Revista Exame

As escolas do futuro já existem

O uso dos computadores e da internet revolucionou a maneira como as pessoas compram, trabalham e se comunicam. Depois de muitas tentativas e muitos erros, os educadores começam a perceber o que funciona na sala de aula

Orestad, na Dinamarca: até o espaço foi pensado para viabilizar um novo padrão de ensino (Marc Goodwin/EXAME.com)

Orestad, na Dinamarca: até o espaço foi pensado para viabilizar um novo padrão de ensino (Marc Goodwin/EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 10 de abril de 2013 às 01h29.

São Paulo - Na Orestad Gymnasium, uma escola municipal de Copenhague, na Dinamarca, inaugurada em 2005, até a planta do prédio foi pensada para viabilizar o conceito de “escola do futuro”. O edifício de cinco andares tem algumas salas de aula tradicionais, no estilo quatro paredes, uma porta e janelas. Mas 50% das atividades são realizadas em espaços de convivência, onde os alunos do ensino médio são incentivados a resolver em pequenos grupos desafios propostos pelo professor.

Nenhum adolescente usa caderno feito de papel ou é obrigado a tirar cópias de livros. Tudo é digital. E, apesar de metade dos estudantes ter pais que não possuem diploma universitário, fator sempre associado ao desempenho escolar, a maioria dos alunos da Orestad Gymnasium tem um aproveitamento superior à média nacional. A cerca de 6 000 quilômetros dali, em Nova York, a iSchool, criada em 2007, também tem resultados que são motivo de orgulho.

Da turma formada no ano passado, 95% dos alunos foram aprovados em universidades. Como a média do estado é de 65%, levou pouco tempo até que a escola chamasse a atenção e virasse objeto de análise de educadores de todo o mundo. Como explicar tamanha eficiência? “A estratégia foi repensar a educação e adequá-la à nova realidade, em que as crianças passam a maior parte de seu dia conectadas à internet”, afirma a americana Isora Bailey, diretora da iSchool.

Na escola localizada no bairro Soho, os professores decidem quando as aulas serão expositivas, offline ou online. Neste último caso, ter acesso à internet não quer dizer ficar vendo vídeos bizarros no YouTube ou conversando no Facebook. A navegação na web é restrita ao conteúdo relacionado às atividades escolares.

Como nas classes tradicionais, os professores escolhem se os exercícios serão feitos em pequenos grupos ou individualmente. A diferença é que, quando os alunos estão trabalhando sozinhos, um software centraliza e registra as atividades. Com isso, os professores sabem exatamente o que cada aluno fez.  “Usamos tudo o que está à disposição para manter a motivação dos alunos”, diz Isora.

Exemplos como o da Orestad Gymnasium e da iSchool são cruciais porque eles indicam possíveis caminhos para o futuro da educação. A popularização dos computadores e da internet nas últimas duas décadas mudou a maneira como os consumidores compram, como as pessoas se comunicam, como boa parte das empresas trabalha e como as notícias se propagam.

Pouca gente duvida que as salas de aula serão afetadas da mesma forma, mas o curioso é que, até agora, a esperada revolução na área da educação não aconteceu. É fato que o ambiente escolar foi invadido por PCs — no Brasil, há uma máquina para cada grupo de seis alunos e, nos países ricos, a média é de um computador para cada dupla. Embora o acesso à internet nas escolas seja um fato, ainda não se conseguiu medir com exatidão seus efeitos em larga escala. 


Em 2007, o governo do Peru realizou um dos maiores programas de distribuição de notebooks para crianças e jovens no mundo emergente. Mais de  850 000 computadores foram instalados em escolas de todo o país, mas, depois de cinco anos, um relatório do Banco Interamericano de Desenvolvimento mostrou que os alunos que receberam os equipamentos não tiveram nenhuma melhoria em leitura ou matemática.

“Pecamos por excesso de otimismo ao pensar que colocar computadores nas escolas era sinônimo de obter saltos de qualidade”, diz o professor chileno Eugenio Severin, ex-consultor de educação do Banco Interamericano de Desenvolvimento. Com base em experiências como a peruana, houve uma mudança de mentalidade nos meios acadêmicos. Não se pensa mais em computação como solução mágica. “Com ou sem tecnologia, o essencial continua sendo contar com um bom professor”, diz Severin. 

