Lomanto Oliveira: carreira de sucesso no grupo Fasano, entre São Paulo, Rio de Janeiro e Salvador (Tati Freitas/Divulgação)
Daniel Salles
Publicado em 30 de junho de 2022 às 06h00.
Última atualização em 30 de junho de 2022 às 15h31.
A primeira cozinha na qual Lomanto Oliveira pisou a trabalho foi a do restaurante Fasano, em São Paulo, que na época era comandado pelo chef Luciano Boseggia. Então com 17 anos — falamos de 1996 —, Oliveira debutou nesse ramo como quase todo mundo: como um simples ajudante. “Me identifiquei com esse universo logo de cara”, lembra Oliveira. Nascido em Jacobina, na Bahia, há 43 anos, ele tinha acabado de desembarcar em São Paulo para tentar a sorte, seguindo os passos de um irmão.
Em 2002, quando já era um chef pâtissier reputado, foi transferido para o Rio de Janeiro para substituir temporariamente um cozinheiro do Gero de Ipanema, que havia sido inaugurado no mesmo ano. “Achei que ficaria somente 15 dias na cidade, mas foram anos e anos”, recorda Oliveira, que depois trabalhou no Hotel Fasano da cidade, inaugurado em 2007. Em 2016, depois de uma longa temporada no Quadrifoglio — onde entrou como pâtissier e saiu como mandachuva —, voltou ao grupo encabeçado por Rogério Fasano.
Não resistiu ao convite para comandar o extinto Gero da Barra da Tijuca. Dois anos depois, foi incumbido de um desafio ainda maior: chefiar o Fasano do sétimo hotel do grupo, o de Salvador. Responsável pelo retrofit do prédio, o arquiteto Isay Weinfeld revestiu as paredes do restaurante com fibra de bananeira, decorou-as com obras de arte garimpadas em ateliês locais e transformou em lustres uns recipientes de latão originalmente usados na produção de açúcar.
Eleito o 88º melhor restaurante do país pela Casual EXAME, o Fasano de Salvador aproxima a culinária italiana da gastronomia local. Serve clássicos como agnolotti de cordeiro com fonduta de pecorino e redução de vinho tinto, mas também bobó de camarão com arroz, casquinha de siri e três tipos de moquecas. O linguine napolitano com lagosta e o espaguete com frutos do mar são os pratos mais pedidos.
Sim, Oliveira também precisou enfrentar o preconceito racial ao longo de sua trajetória. “Ainda hoje alguns clientes se mostram surpresos, para dizer o mínimo, quando descobrem que o chef sou eu”, registra. “Mas vejo uma mudança em curso, porque nunca se falou tanto sobre a importância da diversidade racial. E isso poderá fazer com que mais pessoas negras tenham as mesmas oportunidades que eu tive.”
Foi no ensino médio que Laércio de Souza Silva se transformou em Laércio Zulu, único bartender negro a vencer a etapa brasileira do World Class, em 2014. Baiano de Amargosa, onde nasceu há 34 anos, ele incorporou o apelido logo depois de apresentar um seminário a respeito de Shaka Zulu (1787-1828), tido como o fundador da nação africana dos zulus. “A partir de agora, só me chamem de Zulu”, vociferou o futuro mixologista ao final da apresentação.
Em São Paulo, onde mora desde 2009, quase todo mundo acatou o pedido. “Alguns clientes, que se dizem ‘desconstruídos’, já disseram que não me chamariam de Zulu, pois a palavra também é usada, de forma pejorativa, para designar pretos retintos”, lembra o bartender. “Sempre respondi que é por isso mesmo que faço questão de ser chamado assim.”
Um dos raros negros a ganhar os holofotes no universo da coquetelaria, Zulu não mede palavras para expor as dificuldades que enfrenta até hoje. “Quando estou atrás do balcão, de chapéu e camisa de linho, sou como o Pelé, um dos poucos pretos que todo mundo admira”, afirma. “Se vou de chinelos e bermuda ao mesmo tipo de estabelecimento, pode apostar que algum segurança vai me olhar torto.”
Hoje é o mixologista à frente do Grupo São Bento de Gastronomia, com nove operações — são três unidades do Boteco São Bento, duas do São Conrado, duas da Tartuferia San Paolo, uma do Tuy Bar, Cocina e uma do japonês Yu, sendo que há mais inaugurações à vista. “A pandemia paralisou esse mercado e fez com que muitos bartenders desistissem do ramo, o que explica a atual falta de mão de obra qualificada”, diz Zulu. “Mas nossas casas estão batendo recordes, pois a retomada veio com força.”
Desde que debutou nesse meio, ele criou cardápios para cerca de 35 estabelecimentos, do restaurante Vista, no Parque do Ibirapuera, em São Paulo, ao Meza Bar, em Humaitá, no Rio de Janeiro. Em praticamente todos os menus, incluiu o drinque que inventou com cachaça envelhecida em amburana, suco de limão, xarope de açúcar, vinho tinto seco e espuma de gengibre. É o Banzeiro. “Pelo que sei, é servido atualmente em 36 bares, de oito estados”, informa Zulu. “Vai virar um clássico nacional.”
Chef e jornalista, Larissa Januário se divide entre a gastronomia e a comunicação desde 2004. Foi quando lançou o blog SemMedida, no qual registra o que inventa na própria cozinha — a página reúne centenas de receitas descomplicadas. “Escrever sobre comida me dá a chance de estudar e aprender ainda mais sobre um tema que amo”, afirma. Ao lado do marido, o chef Gustavo Rigueiral, ela também comanda uma empresa de jantares personalizados que só revela o menu para os convidados quando eles já estão à mesa.
O negócio, intitulado Jantar Secreto, nasceu em 2014 e tinha como base uma espaçosa casa na Vila Mariana, em São Paulo — era onde o casal residia. Em 2021, no entanto, por culpa da pandemia, a dupla se viu obrigada a mudar para um apartamento incompatível com o tipo de evento que costumava fazer, para até 18 pessoas. Para contornar o problema, os dois miram, de lá para cá, clientes corporativos e recorrem a espaços alugados — Google, Coca-Cola, IBM e Hugo Boss são algumas das marcas atendidas até aqui.
Em média, a dupla cozinha para uma empresa diferente a cada semana. Para o público geral, vale dizer, o Jantar Secreto não fechou as portas. Elas agora são abertas, no entanto, só uma vez a cada dois meses e sempre em espaços alugados. Para essa clientela, os jantares, com quatro etapas, custam por volta de 190 reais por pessoa; com harmonização, os preços rondam os 350 reais. Rigueiral chefia a cozinha e Larissa Januário, o atendimento — a dupla é escoltada por seis funcionários.
Goiana de Rio Verde, onde nasceu há 43 anos, Larissa Januário é uma das poucas mulheres negras com um programa de TV para chamar de seu. À vontade diante das câmeras, ela debutou na grade do canal Sabor & Arte, do Grupo Bandeirantes, no final do ano passado. O programa é uma versão televisionada do SemMedida — Rigueiral também tem um quadro na grade da emissora focada em gastronomia. Orgulhosa de sua identidade racial e de suas conquistas, a chef não admite nenhum tipo de insinuação preconceituosa. “Ninguém me ofende ao me chamar de negra”, costuma dizer. “Ofensa é me chamar de morena.”