Revista Exame

A aposta no escuro da Mimic

O investimento em cozinhas só para aplicativos de entrega — as dark kitchens — é a onda da vez no Brasil e no mundo. A Mimic recebeu 38 milhões de reais

Andres Andrade, fundador da Mimic: com investimento de David Vélez, presidente da fintech Nubank, e José Galló, ex-presidente da varejista Renner  (Germano Lüders/Exame)

Andres Andrade, fundador da Mimic: com investimento de David Vélez, presidente da fintech Nubank, e José Galló, ex-presidente da varejista Renner (Germano Lüders/Exame)

AJ

André Jankavski

Publicado em 5 de dezembro de 2019 às 05h40.

Última atualização em 5 de dezembro de 2019 às 10h06.

Os prejuízos enormes e recorrentes de empresas como o aplicativo de transporte Uber e a startup de compartilhamento de escritórios WeWork começam a gerar dúvidas nos investidores. Afinal, se as grandes expoentes da nova economia estão sofrendo, o que será das outras? Os problemas dos gigantes, porém, não atemorizam novos empreendedores. Continuam a brotar startups para surfar a onda da economia de serviços. É o caso de negócios criados por profissionais habituados a setores tradicionais que veem nos aplicativos uma forma de cortar caminho até os consumidores.

Um exemplo é a startup brasileira Mimic, de cozinhas compartilhadas. A companhia foi fundada em junho pelo equatoriano Andres Andrade, que atuou como investidor imobiliário no Brasil representando uma empresa israelense e agora planeja popularizar as chamadas dark kitchens (“cozinhas escuras”, numa tradução literal), especializadas na preparação de comida para aplicativos de entrega, como iFood, Uber Eats e Rappi. Em poucos meses, a Mimic captou 38 milhões de reais e alcançou um valor de mercado estimado em 100 milhões. Detalhe: sem fazer um único prato até então. Os tradicionais fundos de investimento Monashees, Valor Capital e Canary foram os responsáveis pela maior parte dos aportes, mas nomes como David Vélez, fundador e presidente do banco digital Nubank, e José Galló, ex-presidente da varejista Renner, entraram como investidores-anjo.

As cozinhas compartilhadas são a mais nova tendência do ramo de serviços alimentícios. Nos Estados Unidos, o fundador do Uber, Travis Kalanick, afastado da empresa, investiu num negócio desse tipo, a Cloud-Kitchens. Google e Amazon têm planos parecidos. Essas empresas em geral constroem grandes cozinhas para alugar às redes de alimentação. Andrade, da Mimic, pretende ir além. Ele busca marcas conhecidas do público final e se compromete a treinar os funcionários para seguir a preparação exata da comida dos clientes, e ainda oferece serviço de atendimento personalizado. Os restaurantes só entram com a receita do prato e com a marca, e recebem royalties por isso. “Acreditamos que o restaurante precisa ser um ponto de experiência”, diz Andrade. “As entregas podem ficar separadas até para melhorar a qualidade do serviço.”

A primeira experiência começou há cerca de um mês. A hamburgueria Patties, inspirada no primeiro restaurante do McDonald’s e com apenas uma loja no bairro do Brooklin, em São Paulo, foi a escolhida para o teste. A lanchonete vende cerca de 1.500 hambúrgueres por dia em sua loja física. Com um mês de vendas pelos aplicativos Uber Eats e Rappi, a Mimic chegou a vender 3.000 sanduíches em 24 horas. A Mimic já tem uma parceria fechada com uma rede de pizzarias e outra de café. A meta é abrir mais cinco unidades até o fim do ano que vem.

Um estudo da consultoria ECD Food Service, especializada na área, com o apoio da Associação Brasileira de Franchising, mostra que as cozinhas compartilhadas são vistas como a terceira maior oportunidade de crescimento no setor: 44% dos donos de restaurantes creem nisso. A ideia só está atrás de aberturas de lojas menores e de quiosques, com 52% e 49%, respectivamente. A questão é se essa tendência vai se confirmar. Há cinco anos, o Brasil foi palco de uma explosão de food trucks, que logo, salvo algumas exceções, caíram no ostracismo. Não é o que os investidores pensam das cozinhas compartilhadas. “Esse modelo de negócios é mais rentável, pode vender por todas as plataformas ou até mesmo direto ao consumidor. Não vejo, por exemplo, a Mimic entrando numa guerra de preços”, diz Vélez, do Nubank, um dos investidores-anjo.

Outra questão é saber para onde vai o mercado de entregas, hoje vitaminado por cupons de descontos de startups como iFood, Uber Eats e Rappi. Esse mercado fatura 11 bilhões de reais por ano, segundo a Associação Brasileira de Bares e Restaurantes. Mas os lucros estão distantes, e a ordem é expandir a todo custo. Para cortar custos, os próprios aplicativos criam marcas e constroem cozinhas. A Rappi anunciou que investirá na modalidade no Brasil em 2020 — a empresa já tem 200 cozinhas na América Latina e quer chegar a 600 no ano que vem.

“Essas empresas já estão com o poder das entregas e agora querem a gestão do restaurante”, diz Enzo Donna, presidente da ECD. Um desafio é o atendimento. Um levantamento da consultoria Airfluencers nas redes sociais mostra que 55% das interações dos consumidores com as marcas são negativas. Entre as principais críticas estão demora na entrega e cupons que não funcionam. A Mimic criou uma área de atendimento para não fazer parte dessa estatística. Mas não tem como oferecer os descontos agressivos dos grandes aplicativos. O plano é ganhar dinheiro hambúrguer por hambúrguer. 

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