Revista Exame

Após 40 anos, trecho perigoso da Régis está sendo duplicado

Duplicação da principal rodovia federal entre o Sul e o Sudeste do país deve ficar pronta em 2017. Já em outras estradas federais, nada de obras à vista

Rodovia Régis Bittencourt: na pista velha, veículos se espremem numa via de mão dupla. Em cima, a pista nova, a ser inaugurada (André Lessa/Exame)

Rodovia Régis Bittencourt: na pista velha, veículos se espremem numa via de mão dupla. Em cima, a pista nova, a ser inaugurada (André Lessa/Exame)

LB

Leo Branco

Publicado em 27 de julho de 2017 às 06h00.

Última atualização em 27 de julho de 2017 às 06h00.

São Paulo – Quem trafega ultimamente pela Régis Bittencourt, rodovia federal que liga São Paulo a Curitiba, pode notar um trabalho intenso de operários a 77 quilômetros da capital paulista. Nos 30 quilômetros em que a estrada cruza a Serra do Cafezal — uma cadeia de montanhas cobertas por ipês e jequitibás, entre outras espécies —, 800 homens trabalham nos ajustes finais da duplicação do último trecho em pista simples entre as duas metrópoles.

Trata-se de uma rodovia que começou a ser ampliada nos anos 70 e que só agora terá uma estrutura condizente com sua importância para o país. Nos últimos sete anos, 20 quilômetros foram duplicados. No trecho que falta, as novas pistas terão 39 obras de engenharia, como pontes, viadutos e túneis. Desse total, falta terminar a escavação de um túnel de 420 metros, concluir o acesso a um viaduto e instalar a sinalização. “O plano é liberar as novas pistas em dezembro”, diz David Díaz, presidente no Brasil da espanhola Arteris, concessionária da estrada desde 2008. Caso tudo saia conforme o previsto, a boa notícia, embora tardia, será um alento em meio às incertezas que rondam os investimentos privados em rodovias.

O trecho da Régis Bittencourt em fase final de ampliação é hoje um dos mais movimentados e perigosos do Brasil — um verdadeiro suplício para o motorista. Por ser o caminho mais curto entre a capital paulista e os estados do Sul, por ali passam 70% das cargas transportadas entre as regiões Sul e Sudeste, o suficiente para um trânsito diário de 15 000 caminhões. A frota divide espaço com 10 000 automóveis que também usam a via diariamente. Considerando os dois tipos de veículo, atualmente a estrada recebe o triplo da carga prevista na inauguração em 1961.

O excesso de trânsito, aliado às curvas íngremes, causa lentidão até mesmo na madrugada, horário que costuma ser tranquilo em outras rodovias movimentadas. Na ânsia de fugir dos congestionamentos, muitos motoristas se aventuram em ultrapassagens proibidas, causando acidentes, como choques e tombamento de veículos. É uma realidade que persiste há quatro décadas, quando os perigos do trecho colaboraram para a Régis Bittencourt ganhar o triste título de “Estrada da Morte”.

Em 2016, segundo a Polícia Rodoviária Federal, houve uma morte a cada 3,7 quilômetros de estrada na Serra do Cafezal. As mortes no trecho, de acordo com a Arteris, caíram 47% nos últimos sete anos. Mas, ainda assim, a mortalidade na Serra do Cafezal no ano passado foi 24% maior do que a média nos 402 quilômetros da rodovia de São Paulo a Curitiba. Além disso, foi quase o triplo da média nas estradas federais brasileiras, de uma morte a cada 11 quilômetros, um patamar já elevadíssimo na comparação internacional: na Suécia, país com as estradas mais seguras do mundo, no ano passado houve uma fatalidade a cada 32 quilômetros.

Por que uma rodovia tão importante para a economia brasileira está em agonia há tanto tempo? A resposta é uma combinação de uma legislação ambiental rigorosa com órgãos públicos lentos na busca de saídas para conciliar a preservação do meio ambiente com o desenvolvimento econômico. O enrosco começou em 1978, quando parte da Serra do Cafezal que margeia a rodovia foi declarada área de preservação pelo governo federal por abrigar um dos poucos trechos remanescentes de Mata Atlântica no estado de São Paulo.

A proibição do corte de árvores nos arredores da estrada atrasou a tentativa de duplicação, que só foi apresentada em 1996, 20 anos depois das primeiras obras de ampliação da Régis. O projeto, feito pelo antigo Departamento Nacional de Estradas de Rodagem (atual Dnit), previa 4 quilômetros de viadutos para reduzir o corte de mata nativa. Mas a pressão cerrada de grupos ambientalistas formados por moradores da região fez com que o Ibama só concedesse a licença ao projeto em 2002, dois anos depois da duplicação do restante da rodovia entre São Paulo e Curitiba.

