(Long Wei/Getty Images)
Bloomberg
Publicado em 19 de maio de 2022 às 05h56.
Durante anos, o Grupo Alibaba teve uma chance legítima de se tornar a Amazon da China, um gigante do comércio eletrônico capaz de utilizar dados de anos de relacionamentos com clientes, além de realizar proezas tecnológicas, para dominar amplas áreas do cenário da internet. A avaliação de mercado da varejista chinesa subiu para mais de 850 bilhões de dólares em 2020, à medida que expandia negócios e diminuía a distância com a rival americana.
A repressão de Pequim ao setor privado fez cair por terra a estratégia. A principal operação de comércio eletrônico do Alibaba está sob o cerco dos reguladores. O braço financeiro do Alibaba foi forçado a recuar algumas de suas iniciativas mais lucrativas. Mas nada pode ilustrar melhor a mudança de sorte da varejista do que os problemas da operação de computação em nuvem, a Aliyun, também chamada de AliCloud. (A tradução de yun é “nuvem”.)
A computação em nuvem é uma parte vital da fórmula da Amazon, com a operação Amazon Web Services (AWS) gerando um volume de recursos financeiros capaz de subsidiar o negócio de comércio eletrônico e financiar novas iniciativas que podem não dar retornos por anos. No quarto trimestre de 2021, a AWS respondeu por 100% do lucro operacional da empresa. O Alibaba imaginou seu negócio de nuvem desempenhando a mesma função, identificando-o como “um dos pilares estratégicos” da empresa. O CEO, Daniel Zhang, disse uma vez que esse poderia vir a se tornar “o principal negócio do Alibaba”. Ele afirmou a analistas numa teleconferência de resultados em fevereiro que o mercado de nuvem da China viraria “uma oportunidade de trilhões de yuans” até 2025.
Mas Pequim descarrilou os ambiciosos planos do Alibaba, sugerindo que o gigante de tecnologia da China poderia nunca alcançar o sucesso no mesmo nível da Amazon. Nos últimos anos, o Partido Comunista tem concentrado esforços no uso e na segurança dos dados digitais. Recentemente, declarou que dados são um fator crítico, tornando a defesa deles uma prioridade para o governo. A designação, também aplicada a negócios em imóveis e em combustíveis, exige de empresas e agências governamentais a proteção das informações geradas em suas operações por uma questão de segurança nacional. Uma ampla faixa de instituições chinesas, incluindo bancos e prefeituras, reagiu aproximando-se de plataformas de nuvem apoiadas pelo Estado chinês no lugar das opções de nuvem fornecidas por empresas privadas, como o Alibaba.
A Aliyun está sob forte pressão em razão do relacionamento tenso do controlador do Alibaba com o governo chinês. As coisas começaram a azedar em 2020, quando o cofundador do Alibaba, Jack Ma, criticou reguladores do governo chinês num discurso em Xangai. O governo da China rapidamente descartou a planejada oferta pública inicial da afiliada financeira do Alibaba. Em seguida, puniu a unidade de varejo digital do Alibaba com uma multa de 2,8 bilhões de dólares por violações antitruste. De lá para cá, a empresa entrou em conflito com reguladores sobre segurança cibernética, despertando novas preocupações sobre os problemas do Alibaba. O temor é de que os negócios de nuvem possam virar um alvo. “A AliCloud tem um problema com o Alibaba”, diz Shen Meng, diretor do banco de investimento Chanson, com sede em Pequim.
O Alibaba até considerou a possibilidade de desmembrar o negócio de nuvem no ano passado. A unidade teria uma avaliação de mercado potencial de mais de 100 bilhões de dólares, dizem pessoas ouvidas em condição de anonimato em razão de o tema ser confidencial. A empresa acabou arquivando o plano após obstáculos comerciais e políticos, dizem eles. O Alibaba se recusou a comentar. O Banco China Construction não respondeu a um pedido de comentário.
No último trimestre do ano, as vendas da Aliyun ficaram aquém das previsões dos analistas por uma ampla margem, crescendo no ritmo mais lento em mais de cinco anos. Outros provedores de nuvem com trajetórias promissoras, como a Huawei Technologies e a China Telecom, ambos com relações mais cordiais com o governo, têm atraído mais usuários. Nos serviços de infraestrutura em nuvem, um segmento-chave do mercado, a participação da Aliyun caiu de 46% em 2019 para 37% em 2021, embora siga na liderança do mercado, segundo a consultoria global Canalys. A Huawei dobrou sua participação de mercado no mesmo período. “O crescimento dos negócios da AliCloud definitivamente não será tão rápido quanto durante os ‘anos dourados’ anteriores”, diz Livia Li, analista sênior da Frost & Sullivan. “A ascensão da nuvem estatal está em conformidade com o statu quo da China, e esperamos que mais players estatais entrem na arena.”