Uma das linhas atualmente mais aceitas entre os especialistas em educação é o uso da tecnologia para personalizar o ensino e resolver o problema do desnível de conhecimento e de ritmos diferentes de aprendizagem entre os alunos de uma mesma classe. “A maioria das escolas tradicionais nunca vai educar bem todos os alunos, porque o que é bom para alguns não funciona para outros”, afirma o professor Michael Horn, coautor do best-seller Disrupting Class (“Aula disruptiva”, numa tradução livre). Escrito em parceria com Clayton Christensen, professor da Harvard Business School, o livro já vendeu quase 100 000 cópias em todo o mundo. 

A varejista online Amazon criou o conceito de “uma loja para cada cliente” no início dos anos 90. Mostrou que é possível usar softwares para descobrir os produtos de preferência dos clientes e oferecer uma página da loja virtual diferente a cada um deles. Nos últimos anos, a ideia de prestar atenção nas demandas individuais começou a ganhar mais força na área da educação, impulsionada principalmente pela disseminação de softwares chamados de sistemas de gestão do aprendizado, que centralizam todas as atividades dos alunos.

A rede de escolas Integral, de Campinas, com 1 800 estudantes, todos eles portadores de um iPad, é uma das adeptas da nova tecnologia. Com a ajuda de um software da empresa americana AirWatch, os professores da Integral passaram a enviar aos tablets dos alunos o conteúdo indicado para cada um deles.

Mesmo a distância, a escola acompanha o que os estudantes acessam, sabe se eles fazem as atividades e com que grau de dificuldade. Isso permite que os professores possam dar atenção aos alunos menos adiantados e manter os primeiros da classe motivados com questões desafiadoras. Em caso de dúvida, todos têm acesso às apresentações dos professores, que ficam disponíveis na rede. 

A inspiração dos vídeos vem do americano Salman Khan. Formado em matemática, ciência da computação e engenharia elétrica pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts, Khan começou, em 2008, a gravar aulas de matemática para sua prima, então com 12 anos, e colocá-las no YouTube. Atualmente, com a ajuda de personalidades como Bill Gates, Khan tem mais de 4 000 vídeos gratuitos sobre temas tão variados como física e história no seu site (www.khanacademy.org).


No início de 2013, ele esteve no Brasil para assinar um convênio com o governo federal. Seu objetivo é disponibilizar suas aulas aos estudantes brasileiros. Para que isso aconteça, a Fundação Lemann, ONG voltada para o tema da educação, está traduzindo para o português aulas que já foram vistas por mais de 220 milhões de pessoas em todo o mundo.

“O sistema educacional predominante nos dias de hoje foi concebido há centenas de anos, com a tecnologia que estava disponível naquela época”, diz Khan. “Queremos que mais pessoas sejam educadas e que isso seja economicamente viável. A pergunta é: não podemos fazer melhor, levando em consideração a tecnologia que temos à nossa disposição hoje?”

Admirável mundo novo

A norueguesa Elisabeth Engum, professora de matemática na Bjorgvin Secondary School, em Bergen, a 500 quilômetros de Oslo, é uma das educadoras que estão na ponta dessa nova fronteira. Elisabeth foi uma das primeiras na aplicação de um novo conceito: o flipped classroom, ou “aula invertida”, numa tradução livre. Quando estão em casa, os alunos de Elisabeth assistem às aulas expositivas gravadas especialmente pela professora.

Na escola, o tempo é usado em atividades para aplicar o que foi aprendido nos vídeos. Elisabeth conta que é trabalhoso criar um conteúdo atrativo quando está gravando e, depois, pensar em exercícios diferentes para ser aplicados no horário das aulas. Mas o método também exige mais dos jovens. “Ouvir o professor falar é muito fácil. Agora, os alunos são obrigados a assumir mais responsabilidades sobre as tarefas”, diz.

Essa nova fase da educação tem atraído o interesse de fornecedores de tecnologia. A Apple pesquisa com editoras e desenvolvedores de aplicativos maneiras de aumentar o uso do seu tablet, o iPad, nas escolas. Outras empresas de tecnologia, como Microsoft, Cisco, Intel, Qualcomm,  Dell e HP, têm projetos direcionados a esse novo mercado, estimado em 56 bilhões de dólares anuais.

“Os grandes fabricantes já perceberam que não basta apenas vender o hardware para lucrar nesse segmento”, diz o professor Jim Lengel, da Universidade de Nova York e consultor dos projetos de empresas como Apple e Sony. Duas décadas depois da chegada do PC à sala de aula, uma lição parece ter sido aprendida. A tecnologia é válida quando ajuda as crianças e os jovens a desenvolver a capacidade de formular ideias e resolver problemas. Para os bons educadores, o desafio sempre foi esse.

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