Loja reformada da Hering: a empresa está bancando parte dos custos dos franqueados (Germano Luders/Exame)
Da Redação
Publicado em 11 de maio de 2016 às 05h56.
São Paulo — Nenhuma rede de varejo de roupas aproveitou tão rapidamente e com tanta intensidade o boom do consumo da classe média brasileira quanto a catarinense Hering.
De 2007 a 2012, as vendas quadruplicaram, a Hering exibia a melhor margem de lucro no setor e via os concorrentes tentando replicar seu modelo, único na integração da indústria com o varejo — em 2010, em plena fase de ouro, a Hering foi eleita a Empresa do Ano de MELHORES E MAIORES, de EXAME.
A companhia reformou lojas, deu uma chacoalhada nas vitrines, colocando vestidos estampados de viscose para dividir espaço com as tradicionais camisetas brancas de malha. Suas ações subiram 480% no período. Tudo parecia bem, até que a Hering começou a notar um efeito estranho no balanço.
As vendas nas lojas abertas há mais de um ano começaram a cair em 2012 — ou seja, a empresa crescia só porque abria novas lojas — e, a partir dali, despencaram. Já foram mais de dez trimestres de queda desse indicador. De lá para cá, as ações caíram 70%; e o lucro, 10%. Só no primeiro trimestre deste ano o lucro diminuiu 30% e as vendas em lojas abertas há mais de um ano caíram 6%.
A empresa, que já valeu 8 bilhões de reais na bolsa, vale pouco mais de 2 bilhões. Hoje luta para reconquistar o brilho de outrora. A Hering é um caso clássico de empresa que cresceu demais e perdeu, no caminho, a fórmula que a fez um caso de sucesso. Fundada em 1880, passou mais de 100 anos fazendo mais ou menos a mesma coisa.
Vendia quase exclusivamente roupas básicas, como camisetas e moletons. O diferencial era unir qualidade e preços acessíveis. Para aproveitar a expansão sem precedentes do mercado consumidor, resolveu diversificar para tentar atrair a nova classe média, acostumada a comprar em lojas de departamentos mais baratas. Começou a fabricar e a vender vestidos, echarpes, calças jeans e jaquetas.
Criou uma grande rede de lojas próprias, no que foi imitada, com graus limitados de sucesso, por toda a concorrência. Também lançou uma marca nova, a Hering for You, de roupas femininas, e abriu lojas da Dzarm, de preços mais altos.
Mas, após anos e anos de crescimento acelerado, a fórmula se esgotou, e a Hering ficou numa espécie de meio do caminho: não é nem popular (como a Renner), nem de alta renda, nem básica, nem sofisticada. “A empresa não conseguiu concorrer com a velocidade de redes como a Forever 21, que tem produtos novos a cada semana”, diz Ana Paula Tozzi, presidente da consultoria de varejo GS&AGR.
As vendas empacadas criaram outro tipo de problema: um distanciamento do dia a dia dos franqueados, que haviam sido fundamentais na expansão da empresa. Hoje respondem por 40% das receitas. Das 648 lojas da marca Hering espalhadas pelo país, 591 são franquias.
Segundo funcionários da companhia, consultores de varejo e franqueados ouvidos por EXAME, a empresa estava tão preocupada com a definição das coleções e com a expansão da rede que deixou de acompanhar a situação das lojas. Um problema frequente era o encalhe de roupas.
Algumas unidades chegavam a ter produtos estocados de seis meses atrás e, por isso, deixavam de comprar coleções novas, o que gerava uma mistura de peças nas araras. “Em algumas lojas, roupas de estações diferentes eram vendidas juntas, por preços parecidos”, diz um acionista, que pediu para não ser identificado.
“Se você vai a um McDonald’s ou a uma loja da Arezzo, é quase impossível saber se a loja é franqueada ou própria. Na Hering, dá para saber.” No ano passado, a receita com as franquias da Hering diminuiu 3%. A situação é parecida nas lojas multimarcas que vendem roupas da Hering: nesses locais, as vendas também caem.
Foi um péssimo momento para patinar. Enquanto a Hering tentava lidar com problemas internos, os concorrentes se esbaldaram. Até o começo de 2015, quando já fazia dois anos que os resultados da Hering pioravam, essas redes continuavam crescendo. O baque, para elas, começou há pouco — e de forma mais branda.
Em 2015, as varejistas Marisa, Riachuelo e do grupo Restoque (dono da Le Lis Blanc) tiveram queda média de 1% nas vendas em lojas abertas há mais de um ano (enquanto as da Hering diminuíram 3,5%). As vendas da Renner seguem aumentando, embora em ritmo menor. Uma explicação para o melhor desempenho dos competidores é que não têm franquias.
