologias de prevenção, uma inovação eleita entre as 50 melhores em governos nos Estados Unidos pela Escola de Negócios da Universidade Harvard em 2008 e 2009. Atualmente, -Eimicke é professor na Escola de Assuntos Internacionais e Públicos da Universidade Colúmbia, em Nova York, onde montou um centro de educação executiva para gestores públicos. Em 2018, lançou Social Value Investing (“Investimento de valor social”, numa tradução livre). No livro, ele analisa como a gestão pública pode aproveitar o conceito de investimento de valor, usado por Warren Buffett, terceiro homem mais rico do planeta, com uma fortuna de 69 bilhões de dólares. A obra foi escrita em parceria com Howard W. Buffett, neto do guru por trás do fundo de investimento Berkshire Hathaway e seu colega nos cursos de gestão em Colúmbia. Eimicke recebeu EXAME em seu escritório, em Nova York, para a entrevista a seguir.

Como a receita do fundo Berkshire Hathaway, de Warren Buffett, pode melhorar a gestão pública?

O fundo sob a gestão de Buffett é reconhecido por manter uma visão de longo prazo nos investimentos em que entra. Ou seja, pouco se atenta ao sobe e desce do mercado na hora de tomar decisões. Essa lógica, chamada de investimento de valor, Buffett aprendeu na universidade, aqui em Colúmbia, na metade do século passado. No meu livro, adoto essa filosofia para os desafios da sociedade do século 21. A mensagem principal é: a humanidade ficou complexa demais para o governo resolver tudo sozinho. A melhor estratégia é ter parcerias de longo prazo com a iniciativa privada, o terceiro setor e a filantropia na hora de atacar os problemas comuns a todos. É o que chamo de investimento de valor social.

Como criar investimento de valor social juntando tantos interesses diferentes?

O essencial é ter cinco elementos, que chamo de 5 Ps: people, isto é, pessoas engajadas na solução do problema; place, termo que define o escopo territorial de atuação; process, ou seja, métodos bem definidos de execução; portfolio, que é a diversificação dos recursos e dos riscos num projeto; e performance, o que significa que há uma avaliação constante dos resultados. Quando existe sintonia entre todos os envolvidos em relação a esses cinco pontos, a chance de as mudanças acontecerem é significativa.

Onde estão os melhores exemplos dessas parcerias?

No livro, cito exemplos de várias partes do mundo que seguem os Ps que mencionei. No caso de processos, cito os esforços de digitalização da Índia, onde o governo criou o Aadhaar, uma identidade digital para os cidadãos. Hoje, até mesmo indianos de áreas rurais têm acesso a serviços bancários e a bons médicos em serviços de telemedicina que só chegaram até eles por causa da identidade digital. No caso de diversificação dos recursos e riscos dos projetos [o chamado portfolio], menciono um exemplo brasileiro: o do Juntos, grupo de empresários e prefeitos que, reunidos pela ONG Comunitas, têm conseguido melhorar o desempenho de prefeituras no Brasil usando capital de origem privada para financiar projetos de inovação da máquina pública desenhados com participação da sociedade. Ou seja, todos os interessados envolvidos num interesse comum.

Quais as chances de mais parcerias dessas prosperarem daqui por diante?

O governo do século 21 vai ser feito de parcerias. Grandes economias emergentes, como China e Índia, vão adotar esse modelo para ampliar a presença do Estado entre os cidadãos. Estamos superando a ideia, difundida nos anos 80 por Ronald Reagan [ex-presidente americano] e Margaret Thatcher [ex-primeira-dama britânica], de privatizar tudo o que é possível. Eles estavam errados. A solução não é acabar com o governo. Sem ele, haveria o caos. A solução é fazer o governo funcionar melhor com parcerias. O governo vai ser menor dessa maneira? Vai. Será mais eficiente? Acredito que sim.

Num país como o Brasil, onde o Estado só aumentou nas últimas décadas, como estimular as parcerias?

O serviço público acumulou de fato muito poder no Brasil. Por um lado, isso foi importante para suprir lacunas do mercado privado, como levar acesso a educação e saúde em regiões remotas do país. O problema é que o Estado virou uma criatura ensimesmada. O funcionalismo público no Brasil é relativamente bem pago em relação a quem trabalha na iniciativa privada. Isso não é normal.

