Revista Exame

Por que o investidor estrangeiro aumentou o apetite pelo Brasil

Por diferentes motivos, os investidores estrangeiros avançam nos projetos brasileiros de infraestrutura. Num país com muito por fazer, é bom aproveitar

Plataforma de petróleo: os leilões mais recentes comprovam o interesse do capital internacional | Ricardo Funari/Brazil Photos/Getty Images

Plataforma de petróleo: os leilões mais recentes comprovam o interesse do capital internacional | Ricardo Funari/Brazil Photos/Getty Images

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Da Redação

Publicado em 12 de abril de 2018 às 05h00.

Última atualização em 12 de abril de 2018 às 11h36.

Não faz muito tempo, o Brasil vivia uma verdadeira liquidação de ativos. A combinação da crise econômica mais severa em décadas com o maior escândalo de corrupção já revelado na história do país complicou a vida dos acionistas de muitas empresas, que passaram a vender desde estradas e aeroportos até geradoras e distribuidoras de energia a preços baixos. Só as empresas enroladas na Lava-Jato aproveitaram o momento para vender 100 bilhões de reais em negócios nos últimos três anos, a maioria deles na área de infraestrutura, segundo a consultoria especializada em reestruturação Alvarez & Marsal. Foi o suficiente para começar a mudar a cara do setor no país. Antes dominado pelas grandes empreiteiras nacionais, agora há cada vez mais empresas espanholas, chinesas, canadenses e até indianas na cena.

O governo, é verdade, também ajudou. Os novos projetos de infraestrutura saíram com regras que foram capazes de reduzir a participação das empresas estatais e aumentar a presença de outros competidores. Foram desde medidas simples, como publicar os editais em espanhol e inglês — pasme, mas isso não acontecia até 2016 —, até algo mais complexo, como buscar opções para reduzir os entraves ao licenciamento ambiental. “O governo fez a lição de casa: lançou bons projetos e elevou a taxa de retorno”, diz Diogo de Faria, sócio da área de governo e regulação da KPMG e palestrante do EXAME Fórum PPPs e Concessões, realizado em parceria com a empresa de eventos Hiria no dia 9 de abril em São Paulo com a presença de 280 pessoas. O resultado da estratégia é que, dos 144 bilhões de reais em investimentos para projetos leiloados nos últimos dois anos nas áreas de aeroportos, portos, óleo e gás e energia, 90% têm a participação de estrangeiros, seja sozinhos, seja em consórcio com brasileiros.

EXAME Fórum PPPs e Concessões: André Lahóz Mendonça de Barros, diretor de redação de EXAME, conduz debate com Santiago Crespo, presidente da Associação Brasileira das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto; Diogo de Faria, sócio da consultoria KPMG; Frederico Turolla, sócio da consultoria Pezco; Osmar Lima, diretor do departamento de PPPs do BNDES; Maurício Portugal, sócio do Portugal Ribeiro Advogados; e Rogério Tavares, vice-presidente da Aegea | Flavio Santana

Grandes operadores internacionais estão desembarcando por aqui. No setor de petróleo e gás, a 15a rodada de licitação de blocos de exploração, realizada no fim de março, arrecadou 8 bilhões de reais, e em 90% dos lotes os estrangeiros estavam presentes. Com grande competição, o ágio médio chegou a 622%. O que mudou? As regras de uso de conteúdo local para os projetos foram flexibilizadas, a Petrobras não tem mais obrigação de ser a operadora única dos poços e hoje há um cronograma para a realização dos leilões, trazendo mais segurança ao investidor. A petroleira alemã Wintershall, que deixou o país em 2005 e ensaiava voltar desde 2013, arrematou sete das 22 áreas leiloadas, três delas sozinha e outras quatro em consórcios. “A costa do Brasil é considerada uma das áreas mais promissoras para o petróleo no mundo”, diz Gerhard Haase, diretor da Wintershall responsável pelo Brasil. “Estamos vendo um desenvolvimento positivo no país, com um clima favorável aos investidores.”

O risco das eleições: o sociólogo Bolívar Lamounier, da Augurium Consultoria, debate com o cientista político Ricardo Sennes, da Prospectiva Consultoria | Flavio Santana

Contribui — e muito — para esse apetite o fato de que, pela primeira vez em muito tempo, o Brasil sabe o que precisa ser feito em infraestrutura. Um estudo do banco americano Citi mostra que há 430 bilhões de reais em projetos de infraestrutura já mapeados nas áreas de transporte, óleo e gás e energia para ser realizados nos próximos 30 anos. “Temos mais projetos do que conseguimos executar”, diz Marcelo Marangon, presidente do Citi no Brasil. “E esse é um sinal do potencial da nova fase de investimento em infra-es-trutura no país.” Ainda é pouco ante os 5 trilhões de reais que o Brasil precisa para modernizar a infraestrutura e estar até 2038 entre os 20 melhores no quesito infraestrutura do ranking de competitividade do Fórum Econômico Mundial, segundo estimativa ambiciosa feita pelo Infra2038, grupo criado para dar impulso ao desenvolvimento da infraestrutura brasileira.

