Jair Bolsonaro, no Chile: “caneladas” da área ideológica atraem mais atenção do que as conquistas do governo (Rodrigo Garrid/Reuters)
André Jankavski
Publicado em 11 de abril de 2019 às 05h54.
Última atualização em 25 de julho de 2019 às 11h53.
Os executivos da empresa de logística Rumo, braço do grupo de energia Cosan, estão animados em relação aos próximos anos. Não apenas porque a companhia voltou ao lucro em 2018, depois de amargar dois anos de prejuízo, mas também porque eles enxergam um caminho livre para o crescimento por meio de parcerias com o governo.
Prova disso foi a Rumo ter arrematado a concessão da Ferrovia Norte-Sul pelas próximas três décadas por 2,7 bilhões de reais. O valor de outorga foi o dobro do esperado pelo governo. “Há uma sensação no setor de infraestrutura de que estamos vivendo uma exceção”, diz um executivo próximo às negociações. Esse alívio faz todo o sentido ao se analisarem os desmandos e as crises criados pela ala ideológica do governo — e que preocupam empresários ligados às áreas que essas fileiras imprevisíveis ocupam. Um exemplo são os negócios de educação.
Até agora, a maioria dos executivos das empresas do setor não tem nenhuma pista de quais serão as políticas para a educação básica ou para o ensino superior. “As reuniões no Ministério da Educação mostram que muitas pessoas não têm ideia do que estão fazendo lá dentro”, diz o presidente de uma grande empresa do setor. Uma boa notícia foi confirmada na segunda-feira 8 de abril com a demissão do ministro Ricardo Vélez Rodríguez, protagonista da desorganização na pasta da área.
As duas faces do mesmo governo mostram que, enquanto uma parte ficou no calor das polêmicas, outra demonstra que, sem muito alarde e com continuidade do que já havia, é possível gerar bons resultados. A equipe econômica, por exemplo, prepara-se para apresentar uma série de melhorias a partir do marco de 100 dias. A maioria delas está ligada à redução da burocracia do Estado. Entre as primeiras que serão anunciadas está a criação de uma nova ferramenta para o novo Sistema Nacional de Empregos (Sine), que conectará empresas de recursos humanos aos desempregados.
A ideia é aumentar a velocidade de recolocação dos demitidos — que são obrigados a se cadastrar no Sine para receber benefícios como o seguro-desemprego — cruzando as vagas disponíveis no mercado com o perfil dos candidatos. Tudo por meio de inteligência artificial.
Funcionará como um “Tinder do emprego”, numa menção ao conhecido aplicativo de relacionamento. Esse projeto faz parte da “medida provisória da liberdade econômica”, que o governo pretende apresentar após o marco de 100 dias. Além do novo Sine, a MP também vai abarcar frentes como o Brasil 4.0, com medidas para estimular a digitalização das empresas; o Simplifica, com reformulação de serviços públicos, como o eSocial, que é o ponto de comunicação entre empresas e o Estado; e o Pró-Mercados, com foco no estímulo à concorrência. Alguns pontos dessa onda de liberalização já saíram do papel: no dia 5 de abril, o governo iniciou um processo para liberar os preços de remédios isentos de prescrição médica. Já no dia 8 Bolsonaro sancionou a Lei do Cadastro Positivo, uma medida que deve estimular o crédito.
O governo também pretende estimular o empreendedorismo ao atacar um conhecido problema brasileiro: a burocracia para as empresas iniciantes. Está para sair do forno um novo marco legal para facilitar o ecossistema de startups no Brasil. Entre os benefícios estará a facilidade de abrir e fechar negócios, estimulando os que falharam a tentar a sorte em outro negócio no menor tempo possível. “Até o fim do governo, queremos estar entre os 50 melhores países para fazer negócio”, afirma Carlos da Costa, secretário Especial de Produtividade, Emprego e Competitividade do Ministério da Economia. Atualmente, o Brasil ocupa a 109a posição no levantamento de países com os melhores ambientes para negócios organizado pelo Banco Mundial.