A Aliyun também tem tido revezes fora da China. Em 2021, perdeu o serviço de vídeo viral TikTok, da ByteDance, como cliente, num golpe doloroso para a estratégia global da companhia. Uma revisão em andamento de segurança cibernética, liderada pelo governo do presidente americano, Joe Biden, levantou questões sobre as perspectivas da Aliyun nos Estados Unidos, o maior mercado de nuvem do mundo. O valor de mercado do Alibaba caiu 70% em relação a 2020, mesmo depois de impulsionar um programa de recompra duas vezes num ano e, assim, sustentar o preço das ações. Com isso, registrou o mais lento crescimento em sua história.
Se a Aliyun pudesse mudar as coisas em casa, teria muito a ganhar. O mercado de computação em nuvem da China é o segundo maior do mundo, atrás dos Estados Unidos, e cresce rapidamente. Os gastos com esse tipo de tecnologia no país subiram para 27,4 bilhões de dólares em 2021, acima dos 19 bilhões de dólares do ano anterior, segundo a casa de análises sobre tecnologia Canalys, que prevê que o mercado de nuvem da China chegará a 85 bilhões de dólares até 2026.
A Aliyun intensificou os esforços para diversificar as fontes de renda. No ano passado, introduziu um serviço parecido com o Dropbox, aproveitando a demanda emergente de pessoas físicas com contas individuais na nuvem. O DingTalk, um aplicativo de comunicação empresarial do Alibaba, com 500 milhões de usuários, também virou plataforma em nuvem sobre a qual as empresas podem construir seu próprio software. Embora qualquer um possa tirar proveito dos kits de ferramentas gratuitos do DingTalk, analistas dizem que empresas com produtos vendidos por meio dessa conveniência provavelmente vão querer comprar do Alibaba outros serviços relacionados.
Contudo, grande parte do crescimento virá da pressão do governo chinês para o desenvolvimento doméstico de serviços em nuvem. O presidente Xi Jinping endossou uma estratégia de “nova infraestrutura” de 1,4 trilhão de dólares sob a qual bancos, fábricas e instituições públicas transferem suas operações para a nuvem. No ano passado, o chamado programa de “governo digital” foi incluído pela primeira vez no plano quinquenal de desenvolvimento da China.
Mesmo assim, os provedores de nuvem apoiados pelo Estado chinês provavelmente serão os mais beneficiados. A cidade de Tianjin pediu no ano passado que empresas controladas pelo município migrassem seus dados de operadoras de nuvem privadas, como o Alibaba, para um sistema de nuvem apoiado pelo Estado, de acordo com um documento governamental vazado e visto pela Bloomberg News. (Sua autenticidade foi constatada por duas pessoas com conhecimento do assunto.)
A mudança teve de ser concluída em dois meses após a expiração do último contrato de nuvem, segundo o documento. Tianjin posteriormente modificou a política por causa de reclamações sobre discriminação, mas a mudança de prioridades permaneceu. O governo municipal de Nantong, cidade perto de Xangai, também está considerando transferir dados adicionais para seus próprios centros de computação em vez de depender de plataformas públicas de nuvem para hospedagem, dizem duas pessoas familiarizadas com o assunto, que pediram para não serem identificadas. Tianjin e Nantong não responderam aos pedidos de comentários.
Embora essa tendência possa ser ruim para todos os provedores comerciais de serviços em nuvem, muitos temem que a posição política da Aliyun signifique que ela será mais atingida do que concorrentes como a Huawei.
Em dezembro, o poderoso Ministério da Indústria e Tecnologia da Informação da China, ou MIIT, censurou a Aliyun por não relatar uma falha de software em tempo hábil. Como resultado, o superintendente de tecnologia da China suspendeu a cooperação com o provedor de serviços em nuvem em uma plataforma de compartilhamento de informações de segurança cibernética por seis meses e exigiu “medidas de correção” antes de decidir se retomaria sua parceria.
O Alibaba admitiu que demorou a relatar a falha ao governo chinês, mas disse que seu pesquisador seguiu as práticas globais da indústria. Os pesquisadores de segurança cibernética normalmente revelam vulnerabilidades de software para ninguém mais além do desenvolvedor do software até que o problema seja corrigido. Ainda não está claro quando a Aliyun relatou o bug, e o MIIT não divulgou publicamente suas expectativas.
No entanto, pessoas dentro e fora da empresa dizem que o incidente pode alimentar a desconfiança entre o Alibaba e os reguladores chineses, colocando em risco sua capacidade de ganhar contratos de entidades ligadas ao governo. “Como o MIIT criticou publicamente a AliCloud por ter problemas [nos relatórios de segurança cibernética], faz sentido que muitas empresas estatais e agências governamentais avessas ao risco evitem usar seus serviços”, diz Shen, do Chanson. “Quando se trata de escolher um parceiro de nuvem, as considerações políticas geralmente superam as considerações tecnológicas.”
→ Tradução de Anna Maria Dalle Luche