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A sucessão na Totvs: “Aqui está a chave da empresa”

A sucessão de um fundador sempre causa preocupação. Mas a Totvs mais que dobrou de valor desde a saída de Laércio Cosentino

Cosentino e Herszkowicz: mais tolerância ao erro (Germano Lüders/Exame)

Cosentino e Herszkowicz: mais tolerância ao erro (Germano Lüders/Exame)

Mariana Desidério

Mariana Desidério

Publicado em 16 de janeiro de 2020 às 05h30.

Última atualização em 16 de janeiro de 2020 às 10h13.

Há pouco mais de um ano, o fundador da desenvolvedora de software Totvs, Laércio Cosentino, hoje com 59 anos, pegou um molho de chaves, colocou sobre a mesa e disse ao executivo Dennis Herszkowicz: “Aqui está a chave da companhia”. O gesto em clima de brincadeira simbolizou o fim de uma era na empresa de tecnologia baseada na zona norte de São Paulo.

Em novembro de 2018, Cosentino deixou a presidência da companhia que fundou há 36 anos e passou a ocupar o cargo de presidente do conselho de administração. Em seu lugar deixou Herszkowicz, que tem no currículo 15 anos de experiência na Linx, concorrente da Totvs.

Passado pouco mais de um ano, os resultados mostram que o processo de sucessão, que costuma ser traumático em empresas tão identificadas com seu presidente quanto é a Totvs, foi bem-sucedido. Pelo menos nos números. O lucro praticamente dobrou em 12 meses e a ação subiu 140% desde a mudança no comando, ante uma valorização de 30% do Ibovespa, principal índice da bolsa B3. Em 35 anos, Cosentino fez da Totvs uma empresa de 4,5 bilhões de reais; em um ano, Herszkowicz levou o valor de mercado a 13 bilhões. Mérito dos dois.

Os bons ventos chegam depois de a empresa estagnar por alguns anos. De 2015 a 2018, o lucro caiu de 195 milhões de reais para 61 milhões, tolhido em parte pela crise econômica. Nos 12 meses de outubro de 2018 a setembro de 2019, o resultado subiu para 115 milhões de reais. Os números consolidados do ano passado ainda não foram divulgados. Para virar o jogo, Herszkowicz, de 45 anos, acelerou projetos em gestação e implementou um estilo de gestão que inclui testar produtos de forma rápida e ser mais tolerante ao erro.

“Tudo que foi implementado já estava aqui em estado embrionário. O que aconteceu foi que esses projetos desabrocharam. Foi um ano mágico”, afirma Herszkowicz. Entre as principais iniciativas do ano estão maior foco em produtos que gerem receita recorrente e o olhar para novos mercados. Hoje, 76% da receita é recorrente; ante 66% de um ano atrás. Outra decisão que estava na gaveta e foi acelerada por Herszkowicz foi vender a fatia de hardware da Bematech (empresa de tecnologia para o varejo comprada pela Totvs em 2015).

O negócio, que dava mais trabalho do que resultado, era visto como pouco estratégico para a Totvs, que tem voltado seus esforços para o desenvolvimento de software. A venda foi finalizada em outubro, por 25 milhões de reais. A parte de software da Bematech continua com a Totvs.

Com mais de 30 mil clientes pelo Brasil e uma receita anual de mais de 2 bilhões de reais, a Totvs conquistou seu tamanho atual oferecendo principalmente softwares de gestão a pequenas e médias empresas. Agora tem buscado outras frentes para lucrar, entre elas a de serviços financeiros para pequenas e médias empresas. Em maio de 2019, seis meses após a troca de comando, a Totvs levantou 1,1 bilhão de reais no mercado com o objetivo de fazer aquisições.

A primeira delas foi a da Supplier, financeira que oferece crédito a pessoas jurídicas, cujo controle foi comprado por 455 milhões de reais. A jogada foi bem recebida pelo mercado. “Vemos fortes sinergias entre os dois negócios, e um grande potencial para a Supplier alavancar a base de clientes da Totvs”, afirmou o banco Credit Suisse em relatório. O foco da Totvs em aquisições deve continuar em 2020. No início de janeiro, a empresa anunciou nova compra, desta vez da Consinco, que fornece sistemas de gestão ao varejo, por 197 milhões de reais.