Outro fator que pode elevar o Brasil nesse ranking é a área de infraestrutura, que vem trazendo boas notícias neste início de governo. Nesse caso, porém, não há nenhuma revolução em curso. A equipe, capitaneada pelo ministro da Infraestrutura, Tarcísio Freitas, está mantendo a mesma linha adotada pela gestão do ex-presidente Michel Temer. O resultado? Quatro leilões bem-sucedidos de aeroportos, ferrovia e portos que geraram uma arrecadação de 5,8 bilhões de reais em pagamentos de outorga desde janeiro — valor que aumentará para 8 bilhões de reais com pagamentos adicionais ao longo dos contratos. Para os próximos dias, são esperados editais de novos terminais em Santos (SP), Suape (PE) e Paranaguá (PR). Até o fim do ano, devem ocorrer novos leilões na área de rodovias, como a Nova Dutra, a Rio-Teresópolis e a BR-140. Outro projeto que corre por fora em 2019 é a capitalização da Eletrobras.
A importância da previdência
O problema é que até o que está dando certo pode sofrer com a falta de habilidade do núcleo central do governo. A Previdência, colocada como a prioridade número 1, 2 e 3 do governo, demora a engrenar. Ao contrário, está se mostrando uma missão bem difícil de ser alinhada com o Congresso. A proposta foi bem-aceita por agentes do mercado e até por diversos deputados, que discordam de pontos específicos, como regras mais duras para o Benefício de Prestação Continuada e para os trabalhadores rurais.
O principal problema, no entanto, é a fraqueza da articulação política, criticada de maneira uníssona por situação e oposição. “O presidente não é uma pessoa que tem tentado estimular uma convergência entre os congressistas. E ele se engana ao pensar que conseguirá aprovar qualquer coisa sem conversas”, afirma Tadeu Alencar (PSB-PE), líder do partido na Câmara. O sinal de alerta está ligado no governo. O deputado Capitão Augusto (PR-SP), vice-líder do governo na Câmara, estima que o governo não tenha ainda 200 votos para passar a reforma. “A principal falha do governo é que não acertou o diálogo com o Congresso”, diz.
Essa imagem de desorganização está fazendo com que as previsões a respeito da economia e do sucesso da reforma da Previdência caiam mês a mês. A projeção de crescimento do produto interno bruto de bancos e corretoras, medida pelo Boletim Focus, é de 1,97%. O número já foi de 2,55% no início do ano. Na questão da Previdência, prevalece a visão de que a reforma trilionária pretendida por Guedes seja muito difícil de acontecer. A consultoria de risco político americana Eurasia avalia que as desidratações na proposta diminuiriam a economia com a reforma para um patamar de 400 bilhões a 600 bilhões de reais em dez anos. A chance de a reforma passar, segundo a Eurasia, é de 70%. “É importante ressaltar que 30% é um percentual de derrota grande, mas o que traz otimismo é que deputados estão nos dizendo que não estão sendo massacrados pelas bases”, afirma Christopher Garman, diretor para as Américas da Eurasia.
Porém, a popularidade do presidente poderá afetar ainda mais esses números. Segundo o instituto de pesquisas Datafolha, Jair Bolsonaro tem a pior avaliação de um presidente em primeiro mandato desde a redemocratização. O levantamento divulgado em 7 de abril mostra que 30% dos brasileiros consideram o governo ruim ou péssimo, enquanto 32% o enxergam como ótimo ou bom — 33% julgam a gestão regular.
Entre os motivos dos índices fracos estão as “caneladas”, como o próprio Bolsonaro define, entre a área ideológica do governo e as outras. Seguidores do filósofo Olavo de Carvalho dentro do governo, e muitas vezes o próprio guru, estão trazendo dores de cabeça com posições mais radicais. Virou rotina acompanhar Carvalho xingando nomes mais moderados do governo nas redes sociais, como o vice-presidente Hamilton Mourão. A postura tem incomodado até mesmo apoiadores do filósofo. “É necessário separar o mundo das ideias e o mundo do governo.
Algumas pessoas estão errando a mão e não respeitando o tempo da democracia”, diz um membro do alto escalão do governo que já foi aluno de Olavo de Carvalho. A bateção de cabeça não ajudará o governo a levar adiante no Congresso pautas urgentes que nem entraram em discussão ainda, como a reforma tributária. “Trata-se de um governo de baixo consenso, e as pautas além da Previdência, que já está madura por causa do tempo que está sendo debatida, devem sofrer ainda mais resistência no Congresso”, diz Fernando Schüler, cientista político da escola de negócios Insper.
O presidente e sua equipe têm exemplos positivos no próprio governo. O caminho é claro: mais diálogo e mais projetos consistentes. E menos tempo ocupado com brigas nas redes sociais.