Contar com terceiros é uma maneira rápida de crescer em períodos de expansão econômica poupando caixa. Numa crise, porém, depender de pequenos empresários, que têm menos acesso a financiamento, é uma fragilidade. Mas há outras explicações. Uma delas são os preços mais baixos do que os da Hering. Além disso, redes como Renner e Riachuelo reformularam suas lojas, o que atraiu clientes.
Por último, os concorrentes gerenciam melhor os estoques após investimentos em logística milionários. Se as roupas não são vendidas nem mesmo com descontos, precisam sair das prateleiras — isso ajuda a dar destaque à coleção nova, cuja margem é maior. A Hering tem se esforçado, nos últimos três anos, para elevar as vendas e reduzir os custos.
Diminuiu o número de funcionários, e seus executivos passaram a repetir, em toda conversa e apresentação a investidores, analistas e franqueados, a sigla P&L — produto e loja. A definição dos problemas fundamentais a atacar foi feita em consenso com os dois novos acionistas da empresa, os gestores de fundos Gávea, do ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga, e Cambuhy, da família Moreira Salles.
As gestoras têm, respectivamente, 10% e 6% do capital da Hering desde o ano passado, participação adquirida depois de mais de um ano de reuniões com os executivos da Hering e de pesquisas sobre a marca e o varejo. No dia 27 de abril, Marcos Pinto, sócio do Gávea, e Marcelo Medeiros, sócio do Cambuhy, assumiram assentos no conselho de administração da Hering.
Mas estavam participando de decisões da companhia bem antes disso. EXAME apurou que partiu dos fundos a proposta de matar o projeto de lojas Hering for You, que havia sido incluído entre as grandes apostas da empresa um ano antes. Em abril, a companhia anunciou que vai fechar ou transformar as lojas da marca em unidades da rede infantil Hering for Kids.
A conclusão é que não dá para investir na expansão de uma nova rede e em mais um projeto de franquias enquanto a companhia estiver com problemas. “Por enquanto, faz mais sentido ter a marca dentro das lojas Hering tradicionais do que como uma unidade separada”, diz Frederico Oldani, diretor de finanças da Hering. Gávea e Cambuhy não deram entrevista.
A empresa também está reorganizando processos. Criou um departamento de pesquisa e desenvolvimento cujo objetivo é aumentar a capacidade de inovação — em vez de mudar estampas, pode criar e melhorar tecidos, como uma malha apropriada à prática de esportes. Foram feitos ainda ajustes na logística para concentrar a produção em Goiás, onde existe incentivo fiscal.
“Somos uma empresa melhor do que éramos em 2007 porque investimos em melhorias”, diz Oldani. Além disso, a Hering decidiu se aproximar dos franqueados. Começou a sugerir modelos de compra de coleções para evitar o excesso de estoque e a indicar como fazer promoções para desovar produtos encalhados.
Em meados de 2015, recomendou aos lojistas que vendessem roupas a preço de custo — para isso, bancou parte da remarcação de preços, o que lhe custou 7,5 milhões de reais. Por último, está reformando as lojas próprias e mandou os franqueados seguir o mesmo caminho.
Para ajudá-los, a companhia negociou descontos com fornecedores e vai subsidiar 10 milhões de reais e oferecer financiamento de 30 milhões de reais, sem juros, para 100 franquias. “Houve erros da Hering e erros dos franqueados, que agora estão trabalhando a quatro mãos.
Vimos uma melhora na concepção da coleção de inverno e estamos conversando com a empresa para melhorar as margens”, diz Marco Chadad, presidente do conselho de franqueados da Hering.
Para enfrentar as dificuldades, a Hering tem alguns fatores a favor. Primeiro, não tem dívida e tem 209 milhões de reais em caixa. Isso permite que faça investimentos, como o necessário ao desenvolvimento de tecidos e à expansão de fábricas. Outra vantagem é o fato de ter fábrica no Brasil — assim, depende menos de importações, que ficaram mais caras com a alta do dólar.
Apesar da patinada recente, a marca continua forte: a Hering está há seis anos entre as 20 marcas mais valiosas do país, segundo a consultoria Interbrands. Os analistas, porém, andam descrentes — nenhum dos 16 que acompanham a empresa recomenda comprar suas ações. “A Hering está tentando”, diz Guilherme Assis, analista da Brasil Plural. “Mas está tentando há três anos.”