Carlos Zarlenga, presidente da GM: “Cautelosamente otimista” (Germano Lüders/Exame)
Juliana Estigarribia
Publicado em 19 de dezembro de 2019 às 05h38.
Última atualização em 19 de dezembro de 2019 às 10h17.
Na noite do dia 5 de dezembro, o chef Alex Atala comandou um serviço de jantar de gala para mais de 300 convidados no prédio da Bienal do Parque Ibirapuera, em São Paulo. A estrela do evento estava em destaque no pavilhão assinado por Oscar Niemeyer, mas também pode ser encontrada facilmente nas ruas do país: o Onix, carro compacto campeão de vendas da Chevrolet, marca da General Motors, líder do mercado brasileiro há 50 meses ininterruptos e responsável por 10% do total de emplacamentos do país. Antes das 9 da manhã, Carlos Zarlenga, presidente da GM para a América do Sul, trabalhara junto com sua equipe para garantir que esse seria mais um evento de final de ano grandioso. Embora exuberância continue sendo uma característica das comemorações do setor, os números deixam a desejar faz tempo.
Os volumes de vendas de automóveis no país caíram de mais de 3 milhões, em 2013, para pouco mais de 2 milhões, neste ano até novembro. Diante desse desempenho, o Brasil deixou o posto de quarto maior mercado do mundo para o de oitavo. As vendas recuperam-se desde 2016, mas a ociosidade ainda é de 40%. Para 2019, as montadoras projetam crescimento de cerca de 8% em veículos leves, um novo passo para a recuperação. Se alguém tem algo a celebrar é a GM.
A montadora deve encerrar 2019 na liderança do mercado brasileiro pelo quarto ano consecutivo, com 17% de participação nas vendas de automóveis e comerciais leves — segmento em que estão inseridas as rentáveis picapes — e mais de 20% se considerados somente os carros de passeio. O feito deve-se ao excelente desempenho do Onix, mas também a bons resultados em outras linhas. A marca Chevrolet também é líder em categorias importantes, como a de hatch médios, com o Cruze; sedãs pequenos, com o Prisma; minivans de grande porte, em que sua participação com a Spin é de 99%; além de registrar volumes expressivos entre os tradicionais sedãs compactos e médios, com o Onix Plus, o Cobalt e o Cruze. Com um design que agradou ao brasileiro e preços competitivos, a montadora está conseguindo preservar a liderança no varejo. A empresa não revela seus próximos lançamentos, mas eles devem estar concentrados em carros grandes, como as novas versões dos SUVs Tracker e Trailblazer e da picape S10. Modelos da categoria do Onix, de grandes volumes, continuam no foco. A montadora acredita, ainda, que o elétrico Bolt, com 420 quilômetros de autonomia, a ser entregue em 2020, será um sucesso no Brasil.
O resultado positivo do período ajudou Zarlenga, desde 2016 no cargo, a afastar um fantasma. No início de 2019, depois de três anos de prejuízos, a matriz americana ameaçou deixar o país. Em comunicado a funcionários das fábricas brasileiras, a GM informou que o futuro da companhia na região dependia da volta da lucratividade e que 2019 seria “decisivo”. Após negociações com o governo do Estado de São Paulo, a montadora anunciou um investimento de 10 bilhões de reais de 2020 a 2024 nas fábricas de São José dos Campos e São Caetano do Sul.
A companhia vai se beneficiar do programa IncentivAuto, do governo paulista, que prevê descontos de até 25% no imposto sobre circulação de mercadorias mediante criação de empregos. As negociações também chegaram aos sindicatos. Em São José foi aprovado, entre outras medidas, o congelamento de salários em 2019. A GM reforçou que o investimento será aplicado em novos produtos, motorizações e na automação das fábricas. “Estamos saindo de uma situação muito complicada no Brasil, e estou cautelosamente otimista”, diz Zarlenga (leia mais na pág. 73). O ano também foi marcante para a matriz, que enfrentou a maior greve em 50 anos nos Estados Unidos. Em mais de um mês de paralisação de 50.000 funcionários, a montadora pode ter perdido 3 bilhões de dólares.
No Brasil, uma das vantagens da GM foi ter percebido o avanço local de uma tendência global: a venda direta, que inclui grandes frotistas (principalmente locadoras, como Localiza e Movida), taxistas, pessoas com deficiência, entre outros. A montadora vem desenvolvendo, há cerca de 20 anos, uma estratégia de vendas diretas, com equipe dedicada que olha não só para grandes frotistas mas também para pequenas empresas e trabalhadores autônomos, além de remunerar melhor a rede de concessionárias para compensar a perda de margem de lucro.
Nos últimos anos, a combinação de crise com avanço dos aplicativos de transportes (como 99 e Uber) impulsionou as vendas a frotistas — e a GM era a empresa certa na hora certa. A companhia tem 17,7% do mercado nacional de varejo, mas 21% do segmento corporativo. O Onix é líder absoluto nos dois segmentos. “O brasileiro tem refletido muito sobre os custos de manutenção de um automóvel, em um cenário de expansão dos aplicativos de transporte”, diz Murilo Briganti, diretor de produto da consultoria Bright Consulting, especializada em automóveis.