Os desafios das PPPs: Teresa Vernaglia, presidente da BRK Ambiental; Carlos Ari Sundfeld, professor na FGV/SP; e Marco Aurélio de Barcelos, secretário de articulações do PPI | Flavio Santana

Para quem olha de fora, as necessidades do Brasil são oportunidades. A empresa indiana Sterlite Power, que atua na área de transmissão de energia, escolheu o país para fazer seus primeiros investimentos fora da Índia, onde tem mais de 10.000 quilômetros de linhas. Em dezembro, a Sterlite ganhou o maior lote do leilão de linhas de transmissão, no valor de 800 milhões de dólares. Foi a terceira aposta da empresa, que havia arrematado dois lotes em abril de 2017. Ao todo, a Sterlite já alocou 1 bilhão de dólares para o Brasil, o maior investimento anunciado por uma companhia indiana em infraestrutura na América Latina.

O novo projeto envolve a construção de 1.800 quilômetros de linhas de transmissão no Pará e em Tocantins, parte das interconexões das redes Norte-Sudeste e Norte-Nordeste. “O Brasil é um dos mercados mais atraentes globalmente para quem atua em transmissão de energia”, diz Pratik Agarwal, presidente da Sterlite. “Há uma forte estrutura contratual, incluindo longos prazos de concessão de 30 anos, receitas protegidas contra a inflação, que ajudam a reduzir o risco cambial, e licitações baseadas em leilões para projetos. Esses fatores, juntamente com um pipeline de 30 bilhões de dólares em projetos no setor de transmissão, nos atraíram para o país.”

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São fatores desse tipo que estão trazendo uma nova leva de estrangeiros ao Brasil para investir em empresas e em negócios de infraestrutura. Entre eles estão fundos de pensão e fundos soberanos que prezam retornos de longo prazo estáveis. A gestora Vinci Partners, por exemplo, levantou 2 bilhões de reais basicamente para aplicar em transmissão de energia. Nessa rodada, vieram investidores de famílias ricas e fundos de pensão de menor porte. No entanto, a Vinci quer dobrar nos próximos três anos a quantidade de investimento no setor de infraestrutura. Na próxima leva, a gestora espera captar dinheiro dos grandes fundos internacionais de pensão. “Esses investidores se sentem melhor tendo um retorno menor, mas com mais segurança”, diz José Guilherme Souza, sócio responsável pela área de infraestrutura da Vinci Partners. “E esse é um capital de qualidade para o país, porque pensa em longo prazo, e que pode fazer a diferença para dar um salto na infraestrutura.”

Segurança para o investidor: José Roberto Caetano, redator-chefe de EXAME, mediou o debate sobre garantias entre Guilherme Estrada, presidente da Agência Brasileira Gestora de Fundos Garantidores e Garantias; Adailton Ferreira Trindade, superintendente de saneamento e infraestrutura da Caixa; Carlos Nascimento, diretor da LSE Enterprise; e Frederico Bopp, sócio do Azevedo Sette Advogados | Flavio Santana

No auge da crise, o Brasil atraiu para a infraestrutura investidores estrangeiros em busca de negócios com preços baixos, mas com estômago para aceitar o risco de atuar num país em que a economia estava num vale profundo, e que tem um histórico de desempenho parecido com o trajeto de uma montanha-russa. O exemplo mais destacado dessa fase é o da gestora de investimentos canadense Brookfield. Em 2016, a empresa anunciou a compra, por 17 bilhões de reais, de uma rede de gasodutos da Petrobras. Além disso, desembolsou mais 2,5 bilhões para adquirir a operadora de saneamento da Odebrecht — com a nova gestão, a empresa adotou a marca BRK Ambiental.

Junto com a espanhola Abertis, a Brookfield também investiu 4 bilhões de reais nos últimos dois anos na concessionária Arteris. No ano passado, a Arteris ganhou a concessão da Rodovia dos Calçados, um lote que envolve dez estradas entre as cidades de Itaporanga e Franca, no interior paulista. “O aporte, o maior já feito, mostra o interesse dos acionistas em crescer no país no longo prazo”, diz David Diaz, presidente da Arteris. Os chineses também começaram a participar da festa. A State Grid, maior estatal chinesa do setor elétrico, investiu 6 bilhões de reais para levar a fatia da Camargo Corrêa na geradora e distribuidora CPFL. Segundo a State Grid, nos próximos três anos serão investidos mais de 13 bilhões de reais no país.