O que seria normal?

O normal numa sociedade capitalista é o dono de uma grande empresa, que provavelmente detém muitos recursos, pagar mais para contratar a melhor secretária, por exemplo. E o pior de tudo é que faltam incentivos para o Estado caber dentro de seu tamanho. Afinal, quanto mais atuação estatal, ou seja, mais regulação, mais empregos ele cria para si mesmo e mais recursos toma do resto da sociedade. Um governo de parcerias com uma iniciativa privada engajada em melhorar o Estado, e disposta a financiar a inovação na máquina pública, pode resolver esse problema.

Encontro de investidores do fundo Berkshire Hathaway: visão de longo prazo | Rick Wilking/Reuters

Essa solução pressupõe a existência de filantropos interessados em ter voz ativa. Há gente disposta?

Há atualmente mais de 600 bilionários no mundo. É mais do que jamais houve em toda a história da humanidade. Nunca vivemos num mundo tão rico como agora. E o que é melhor: hoje, a riqueza vem das boas ideias. No passado, a aristocracia podia não se importar com a escravidão ou o analfabetismo de quem vivia na miséria. Afinal, a fonte de riqueza vinha de trabalhos manuais, que pouco dependiam do cérebro. Hoje, isso mudou e a mentalidade dos ricos também. É claro que a globalização, o maior acesso à educação e a livre circulação de ideias tiveram parte importante nessa transição. Dificilmente um bilionário da atualidade vai querer ver sua reputação associada a algo que faz mal à sociedade. Não é à toa que grandes nomes, como Bill Gates e o próprio Buffett, estejam doando boa parte de sua riqueza à filantropia.

O Brasil ainda tem pouca cultura de filantropia em comparação com os Estados Unidos. Como resolver isso?

A resposta é simples em qualquer país do mundo: dar isenções fiscais ao rico disposto a doar dinheiro à caridade. Além disso, regular bem o mercado de organizações sem fins lucrativos para elevar o nível de transparência, algo necessário para evitar corrupção. A família do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, pode ir para a cadeia por não declarar publicamente a quantia de riqueza destinada à caridade. A sociedade precisa saber onde e como o filantropo está aplicando seu dinheiro. Com transparência, o recurso de filantropia faz bem a todo mundo. Afinal, para o rico vai custar menos do que ele pagaria em impostos. E, se bem aplicado, esse dinheiro poderá dar mais retorno à sociedade do que se for parar num Estado ineficiente.

A proximidade de empresários e gestores públicos está na raiz da Operação Lava-Jato, reveladora do maior escândalo de corrupção da história do Brasil. Como garantir transparência nessas relações?

Todas as campanhas eleitorais no mundo deveriam ser semelhantes às do Reino Unido, com 90 dias de duração e 100% financiadas pelo governo e sem dinheiro privado. Porque é aí que a corrupção começa. O dinheiro privado corrompe o sistema. Tome o exemplo de Barack Obama, uma pessoa honesta e que ganhou eleições com dinheiro levantado com os gigantes do Vale do Silício. Eles são as pessoas que falam ao telefone com o presidente. Na época, Steve Jobs [fundador da Apple que morreu em 2011] tinha uma voz dez vezes mais alta do que a minha. Isso cria uma realidade terrivelmente distorcida, com campanhas que duram anos e custam bilhões de dólares. Todos querem influenciar os candidatos — e ter acesso a eles depois de eleitos.

O Brasil recentemente proibiu a doação eleitoral por parte de empresas. Está na direção correta?

Acredito no ditado “nunca desperdice uma boa crise”. O Brasil está indo na direção correta, mas está numa posição perfeita para reformar ainda mais as regras eleitorais. O cenário político brasileiro é um desastre. A situação do ex-presidente Lula, primeiro lugar nas pesquisas eleitorais e preso, é embaraçosa para o país. Quem for culpado pela Justiça tem de ir preso e não pode disputar eleições. Mas o problema é que, agora, até o mérito das leis é objeto de discussão no Brasil. Isso tem de parar. E o país precisa seguir adiante com leis eleitorais mais modernas. 

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