Revista Exame

Os consumidores aprenderam a lidar com os vendedores. E agora?

Graças à tecnologia digital e ao grande volume de dados disponíveis, as lacunas entre compradores e vendedores estão se fechando e as assimetrias estão diminuindo

Centro de distribuição da Amazon: as fronteiras entre compradores e vendedores desapareceram (Chris Ratcliffe/Getty Images)

Centro de distribuição da Amazon: as fronteiras entre compradores e vendedores desapareceram (Chris Ratcliffe/Getty Images)

DR

Da Redação

Publicado em 12 de fevereiro de 2021 às 08h00.

As assimetrias de informação entre compradores e vendedores são há muito tempo conhecidas por prejudicar o bom desempenho do mercado. [Assimetria de informação é uma situação de desequilíbrio de mercado que ocorre em uma negociação quando a parte que detém conhecimento dos fatores e detalhes relevantes desfruta de uma vantagem competitiva sobre a outra parte que desconhece essas informações.] Graças à tecnologia digital e ao grande volume de dados acessíveis gerados por ela, porém, essas lacunas de informação estão se fechando e as assimetrias estão diminuindo.

Até recentemente, a formação do mercado era circunscrita por limites físicos e geográficos. Um pré-requisito para a formação de um mercado é que compradores e vendedores possam se encontrar, e esse processo tem sido tradicionalmente realizado em espaços físicos, como bazares, bolsas de valores, lojas ou concessionárias (embora haja intermediários que usam telefones e aparelhos de fax para facilitar as transações). As coisas começaram a mudar com o eBay, o modelo original para muitos mercados online. De uma hora para a outra, as fronteiras geográficas deixaram de ser barreiras intransponíveis entre compradores e vendedores amplamente dispersos.

Sem dúvida, eliminar as restrições geográficas para o funcionamento dos mercados teve seu maior impacto nas populações que vivem em lugares remotos. Em muitas partes do mundo, e para subconjuntos de consumidores em potencial em todas as regiões, os canais online podem ser a única opção prática para acessar uma ampla gama de bens e serviços, incluindo atenção primária à saúde e à educação. Isso se aplica tanto à demanda quanto à oferta. E como os consumidores desfrutam de maior acesso a bens e serviços, os vendedores e produtores podem ampliar drasticamente a escala para atender ao aumento da demanda.

Na China, por exemplo, a expansão digital do mercado potencial para pequenas e médias empresas deu um grande impulso para o desenvolvimento do Alibaba, demonstrando como as tecnologias digitais, juntamente com o rápido crescimento da internet móvel em todo o mundo, podem levar a padrões de crescimento mais inclusivos.

À medida que os mercados online se desenvolveram, no entanto, logo ficou claro que era preciso lidar com questões adicionais de informações para que esses mercados funcionassem de maneira eficaz. Por exemplo, como é difícil para os compradores identificar variações na qualidade entre os vendedores e entre os bens e serviços oferecidos online, eram necessárias mais informações para que os participantes do mercado conquistassem mais confiabilidade ou a credibilidade. O problema é essencialmente o mesmo para compradores e vendedores: aquele está preocupado em receber o que está pagando e este está preocupado em ser pago.

É precisamente esse tipo de assimetria de informação de mão dupla que impede a formação de um mercado ou limita a oferta e a procura. Por isso, uma série de plataformas de pagamento digital foi inicialmente criada para resolver o problema fundamental de “confiança” dos mercados online. Seguindo o modelo de sistemas de custódia que são familiares em transações imobiliárias, as plataformas de comércio eletrônico criaram intermediários que elas esperavam ser confiáveis para coletar e reter os pagamentos dos compradores até que a entrega dos bens ou dos serviços fosse confirmada.

No caso da Alipay, na China, e do Mercado Pago, na América Latina, esses sistemas foram projetados inicialmente para acelerar a adoção de plataformas de comércio eletrônico, mas com o tempo evoluíram para sistemas de pagamentos móveis usados offline e em toda a economia. Esse processo está muito avançado na China, enquanto o uso do dinheiro vivo persiste na América Latina. Esses sistemas não apenas geraram um tesouro crescente de dados tremendamente valiosos mas também permitiram que as plataformas de criação de mercado se tornassem mais poderosas a cada transação e à medida que acumulavam os dados.