Investimento

Com tudo isso, o Brasil conseguiu no ano passado alcançar o maior volume de investimentos estrangeiros na compra de negócios de infraestrutura em três décadas, de acordo com a consultoria Dealogic. O país foi o terceiro em volume de recursos recebidos em 2017. Foram 12 bilhões de dólares, atrás apenas dos 15 bilhões na Alemanha e dos 26 bilhões nos Estados Unidos. O valor do Brasil foi equivalente a quase o dobro do dirigido ao Reino Unido, três vezes o do México e seis vezes o do Chile. Apesar do avanço, o Brasil ainda tem uma baixa participação de estrangeiros no setor em comparação com seus pares emergentes. Dados do Global Infrastructure Hub, um órgão independente do G20 para alavancar bons projetos no mundo, mostram que o Brasil recebe do exterior o equivalente a 0,6% do produto interno bruto em investimentos em infraestrutura, ante 1,4% na média dos países emergentes.

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O interesse dos estrangeiros tem ajudado também as empresas brasileiras do setor. Em outubro do ano passado, a Aegea, concessionária privada de saneamento que atende 48 municípios, preparava-se para fazer sua primeira captação externa de recursos. A meta era levantar 400 milhões de dólares para financiar novos investimentos da empresa. A surpresa veio com o apetite dos estrangeiros. “Houve uma demanda de mais de 2 bilhões de dólares para os papéis que estávamos lançando”, conta Rogério Tavares, vice-presidente de relações institucionais da Aegea. A empresa acabou levantando apenas o valor pretendido inicialmente, mas numa condição vantajosa: prazo de sete anos e pagamento de juros semestrais de 5,75% ao ano.

Com o mercado internacional ávido por investir em infraestrutura, outras empresas brasileiras negociam com sócios estrangeiros mirando planos bilionários. É o caso da Ferrogrão, um projeto de ferrovia de 933 quilômetros para ligar Sinop, município em Mato Grosso, a Itaituba, no Pará, com capacidade para transportar 55 milhões de toneladas de grãos. O projeto, que custou 60 milhões de reais, foi custeado pelas principais tradings agrícolas — ADM, Cargill, Amaggi, Louis Dreyfus e Bunge —, oferecido ao governo e deve ser levado a leilão no segundo semestre. O valor do investimento é de 12,7 bilhões de reais.

As tradings vão entrar na disputa, dizem ter 2 bilhões de reais para o projeto e estão negociando com outros cinco sócios, todos estrangeiros, para levantar mais capital. “Podemos fazer a ferrovia em cinco anos, sendo que dois anos vão para as licenças e três para a obra. Depende de termos dinheiro ou não”, diz Guilherme Quintella, presidente da Estação da Luz Participações, empresa que concebeu o projeto da Ferrogrão.

O papel dos órgãos de controle: Fernando Vernalha (à esq.), sócio da VGP Advogados; o ministro Bruno Dantas, do Tribunal de Contas da União; e a advogada-geral da União, Grace Mendonça, discutiram a atuação das instituições federais de fiscalização | Flavio Santana

Embora o ambiente de investimentos para infraestrutura tenha melhorado, o Brasil ainda tem uma longa lista de entraves a remover. Já virou regra: a cada troca de prefeitos, os novos gestores querem revisar os contratos em andamento — na expectativa de cortar milagrosamente 30% da conta. “Todos os anos fazemos quatro ou cinco rebalanceamentos de contratos”, diz Teresa Vernaglia, presidente da BRK Ambiental, que opera em 180 municípios (70% deles com prefeitos de primeiro mandato). “Nossa área jurídica trabalha infinitamente mais do que a de engenharia.” Outro desafio na infraestrutura é uma espécie de paralisia que impera nos órgãos públicos responsáveis por processos de decisão que envolvem a participação privada. O avanço dos mecanismos de controle na administração pública — algo, sem dúvida, positivo para o combate à corrupção no país — teve como consequência um temor generalizado entre os servidores.

Qualquer irregularidade apurada na esfera pública acarreta hoje a responsabilização do funcionário público — que, no limite, pode ser penalizado no patrimônio pessoal e até criminalmente. Ou seja, os servidores fogem da pauta infraestrutura. “Há um clima de terror na administração. Se não resgatarmos a primazia do poder executivo no Estado brasileiro, nós vamos parar a máquina”, diz Marco Aurélio de Barcelos, secretário de Articulação para Parcerias e Investimentos da Presidência da República, programa com 175 projetos de empreendimentos, 75 deles já licitados. Barcelos foi um dos especialistas a palestrar no EXAME Fórum PPPs e Concessões, junto com outras autoridades, como o ministro Bruno Dantas, do Tribunal de Contas da União, e a advogada-geral da União, Grace Mendonça.

É verdade que parte da atração dos investidores internacionais pelo Brasil se dá porque o cenário externo é favorável, com as economias crescendo e muito dinheiro disponível para os mercados emergentes. A questão é que não se sabe até quando o bom momento deve durar — ventos contrários já começam a soprar com a rixa entre Estados Unidos e China. “Mesmo que o cenário mude para pior, a agenda é a mesma: o Brasil tem de maximizar as oportunidades para os investidores estrangeiros e tornar o ambiente de negócios mais atrativo”, diz Alberto Ramos, economista-chefe do banco Goldman Sachs para a América Latina. Com tudo o que temos por fazer, convém aproveitar — e alimentar — o apetite pelo Brasil.

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