Sonho verde

Apesar da aprovação do Ibama, a perspectiva de uma solução rápida para o gargalo da Serra do Cafezal durou pouco. No ano seguinte, uma ação do Ministério Público Federal, a pedido dos ambientalistas, embargou o processo sob a justificativa de que a duplicação ameaçaria o hábitat de animais silvestres próximos de extinção, como a onça-parda e o papagaio-de-peito-roxo. “As novas pistas deveriam ser inteiramente sobre viadutos e em túneis para reduzir o corte de árvores nativas”, diz a pedagoga Léa Corrêa Pinto, fundadora da Terrae, uma das ONGs envolvidas no caso. Foi a solução adotada na segunda pista da rodovia dos Imigrantes, inaugurada pelo governo paulista em 2002 com obras de engenharia delicadas nos 11 quilômetros em que a via atravessa remanescentes de Mata Atlântica no caminho de São Paulo a Santos.

O alto custo do projeto na época, de 300 milhões de dólares, está sendo pago com um valor de pedágio salgado: 25 reais. Para azar dos ecologistas, a Régis foi concedida à iniciativa privada em 2007, no governo Lula, sob a lógica de garantir pedágios baratos (hoje ele custa 3 reais) em detrimento de poucos investimentos na modernização da estrada. O resultado: uma solução que agradasse aos ambientalistas ficou longe do radar dos órgãos públicos. Uma decisão favorável à duplicação saiu na Justiça em 2009.

Mas, a essa altura, a licença expedida pelo Ibama já havia caducado e o processo teve de ser recomeçado quase do zero. “Essa obra sofreu com um excesso de preocupações ambientais que não coadunam com a realidade brasileira”, diz Claudio Frischtak, presidente da Inter.B, consultoria em infraestrutura.

O fim do suplício na Serra do Cafezal só começou a ser desenhado de fato há quatro anos, quando o trecho inteiro foi licenciado pelo Ibama — um acontecimento festejado por quem depende da estrada. O projeto de duplicação saiu bem diferente do sonho dos ambientalistas: foram planejados novos túneis, viadutos e pontes, mas o total de obras de engenharia tem uma extensão próxima do que previa o projeto inicial. A demora no licenciamento ambiental dobrou o custo da obra em relação ao orçamento inicial: no total, a Arteris deverá aportar 1,3 bilhão de reais.

Os investimentos devem se pagar logo. O tempo médio de viagem entre São Paulo e Curitiba, hoje de até 10 horas, deverá cair para 6. A maior rapidez vai facilitar a vida das transportadoras que rodam ali. É o caso da paulista Imediato, que diariamente coloca 20% dos 900 caminhões para levar a produção das fábricas de bebidas da Ambev no Paraná e em Santa Catarina a clientes em São Paulo. “Com a duplicação, vou entregar a mesma quantia com 25% menos frota”, diz Roberto Zampini Junior, vice-presidente da Imediato.

O fim do gargalo poderá reduzir o custo logístico da Região Sul em 630 milhões de reais ao ano, segundo um estudo da Federação das Indústrias do Estado do Paraná (Fiep). Para ter uma ideia da importância da obra, esse valor é 30% do total de ganhos possíveis numa lista de 51 projetos federais de infraestrutura mapeados na região. “Hoje, o trânsito na Serra do Cafezal força nossas indústrias a aumentar os estoques para evitar que a linha de produção fique desabastecida, causando perda de eficiência”, diz João Arthur Mohr, consultor da Fiep.

Se o suplício na Régis Bittencourt está perto do fim, o mesmo não pode ser dito de outros gargalos em estradas federais sob gestão privada. Nas contas da Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias, obras nos 15 principais pontos de estrangulamento de trânsito no país liberariam 30 bilhões de reais em investimentos. É o caso da duplicação de rodovias como a Transbrasiliana, no interior paulista, e a do Aço, no Rio de Janeiro, que poderiam movimentar 4,4 bilhões de reais. “Infelizmente, parece que tudo está regredindo no setor rodoviário”, diz César Borges, ex-ministro dos Transportes e presidente da ABCR.

Na lista de problemas estão desde a demora no licenciamento ambiental até a falta de autorização de obras pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT). A liberação de obras teria de ser acompanhada de extensão do contrato ou reajuste de pedágio para compensar o investimento da concessionária. Até agora, os técnicos do Tribunal de Contas da União têm visto nessas propostas uma forma de as concessionárias burlarem a concorrência — para eles, novas obras requerem licitação.

Para especialistas no setor, o receio dos técnicos da ANTT em receber sanções do tribunal por esse motivo travou o setor. A agência reguladora diz que está buscando um entendimento com o tribunal. “Temos ansiedade em ver as obras saírem”, diz Luiz Fernando Castilho, superintendente da ANTT. Ainda há muito a ser feito para resolver os gargalos das estradas federais. O entrosamento dos órgãos públicos seria um começo para evitar esperas tão longas quanto a dos usuários da Régis Bittencourt.

Acompanhe tudo sobre:ArterisEngenhariaEstradas

Mais de Revista Exame

Borgonha 2024: a safra mais desafiadora e inesquecível da década

Maior mercado do Brasil, São Paulo mostra resiliência com alta renda e vislumbra retomada do centro

Entre luxo e baixa renda, classe média perde espaço no mercado imobiliário

A super onda do imóvel popular: como o MCMV vem impulsionando as construtoras de baixa renda