As avaliações (ratings) dos vendedores (e às vezes dos compradores) e dos produtos são agora uma característica comum dos mercados online, e estudos indicam que eles têm grande influência na tomada de decisões do comprador. Mas, para que essa função atendesse ao seu propósito adequado, as plataformas precisavam desenvolver sistemas e proteções adicionais, para evitar a manipulação de avaliações e impedir que usuários banidos reaparecessem sob uma nova identidade. Assim, além de fechar as lacunas de informação, as avaliações também criam incentivos para que os participantes do mercado se comportem melhor.

À medida que mais e mais “coisas” apareceram nos mercados online, os usuários começaram a ter dificuldade em encontrar o que procuravam, pois não conseguiam navegar pelas opções da mesma forma que fazem ao comprar em uma loja física. Para resolver esse problema, as plataformas online desenvolveram algoritmos de pesquisa e mecanismos de recomendação com base não apenas no histórico de compra e navegação de usuários individuais mas também em dados comportamentais de todos os outros usuários. Esses algoritmos foram aprimorados ainda mais com os avanços em inteligência artificial e o aumento no volume e na qualidade dos dados.

Os mecanismos de pesquisa e recomendação são uma solução parcial para o “problema de correspondência” (matching) entre a oferta e a procura e, portanto, uma fonte importante de desempenho no mercado online. Eles agregam valor para os compradores e vendedores e aumentam o volume de transações, especialmente para vendedores e marcas menos conhecidos.

Fábrica de roupas do grupo chinês Alibaba: crescimento impulsionado por tecnologias digitais (Qilai Shen)

Além disso, por serem amplamente disponíveis e custarem pouco, as informações online reduziram as assimetrias de informação para além do domínio do comércio eletrônico. Por exemplo, os mercados de carros, saúde e seguros também foram transformados, inclusive no mundo offline, deixando os consumidores mais informados em sua relação com os vendedores.

Um último desafio informativo está relacionado ao acesso, dando aos consumidores identidades online acessíveis e registros de rastrea­mento que sinalizam sua atratividade como contrapartida em uma série de configurações de mercado. O mercado de crédito é um bom exemplo. No mundo offline, as pessoas e as empresas têm registros e históricos financeiros que, hipoteticamente, poderiam ser usados para sustentar os mercados de crédito ou seguro. O problema é que esses registros offline tendem a ficar dispersos e inacessíveis, enquanto na economia digital — especialmente após a alta penetração dos pagamentos móveis e do e-commerce — eles se tornam facilmente recuperáveis e muito mais úteis. 

Algoritmos de inteligência artificial podem ser desenvolvidos para avaliar e precificar o crédito para pessoas e empresas que não possuem garantias e que têm pouco contato prévio com a economia tradicional não digital e com setores financeiros. Como nos sistemas de avaliação baseados em plataforma, reduzem-se as lacunas de informação e aprimoram-se os incentivos, ao mesmo tempo que se amplia o acesso ao mercado pelas famílias e pequenas empresas.

Em síntese, os mercados digitais orientados por dados evoluíram de uma situação com lacunas de informação para uma densidade de informações mais alta do que seus equivalentes offline, o que resultou em menos lacunas de informação e assimetrias. A acessibilidade de dados digitais permite novos mecanismos de triagem e comportamento de sinalização frequentemente ausentes no mundo offline.

Claro, armazenar dados altamente acessíveis apresenta seus próprios riscos reais sobre os quais muito se discute, e deve-se lidar com eles para alcançar os benefícios potenciais de eficiência e inclusão. Afinal, as instituições (incluindo os governos) que coletam dados e agem como porteiros digitais também devem ser confiáveis. No mínimo, elas devem se submeter a uma regulamentação aplicável que forneça definições claras dos direitos dos indivíduos com relação à transparência, ao uso de dados, à privacidade e à segurança. Nesse aspecto, estamos, sem dúvida, fazendo progressos, mas ainda temos um longo caminho a percorrer.

 

(Divulgacão/Divulgação)

Acompanhe tudo sobre:Consumidoreseconomia-brasileiraexame-ceoIndústria digitalPandemia

Mais de Revista Exame

Invasão chinesa: os carros asiáticos que chegarão ao Brasil nos próximos meses

Maiores bancos do Brasil apostam na expansão do crédito para crescer

MM 24: Operadoras de planos de saúde reduzem lucro líquido em 191%

MM 2024: As maiores empresas do Brasil