A companhia ainda tem mais de 400 milhões em caixa e algumas dezenas de empresas na mira. A estratégia é considerada chave para crescer em seu segmento de atuação. Isso porque, para uma empresa, é custoso e demorado trocar seu software de gestão, e isso torna mais difícil o trabalho de atrair um cliente da concorrência. As aquisições são um atalho valioso.

Mais do que expandir a base de clientes, o foco é oferecer serviços complementares para quem já tem os sistemas da Totvs e aprofundar sua presença em setores de mercado específicos, como o varejo. Em breve, a companhia deve colocar no ar uma campanha de marketing para reforçar sua marca. “Estamos saudáveis financeiramente, fizemos um esforço para melhorar nossos produtos. Agora temos tranquilidade para colocar a cara para fora e dizer: ‘Venham até nós’ ”, afirma Herszkowicz.

Warren Buffett: aos 89 anos, o investidor não passa o bastão de sua empresa | Johannes Eisele/AFP

Ter participado de processos de fusão e aquisição era um dos requisitos fundamentais para ser o novo presidente da Totvs. Ter participado de abertura de capital e de oferta subsequente de ações (o follow-on) também estava na lista de características desejadas, além de idade entre 40 e 50 anos.

“Tínhamos tantos requisitos que a soma dava conjunto vazio”, afirma Cosentino. Mas o empresário foi paciente. O processo de sucessão durou cerca de três anos e veio após uma tentativa frustrada. Em 2015, Cosentino deixou a presidência da Totvs para dar lugar ao executivo Rodrigo Kede, ex-IBM. Kede ficou apenas oito meses no cargo e voltou para a multinacional, onde hoje é diretor-geral de tecnologia na América do Norte. Kede não deu entrevista. Entre os fatores que dificultaram a passagem de bastão estavam falhas na condução do processo. “Não era o momento certo porque não havia a disposição necessária para a transição dentro da Totvs”, diz uma pessoa próxima à empresa. Lição aprendida. O processo que culminou na chegada de Herszkowicz teve maior participação do conselho de administração. Desta vez, Cosentino também deu mais autonomia ao novo presidente.

Conduzir um processo de sucessão não é simples, ainda mais quando a pessoa a ser substituída é o próprio fundador. “Esse é um dos maiores desafios das empresas. Fundador e empresa têm uma ligação simbiótica”, afirma Luiz Marcatti, presidente da consultoria de governança Mesa Corporate.

Segundo uma pesquisa da consultoria PwC, 44% das empresas familiares no mundo não têm plano de sucessão. Nos Estados Unidos, investidores aguardam há anos para saber quem será o substituto do bilionário Warren Buffett, de 89 anos, no comando de sua empresa de investimentos, a Berkshire Hathaway. Mesmo planos bem desenhados no papel podem dar errado.

A General Electric, uma das maiores corporações dos Estados Unidos e incensada por seu modelo de gestão, teve problemas recentes com a substituição do presidente. John Flannery, executivo que assumiu o comando da GE em 2017, renunciou ao cargo pouco mais de um ano depois.

Na Totvs, a mudança trouxe um pouco mais de flexibilidade. Uma das primeiras medidas de Herszkowicz foi acabar com um encontro quinzenal dos executivos, que ocorria às 7 horas da manhã. “Tenho filho pequeno, seria complicado chegar ao escritório tão cedo. Consultei os vice-presidentes e eles disseram: se há possibilidade de não ser às 7 horas, preferimos.”

O encontro passou a ocorrer no horário do almoço. A perspectiva de que agora a cadeira de presidente é um cargo a almejar tem incentivado a produtividade. A mudança na gestão foi ainda um passo na profissionalização da companhia. Coincidentemente, no início do mês a Totvs passou a integrar o Ibovespa.

Sem a dedicação exclusiva à Totvs, Cosentino tem dado atenção a outros investimentos, com foco em tecnologia, saúde e construção. Assim como a Totvs em seus primórdios, em 1983, as demais empresas em que ele investe estão começando. “Gosto de investir no que dá lucro”, diz Cosentino. A nova rotina envolve uma visita semanal à Totvs. “A empresa não pode depender de quem a criou.” Até aqui, os investidores não poderiam concordar mais.

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