De 2010 para cá, a participação das vendas diretas praticamente dobrou no total comercializado no país, para 44%. As locadoras de automóveis, com suas estruturas propícias para gerenciar grandes frotas, passaram a atender pessoas físicas dispostas a pagar um aluguel para trabalhar como motoristas de aplicativos. “Somos grandes aliados das montadoras, desempenhando um papel importante para seu ganho de escala”, afirma Eugênio Mattar, presidente da Localiza, líder no mercado brasileiro de locação.
O nicho tornou-se tão atraente que levou dois ex-executivos da 99 a fundar a Kovi, startup de gestão de frotas de aplicativos. A Kovi tem contratos com 17 montadoras, quase 5.000 carros sob gestão e projeção de 20.000 motoristas ativos em 2020. “Somos um bom negócio também para as montadoras, que ganham em rentabilidade ao vender essa frota depois de um período de 12 a 18 meses”, diz João Costa, cofundador da Kovi.
Essa transformação do mercado gera controvérsia. Isso porque as vendas diretas envolvem descontos que variam de 5% a 25%. “As vendas corporativas são importantes, mas nosso foco é o varejo”, disse Pablo Di Si, presidente da Volkswagen do Brasil, em entrevista a jornalistas no início de dezembro. A montadora alemã tem 14,4% do mercado varejista e 16,5% das vendas diretas. A lucratividade pode ser menor, mas as vendas corporativas são uma tendência no mundo todo. Nos Estados Unidos, o canal é responsável por 59% dos emplacamentos; na Europa, por 60%. Lá fora, é cada vez mais comum o leasing, um contrato que inclui uso e serviços de pós-venda. “O mercado brasileiro caminha para a venda direta, como em outros tantos países”, diz Roberto Bottura, presidente da plataforma de precificação Checkprice.
Os esforços das montadoras ocorrem em um mercado que vem tentando se reinventar no mundo todo. A Ford decidiu fechar sua fábrica de caminhões no Brasil, dentro da estratégia global de concentrar esforços no segmento de leves. O grupo Fiat Chrysler costura um acordo de fusão com o PSA, das marcas Peugeot e Citroën. Lá fora só se fala em carro elétrico. Por aqui, os anúncios no segmento têm crescido gradualmente, mas ainda são ínfimos perto das dezenas de lançamentos de modelos a combustão.
Em 2019, foram vendidos 888 lançamentos e relançamentos. Nem 2% desse volume é de elétricos, e uma fatia crescente é de SUVs. Por não estar no segmento, a Fiat, que liderou o mercado durante 13 anos até 2013, ficou para trás e agora tenta se recuperar — a previsão é fechar o ano com cerca de 14% do mercado, na terceira posição. As fabricantes não abrem informações financeiras no Brasil, mas devem ter sofrido mais um ano no vermelho. Para 2020, fala-se em um avanço de 6% a 8% do mercado — e, talvez, no fim dos prejuízos. Sem a expectativa de saltos e longe do recorde do passado recente, ninguém na indústria arrisca uma projeção de quando o patamar de 3 milhões em vendas deve voltar. Até lá, a GM comemora (timidamente).
Carlos Zarlenga, presidente da GM na América do Sul, espera uma melhora de rentabilidade em 2020 com o avanço da venda no varejo | Juliana Estigarríbia
Em seu quarto ano de liderança no Brasil, a General Motors anunciou, em 2019, um investimento de 10 bilhões de reais em suas fábricas. Carlos Zarlenga, presidente da montadora na América do Sul, projeta um novo crescimento no Brasil em 2020 — na casa dos 6% —, especialmente no varejo. Mas alerta para a necessidade de novas reformas. “Se a agenda de reformas fluir, a economia deverá acelerar.”
O ano de 2019 foi de retomada para o mercado brasileiro?
Este é o terceiro ano consecutivo de avanço do país, mas não foi o crescimento que esperávamos. O incremento aconteceu principalmente nas vendas diretas, frente em que estão as locadoras, mas o varejo ficou estável. Esperamos que esse canal volte a crescer em 2020.
Existe um temor entre as montadoras de “canibalização” das vendas diretas…
Se o canal cresce, nós também crescemos, porque queremos atender o cliente onde ele estiver. A pressão nas margens depende do segmento, alguns são mais rentáveis, outros não. No mix, é um bom canal.
As montadoras tiveram prejuízos nos últimos anos. Como a GM fecha 2019?
A indústria precisou se ajustar e estamos trabalhando bem nesse novo patamar de volumes. O que dificulta é o real desvalorizado. Não vamos ter uma retomada da rentabilidade da indústria neste ano, o setor tem muitos custos em dólar.
Qual a projeção da companhia para o mercado em 2020?
Vemos um crescimento de 6%. Com a taxa de juro baixa, há um potencial enorme para alavancar as vendas. Quando o desemprego recuar, isso vai refletir na confiança do consumidor. Se a agenda de reformas fluir, a economia deverá acelerar. E precisamos de um aprofundamento da reforma trabalhista. A judicialização ainda é grande no Brasil. Cerca de 10% dos funcionários da GM global estão no Brasil, mas 90% dos nossos processos trabalhistas estão aqui. É uma desproporção enorme.